Em meio à tensão generalizada na economia mundial por causa da epidemia do coronavírus, os mercados globais viveram um novo dia de caos nesta segunda-feira (9). Desta vez, outros fatores entraram na conta e agravaram a situação, sobretudo a "guerra do petróleo" entre Rússia e Arábia Saudita, que levou os preços da commodity a sofrerem o maior tombo desde a Guerra do Golfo.
Numa comparação com a aviação, é como dizer que o mercado já vinha passando por turbulências sérias, e, agora, o avião da economia global também apresenta problemas, como avarias no motor, e começa a perder o controle. Naturalmente, o temor maior neste caso é a queda deste avião, representando uma nova recessão global.
Pelo mundo, as bolsas de valores fecharam os pregões desta segunda com fortes quedas e as moedas emergentes sofreram intensa desvalorização. No Brasil, o índice Bovespa, o principal da bolsa brasileira, a B3, desabou 12,71%, maior queda percentual do século. A pior tinha sido em 10 de setembro de 1998, causada pela moratória da Rússia. O Ibovespa fechou em 86.067 pontos.
Logo na abertura da sessão, a B3 teve que acionar o "circuit breaker", um mecanismo que suspendeu os negócios por pouco mais de meia hora, depois de o Ibovespa ter caído mais de 10%. Após uma melhora pontual, o índice voltou a acelerar o ritmo de queda, acompanhando o mercado internacional.
Já o dólar fechou o dia em R$ 4,7243, com alta de 1,95%. Mais cedo, a taxa de câmbio bateu mais um recorde nominal - descontando a inflação desde o Plano Real, atingindo a casa de R$ 4,79. A moeda americana já é vendida a R$ 5,12 em casas de câmbio no Espírito Santo.
O cenário já era de temor nas últimas semanas por causa da epidemia de coronavírus. Com o risco de ser classificado como pandemia, o vírus tem se espalhado pelo mundo com bastante velocidade. O medo é que a atividade econômica seja reduzida por conta disso, assim como já acontece na China.
Pedro Lang, head de renda variável da Valor Investimentos, reconhece que o mercado sempre exagera, ora para cima ora para baixo, mas todos foram pegos de surpresa com a movimentação desta segunda.
É importante destacar que a reação do mercado desta segunda não foi só ao coronavírus. Um outro medo de investidores ultrapassou esse, o de uma nova crise do petróleo causada pela guerra nos preços que foi deflagrada pela Arábia Saudita em retaliação à recusa da Rússia em concordar com cortes na produção.
Nesta segunda, os contratos futuros de petróleo fecharam em forte queda. A cotação do barril de petróleo Brent (que é a referência no mercado internacional) tombou 24,10%, ou US$ 10,91, fechando US$ 34,36 o barril, menor valor em quatro anos. Mais cedo, o valor beirou os US$ 30. Com isso, só a Petrobras teve perdas aqui no Brasil de R$ 91,1 bilhões em valor de mercado.
O temor neste caso é maior. Em relatório, a agência de classificação de risco Fitch Ratings afirma que "os efeitos do choque do petróleo podem durar muito mais do que aqueles provenientes do coronavírus".
Por causa do avanço do vírus, a cotação do petróleo já vinha em queda devido à desaceleração da economia global, o que afeta a demanda por energia. Para tentar conter essas reduções no preço a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) sugeriu, na sexta-feira (6), diminuir a produção para tentar estabilizar os preços da commodity.
A Rússia, porém, se posicionou contra o corte, e a Arábia Saudita reagiu no domingo (8), ao anunciar uma redução no preço de venda e um aumento na produção a partir de abril. Com o anúncio, os preços desabaram.
A disputa é clara: mais espaço de poder na geopolítica mundial, avalia a economista e professora da Fucape Arilda Teixeira, que é especialista em comércio internacional. Aliados desde 2016 a fim de manter preços mais altos para o petróleo, Rússia e Arábia Saudita romperam numa tentativa de aumentar a produção e de cobiça pelo posto de maior exportador do produto.
A avaliação de analistas é que esse movimento foi bem calculado pelos russos. Tanto é que o país assumiu os riscos e disse que tem até US$ 150 bilhões para cobrir perdas, suportando até uma década com o barril a US$ 25.
O temor nessa situação é de uma quebradeira generalizada de empresas de petróleo, visto que, com o preço do barril tão baixo,muitas não conseguiriam nem arcar com os custos da operação. Na avaliação de Pedro Lang, o cenário seria caótico.
"O petróleo baixo é ruim é algo ruim apenas para as empresas de petróleo. Para o resto da pessoas é bom, porque reduz o preço dos combustíveis e o custo para empresas produzirem. Mas com isso as petroleiras não vão conseguir se viabilizar mais e poderíamos ter uma quebradeira delas em todo mundo".
Tudo isso se dá em meio ao medo de uma nova retração na economia americana, a maior do mundo, o que levaria a uma catástrofe global. Na Europa o cenário é ainda pior, com projeções ainda mais negativas e o avanço mais rápido do coronavírus pelo continente.
Entra aí um outro problema, o de lideranças políticas. Segundo Arilda Texeira, num momento como este de tensão global fica claro que falta governança nas relações internacionais, o que normalmente era feito pelos Estados Unidos. Sob Donald Trump, o país parece ter abandonado este posto para apostar no radicalismo.
"O presidente de lá está mais querendo colocar fogo do que apagar fogo", comenta a economista. Decisões populistas com a da Rússia ou da Arábia também não ajudam nesse momento.
No Brasil a situação é similar. Para Arilda, presidente Jair Bolsonaro está ajudando a piorar a situação. "Ele não está sabendo se comportar como um legítimo estadista. A forma como ele se relaciona com o poder e com a população coloca os agentes econômicos na defensiva".
Há também fatores internos nessa crise. O risco-país do Brasil subiu 40% nesta segunda. Medido pelo Credit Default Swap (CDS), um tipo de contrato que funciona como termômetro da confiança dos investidores em relação a economias. A alta foi a maior da história.
Se o índice sobe, é um sinal de que os investidores temem o futuro financeiro do país, vendo maior risco; se ele cai, o recado é o inverso: sinaliza aumento da confiança em relação à capacidade de o país saldar suas dívidas.
De acordo com a professora Arilda Teixeira, o aumento se deve ao fato de que a economia brasileira ainda está muito fragilizada e ainda não tem tracionado para se recuperar da última crise nacional. Com isso, não há nenhum ponto de apoio para se segurar mediante o caos do cenário internacional.
"A nossa economia não tem nenhum instrumento interno que a permita se proteger. Ela não tem alternativa doméstica para segurar sua atividade com algum elemento que a distingue dos outros para passar por esse processo com menos redução. Temos um parque produtivo que depende da demanda internacional e ainda com baixa diversificação", comenta
Afinal, os rumos dos mercados brasileiro e global podem afetar apenas investidores? A resposta é não. Então isso pode afetar o meu bolso? Sim.
Se o cenário persistir, analista preveem uma nova e grande crise econômica mundial, que por mais que já vinha sendo projetada, tende a se instalar agora de forma rápida e avassaladora.
O resultado seria drástico: extinção de milhares de postos de trabalho, queda na renda, falência de empresas e descontrole nos preços. Como projeta Arilda:
"Se continuar nesse ritmo, a atividade econômica vai ficar ainda mais baixa. Com isso, o cidadão comum que está desempregado vai ter ainda mais dificuldade em encontrar emprego e quem já está empregado terá mais dificuldade em conseguir um aumento. As empresas vão ter que se apertar novamente e fazer ajustes para tentar sobreviver. É um horizonte muito ruim".
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