A proposta que unifica duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) de reforma tributária que tramitaram pelo Congresso nos últimos anos – uma na Câmara e outra no Senado –, a fim de simplificar o sistema de tributação e acabar com a guerra fiscal entre os Estados, afetará os mais diferentes setores da economia. Por consequência, vai impactar também os empregos e as relações de consumo.
O texto vem sendo amplamente discutido por União, Estados e municípios, além de empresas, e pode ser votado nos próximos dias, antes do recesso parlamentar, que começará no dia 18 de julho. Mas ainda se trata de uma versão preliminar, que poderá ser alterada pela Câmara durante as negociações que antecedem a votação.
O advogado Samir Nemer, especialista em Direito Tributário, explica que, da forma como a proposta da reforma está hoje, uma série de produtos e serviços tende a ficar mais cara, caso o texto seja aprovado pelo Congresso.
Ele pontua que muitos setores da economia teriam aumento na tributação com a aplicação do Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA). Esse tributo único, previsto na reforma tributária, substituirá outros de origem federal (Imposto sobre Produtos Industrializados, Programa de Integração Social, Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), estadual (ICMS) e municipal (ISS).
O principal impacto seria para o setor de serviços, que responde por mais de metade da atividade econômica capixaba, e é responsável pelo maior número de contratações em nível estadual e nacional.
“O setor é o que mais emprega no país e tem uma carga tributária atual que varia de 8,5% a 10%. Se nada mudar, o segmento vai ser tributado em 25%, que seria a alíquota cheia estimada. Isso significa um aumento de quase 200% de tributos. Para quem presta serviços, o valor é inviável. O profissional não tem condição de absorver todo esse aumento ou passá-lo para o cliente", aponta Samir Nemer.
Os do agronegócio também podem ficar mais caros. Isso porque, atualmente, é praticada uma tributação de 8,25%. Mas, de acordo com a proposta de reforma tributária, a carga de tributos chegaria a 25%.
O advogado reforça, porém, que há previsão de redução de 50% da alíquota sobre uma série de itens, como transporte público, alimentos e produtos de higiene da cesta básica, medicamentos e dispositivos médicos, serviços de saúde, serviços de educação, produtos e insumos agropecuários, pesqueiros e extrativistas, além de atividades culturais e artísticas, entre outros. A tributação desses itens iria de 25% para 12,5%.
“Um ponto positivo para os consumidores é a alíquota zerada para alguns medicamentos especiais, como os de tratamento de câncer, e para os serviços de educação superior no Prouni. Além disso, pequenos produtores agropecuários também vão ter esse benefício”, afirma Samir.
Já com relação a produtos prejudiciais ao meio ambiente e à saúde – como cigarro e bebidas alcoólicas, por exemplo –, haverá o chamado imposto seletivo, para desestimular a compra e o consumo desses itens, que tendem a ficar mais caros, com uma alíquota que pode ser até 50% maior. O percentual e as mercadorias afetadas ainda estão sob discussão.
A professora Márcia Cristina Maciel, do Departamento de Ciências Contábeis da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e membro da coordenação do Núcleo de Apoio Fiscal e Contábil (NAF/Ufes), pontua que a proposta também cria um plano de transição do antigo para o novo modelo tributário, que pode se arrastar por vários anos, e reforça que, a princípio, não há expectativa de redução de preços e aumento de consumo por parte da população.
“Na verdade, a depender do tipo de produto ou serviço, como já comentado, poderá haver um aumento na tributação que, por sua vez, impactará o preço final”, observa.
Existe ainda a previsão de implementação de um sistema de "cashback", ou seja, a população teria parte dos tributos recolhidos devolvidos. Mas a especialista frisa que ainda será preciso regulamentar os detalhes, por meio de leis complementares após o texto inicial da reforma.
As mudanças também devem ter impacto no mercado de trabalho, sobretudo nas contratações do setor de serviços, conforme observa a professora Márcia Cristina Maciel.
Ela pontua que a principal alteração do projeto de reforma é a unificação dos tributos sobre o consumo, que atualmente são 5. Também existe a possibilidade de abatimento do novo tributo em relação a operações anteriores, em um processo para que não haja um acúmulo de impostos. Hoje, o modelo brasileiro é de cumulatividade parcial. Há setores da economia que pagam tributos em efeito cascata.
“A grande questão é que nem todos os setores/produtos possuem uma cadeia produtiva que gere possibilidade de abatimento relevante neste cálculo. O setor mais afetado, por exemplo, é o de serviços, pois temos um aumento na alíquota e pouca possibilidade de abatimento. Com o aumento de custos tributários, as contratações e os empregos sentiriam o reflexo. Existe um estudo feito pela Confederação Nacional do Comércio que estima que o impacto dessa nova estrutura afete 3,8 milhões de empregos.”
Em um cenário extremo, além das contratações, o aumento de custos também pode acarretar em demissões.
Para micro e pequenas empresas, há previsão de um regime tributário especial. O texto também prevê que um eventual aumento de arrecadação obtido com a desoneração da folha a alguns setores da economia deve ser usado para reduzir a tributação do consumo de bens e serviços e desonerar a folha de pagamentos dos demais setores que não se beneficiam da medida.
O que muda nos impostos
A mudança na legislação dos sistemas de impostos irá extinguir os tributos sobre o consumo, IPI (federal), PIS (federal), Cofins (federal), ICMS (estadual) e ISS (municipal). Esses impostos dariam lugar para dois Imposto Sobre Valor Agregado (IVA), que seriam criados com a emenda, de forma dual: um do governo federal e outro compartilhado entre Estados e municípios. Saiba quais são:
Haverá ainda o Imposto Seletivo, que incidirá sobre a produção, comercialização ou importação de produtos prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, como agrotóxicos, cigarro e bebidas alcoólicas, desonerando as exportações. A taxação será usada para substituição do IPI e irá manter a Zona Franca de Manaus.
Importância da reforma
A expectativa é de que a reforma tributária consiga alavancar um crescimento econômico no Brasil. De acordo com o texto, a reforma deve gerar crescimento adicional da economia (PIB) superior a 12% em 15 anos. Hoje, isso representaria R$ 1,2 trilhão a mais no PIB.
Também espera-se que a mudança consiga acabar com a guerra fiscal, já que a redução de impostos para atrair fábricas não fará mais sentido visto que o imposto será cobrado no destino do bem ou serviço.
Outra vantagem, segundo seus defensores, é a transparência. Com a mudança, o consumidor vai saber quanto está pagando de imposto em cada produto ou serviço.
Como vão funcionar as alíquotas?
Haverá uma alíquota padrão, uma reduzida em 50% e uma alíquota zero. Os percentuais serão discutidos em lei complementar.
Com informações da Agência Estado
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta