Após o processo que apura a formação de um esquema criminoso de lavagem de dinheiro com sede no Espírito Santo ter sido enviado para Justiça Federal, a vara criminal que julga o caso decidiu mandar parte do caso novamente para a esfera estadual. Definiu ainda que os crimes contra a União terão que voltar a ser investigados, desta vez sob condução do Ministério Público Federal (MPF) e da Polícia Federal.
As fraudes foram trazidas à tona pela Operação Piànjú, deflagrada em dezembro do ano passado pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES) e pela Policia Civil. A suspeita é de que o grupo, que já conta com 15 denunciados, tenha movimentado R$ 800 milhões em dois anos em empresas fantasma e remessas ao exterior.
O juiz substituto Victor Yuri Ivanov dos Santos Farina, da 2ª Vara Federal Criminal de Vitória, decidiu que não há, no momento, elementos que sustentem um processo no âmbito federal referente aos réus, incluindo os empresários capixabas acusados de comandar a organização.
Ele apontou que apenas a parte do esquema referente ao envio de valores supostamente obtidos de forma ilícita à China e aos Estados Unidos são de interesse da União. Contudo, argumentou que a denúncia feita pelo Ministério Público do Espírito Santo não foi ratificada pelo Ministério Público Federal e, por isso, ainda não há base para que se abra um processo em relação a esses feitos.
O órgão ministerial e a Polícia Federal devem continuar a investigação sobre esses elementos para, posteriormente, caso julguem necessário, apresentar nova denúncia. Isso significa que, no momento, os 15 acusados já não são mais réus na Justiça Federal.
Na decisão, o magistrado apontou que seis das empresas investigadas por movimentações suspeitas, que chegam a R$ 300 milhões, só há indícios de envio de dinheiro para fora do país em três delas. Duas das empresas teriam recebido e enviado, juntas, R$ 134 milhões para a China e os Estados Unidos. Não foi apurado o montante movimentado pela terceira empresa.
Contudo, em parecer anexado ao processo, o MPF afirmou não ter como ratificar a denúncia sobre esse caso, pois acredita ser necessário reunir elementos mais robustos, já que a denúncia feita pelo órgão estadual não detalhou essas remessas internacionais especificamente.
Por isso, o MPF pediu que o caso fosse desmembrado, “restando à competência da Justiça Federal o processamento e julgamento dos fatos atinentes às remessas internacionais e fatos que as circundam, como as falsidades documentais (faturas e contratos) voltadas a possibilitar o fechamento dos contratos de câmbio e as remessas dos numerários ao exterior, a configurar, em tese, crime contra o Sistema Financeiro Nacional, e não, mera etapa do delito de lavagem de dinheiro, repise-se, já antes consumado”.
Já o restante do processo foi remetido de volta ao tribunal de origem. À Justiça estadual caberá julgar a parte do esquema que não envolve crimes de competência da União. O grupo foi denunciado por formação de organização criminosa, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro.
Desde dezembro do ano passado, quando foi deflagrada a Operação Piànjú, o esquema de lavagem de dinheiro e ocultação de capitais vinha sendo analisado pela 5º Vara Criminal estadual de Vitória. Partiu dela as decisões de prender e manter presos seis dos 15 investigados.
Contudo, em 30 de abril deste ano, uma decisão liminar e monocrática do desembargador Pedro Valls Feu Rosa apontou para o declínio de competência da Justiça estadual para julgar o caso. Ele citou, justamente, os indícios de crime de evasão de divisas, que é de interesse da União. A mudança era um pleito do próprio MPES e da defesa dos réus.
Com isso, o caso foi para a Justiça Federal. Lá, um primeiro parecer do MPF apontou não haver interesse da União, o que suscitaria uma dupla negativa de competência. Isso significa que nenhum dos dois tribunais aceitou o caso, o que exigiria que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tomasse uma decisão quanto a quem caberia analisá-lo.
O juiz federal Victor Yuri Ivanov dos Santos Farina não acatou, na ocasião, o pleito ministerial e pediu um novo parecer. Contudo, os réus que estavam presos na ocasião entraram com pedido de liberdade e foram autorizados a sair da cadeia para serem monitorados com tornozeleira eletrônica. Eles não estão em prisão domiciliar, só não podem deixar o Estado onde vivem sem autorização.
Agora, parte do processo deve voltar novamente à Justiça estadual, que deverá se ater apenas à análise dos delitos que não são de competência federal. Enquanto isso, o MPF e a PF vai investigar a suspeita de evasão de divisas. Contudo, como não há mais nenhum preso, não há prazo previsto para apresentação, ou não, de denúncia.
De acordo com os responsáveis pelas investigações, empresas de fora do Estado contratavam o grupo capixaba para "limpar" o dinheiro sujo. Uma vez que o recurso era obtido de forma ilegal pelos “contratantes”, a cifra passava por uma rede de empresas de fachada no Espírito Santo. Daí era enviado ao exterior sob a forma de contratos de prestação de serviço que nunca eram executados. Ao todo foram movimentados mais de R$ 800 milhões.
“Eram serviços de transporte marítimo internacional, de exportação e importação. As empresas faziam contratos fraudulentos como se estivessem prestando serviços de aluguel de contêiner, desembaraço aduaneiro, porque eles precisavam que fossem contratos internacionais para conseguir processar a remessa para fora (do país)”, explicou o titular da Delegacia de Furto e Roubo de Veículos, delegado Ricardo Toledo, em coletiva de imprensa realizada no dia 17 de dezembro.
Dessa forma, segundo as investigações, eles davam ares de legalidade para o dinheiro obtido ilegalmente pelos “clientes”, seja através de corrupção, tráfico de drogas ou outros crimes. Para driblar ainda mais qualquer desconfiança por parte dos órgãos de controle, todos os impostos e taxas referentes aos contratos eram recolhidos corretamente.
Dados incorporados ao processo mostraram ainda que, para que esse dinheiro chegasse à "lavanderia" sediada no Estado, como é chamado o esquema pela polícia, ele era enviado aos poucos, em múltiplos depósitos diários de pequeno valor.
Esses depósitos tinham como origem contas em vários Estados brasileiros e como destino as muitas empresas de fachada criadas pelo grupo com o uso de identidades falsas.
“A partir dessa grande quantidade recebida, os valores iam pulando para outros grupos de empresas, até que chegavam em um grupo de cinco empresas aqui. Algumas eram utilizadas concomitantemente, mas de forma alternada para evitar chamar a atenção das autoridades”, explicou o titular da DFRV.
Era desse grupo mais restrito de empresas que partiam os contratos e remessas bancárias para os Estados Unidos e China. "Eles eram uma grande lavanderia, atendiam diversos clientes. Algumas das empresas clientes, pelo menos quatro delas, que utilizaram os serviços, foram alvo da Operação Lava Jato em diversas fases".
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