Ir ao supermercado se transformou em um drama para muitas famílias. Com os preços dos alimentos 18,5% mais caros que no início de 2020, manter a dispensa com o mínimo necessário tem consumido a maior parte da renda dos trabalhadores. Segundo o Dieese, o custo da cesta básica em Vitória já representa 57% do salário mínimo. Em 10 anos, é a primeira vez que com um salário não dá comprar duas cestas básicas.
Os danos mostram que a alimentação ficou mais cara nos últimos anos e a renda familiar não acompanhou. Com isso, cai o poder de compra das famílias, que acabam sem ter como gastar com outros itens, mesmo os essenciais, como medicamentos ou moradia. Na última década, o salário mínimo subiu 91,7%, e, no mesmo período, a cesta básica na Capital aumentou 117,9% (o Dieese só pesquisa capitais).
Em 2011, o piso salarial estabelecido pelo governo federal era de R$ 510. Já a cesta básica custava R$ 275, ou seja, cerca de 50% do valor. Essa proporção foi caindo nos anos seguintes até atingir 41% em 2017. Desde então, a tendência tem sido de uma participação cada vez maior dos alimentos no orçamento dos trabalhadores. Todos os dados são referentes a dezembro.
Por lei, a correção do salário base precisa, no mínimo, repor as perdas com a inflação, baseada no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), calculado pelo IBGE. Com isso, a remuneração mínima de 2020 foi fixada em R$ 1.045 (em 2021 ele passou a ser de R$ 1.100).
O economista e conselheiro do Conselho Regional de Economia do Espírito Santo (Corecon-ES) Ricardo Paixão comenta que o governo federal tem uma política de elevação do salário mínimo, mas ela não acompanha o ritmo do aumento da cesta básica. De acordo com ele, o governo aponta várias justificativas, como os impactos desse reajuste na despesa do governo e nos gastos previdenciários, por exemplo.
"Além disso, o governo está vivendo um déficit fiscal muito alto, gastando mais do que vem arrecadando. Isso acaba sendo uma justificativa para não reajustar o salário de forma que o trabalhador tenha um ganho real, com aumento acima a inflação", enfatiza.
O economista lembra ainda que, nas famílias com menor renda, o principal componente das despesas é a alimentação. "Como os alimentos têm subido muito, isso tem grande impacto às famílias. Muitas pessoas ou deixam de comprar, ou substituem produtos. Com o aumento dos gastos, elas ficam numa situação complicada. Viver só do salário mínimo não é fácil", aponta.
Ainda de acordo com o Dieese, no ano passado, o trabalhador precisaria ter um salário mínimo equivalente a R$ 5.304,90 para conseguir atender a uma família de dois adultos e duas crianças.
Qualquer aumento na alimentação impacta diretamente no orçamento das famílias. A cesta básica na capital capixaba, de acordo com os dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), passou de R$ 242, em 2011, para R$ 600,28, em 2020.
Para se ter ideia, apenas no ano passado, a variação do preço da cesta básica entre janeiro e dezembro foi de 21,95%. Em janeiro esse conjunto de itens custava R$ 492,20, aumentando R$ 108,08 no intervalo de 12 meses, valor esse que não se traduziu em aumento no salário do trabalhador.
A lista da cesta básica do Dieese é composta pelos itens mais consumidos pelos brasileiros: carne, leite, feijão, arroz, farinha, batata, tomate, pão, café, banana, açúcar, óleo de soja e manteiga. Ela é calculada para atender a uma família de dois adultos e duas crianças.
Em dezembro de 2020, em relação ao mês anterior, doze dos treze itens que compõe a lista de compras tiveram aumento, sendo que cinco deles tiveram índices superiores a 50%, como foi o caso do óleo de soja (105,96%), batata (89,82%), arroz (76,83), banana (59,72%) e feijão (55,40). O único que deflacionou foi o café (-3,75%).
O preço dos produtos aumentou devido a fatores que envolvem o mercado interno e externo. De acordo com os economistas, entre eles estão a alta do dólar, que favoreceu a exportação e fez com que o agronegócio preterisse o mercado interno causando desabastecimento; o endividamento dos produtores, devido à secas e à baixa dos preços em anos anteriores; o aumento do consumo de alimentos, em virtude da liberação de auxílio emergencial; e os impactos da pandemia do novo coronavírus na produção industrial.
Ao passo em que as despesas aumentam e o salário não é recomposto na mesma proporção, os trabalhadores precisam encontrar formas de driblar essa situação. O economista Ricardo Paixão aponta que colocar no papel todas as despesas é essencial. Ele explica que é preciso saber onde e quanto você está gastando. Com isso é possível definir prioridades e, em alguns casos, cortar custos desnecessários.
"Além disso, no tempo vago, se tiver, ele pode usar uma habilidade que tem - como cozinhar, fazer unha ou artesanato, por exemplo - para ter uma renda extra. Essa é uma forma de sair dessa asfixia financeira. Realmente o salário mínimo é muito pequeno e não dá para atender as condições básicas do trabalhador", aponta.
O especialista lembra ainda que o governo também tem um papel importante junto ao trabalhador. Segundo o economista, é necessário que o poder público se organize para desenvolver mecanismos para que o salário mínimo se aproxime desse valor ideal proposto pelo Dieese (R$ 5,4 mil).
O economista Herivelto dos Santos Almeida complementa que é preciso a adoção de medidas combinadas. "Retomada do investimento público para sinalizar aos investidores que o ambiente de negócios está menos arriscado e, ao mesmo tempo, retomar a agenda de reformas estruturais, principalmente a Tributária, é fundamental."
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