O isolamento social proposto por governos e entidades médicas do Brasil e do mundo como a única medida para reduzir o contágio do novo coronavírus encontra barreiras na desigualdade social. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Espírito Santo tem mais de 147 mil famílias morando em residências onde dormem três pessoas ou mais em cada quarto. Quase metade está nos quatro municípios da Grande Vitória.
Essa condição, mais comum em áreas periféricas, dificulta o distanciamento e favorece a proliferação do vírus entre habitantes de uma mesma casa. A pandemia do coronavírus trouxe novamente à tona a discussão sobre a precariedade das moradias, principalmente, nos grandes centros urbanos. A dificuldade das famílias mais pobres ao crédito para aquisição da casa própria, com o enfraquecimento do Minha Casa Minha Vida, também contribui para o problema.
Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, a maioria dos lares nessa situação se concentra nas regiões mais pobres: a Serra encabeça a lista, com mais de 22 mil famílias vivendo em residências muito adensadas (3 ou mais pessoas por dormitório). Em seguida vêm Cariacica, com pouco mais de 18 mil, e Vila Velha, com 15,7 mil. Vitória tem pouco mais de 10 mil pessoas nessa situação.
Como os dados são do Censo Demográfico de 2010, último levantamento com essas informações realizado no Brasil, é possível que esses números sejam subestimados.
A cuidadora de idosos Rosineide Parreira Soares, 44 anos, foi diagnosticada com Covid-19 há cerca de uma semana. Na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Nova Carapina, na Serra, recebeu junto da receita médica um papel com orientações de distanciamento e isolamento que deveriam ser praticadas em casa para evitar que ela transmitisse o coronavírus aos outros membros da família.
Cumprir as determinações, contudo, não tem sido fácil. Moro em uma casa com sete pessoas em Cidade Pomar. Meu marido é hipertenso e meu filho amanheceu hoje com sintomas de gripe. Fico de máscara o tempo todo, estou tentando fazer o isolamento, mas é muito difícil, diz.
Por precaução, os pais de Rosineide, que são idosos, foram morar com a irmã dela. Ainda assim, a preocupação não a tem deixado dormir. Tenho tido muita insônia. Eu levanto de madrugada, mesmo com dor no corpo, e desinfeto a minha casa toda, conta.
Para a especialista em Saúde Coletiva e professora de Epidemiologia da Ufes Maria del Carmen Molina, a pandemia de coronavírus tem dois padrões epidêmicos: um dos bairros nobres e outro das comunidades.
No padrão do asfalto, dos bairros mais nobres, nós conseguimos fazer distanciamento físico, temos acesso ao álcool em gel, fazemos compra pela internet, recebemos supermercado em casa, fazemos higienização de tudo. O outro padrão é o das comunidades com densidade demográfica muito elevada, fornecimento irregular de água, falta de acesso a sabão e outros desinfetantes, explica.
Segundo a professora, esse adensamento facilita o contágio rápido em uma mesma área e está com frequência associada a outras dificuldades, como manter hábitos de higiene e cuidados necessários para evitar a contaminação.
A pessoa contaminada dentro de uma casa precisa ter tudo de uso exclusivo dela. Um prato, um copo, uma roupa de cama, uma toalha. Isso não é possível para muita gente, afirma.
Essa situação também tem sido presenciada pelo presidente estadual da Central Única de Favelas (Cufa-ES), Gabriel Costa Nadipeh. A entidade tem recolhido e feito a entrega de material de limpeza, comida e brinquedos em áreas de grande vulnerabilidade e tem encontrado um cenário desolador.
Tem caso que a casa tem três metros por quatro, toda de madeira, telhado de eternit e 11 pessoas moram ali. Como manter a quarentena num lugar desse?, questiona.
Ele afirma que, quando havia aulas, as crianças iam para a escola, alguns adultos saíam para trabalhar, o que promovia uma alternância de pessoas dentro de casa. A situação atual, porém, não possibilita mais isso.
Uma coisa é passar um ou dois dias naquele espaço apertado, onde faz muito calor. Outra coisa é ficar meses e semanas, aponta.
Os números da IBGE também mostram a fragilidade de algumas cidades do interior do Estado. Por lá, apesar de o número de residências adensadas não ser tão expressivo, chama atenção a proporção delas. Em Sooretama, Itapemirim e Conceição da Barra, por exemplo, uma em cada cinco casas tem pelo menos três pessoas por dormitório.
Para comparação, em Colatina, é uma em cada 10 e em Alfredo Chaves, uma em cada 20.
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