"Tínhamos uma renda até estável, mas caiu muito. Nossa vida mudou completamente". A frase é da Carla de Oliveira Souza, de 30 anos, mas reflete a realidade de milhares de capixabas e brasileiros diante da pandemia do novo coronavírus. Além do impacto sobre a saúde, o vírus também tem deixado suas marcas na economia e interferido diretamente na vida financeira de muitas famílias. A situação trouxe um novo desafio para o trabalhador: como manter a renda e o emprego em tempos de pandemia?
Em um mês, Carla precisou mudar os planos de engravidar, trocar de casa e zerar a reserva financeira para pagar as despesas básicas da família. Dona de uma loja especializada na venda de carros seminovos, junto com o marido, eles tiveram que recorrer à ajuda de parentes e tentam se adaptar às mudanças.
"Tivemos que deixar a casa de aluguel e vamos morar em cima da casa da minha sogra para poder reduzir os custos. A gente foi muito atingido, porque tivemos que fechar a loja. Tivemos 80% de redução nas vendas. Em abril não vendemos carro nenhum. Utilizamos a reserva que a gente tinha para as despesas básicas e contamos com a ajuda da família. Solicitamos o auxílio do governo, mas ainda está em análise. Não sei como será nos próximos meses", conta.
O mesmo sentimento de incerteza é compartilhado pela dentista Andreza Della Valentina, que precisou fechar o consultório e não tem previsão de quando vai conseguir retomar o trabalho.
"A chance de contágio de um dentista é de 100% caso precise atender alguém contaminado. Assim que começaram os casos de contaminação local, decidi fechar o consultório. Estou sem trabalhar há pouco mais de um mês. Meu prejuízo é enorme. Estou completamente sem renda, porque sou autônoma. Além disso, despesas com aluguel, energia, água, luz, internet, escola do meu filho são fixas. Minhas reservas financeiras já estavam escassas. Tive que recorrer a uma previdência privada, que teoricamente era minha aposentadoria. Não sei quantos meses vou conseguir ficar parada", avalia.
Ela conta que não suspendeu os contratos de nenhum dos funcionários do consultório e que tem a ajuda do marido, bancário, no pagamento das contas de casa.
"Vou tentar o contrato de redução de carga horária de 70%. Não tenho coragem de dispensar. Mas não sei até quando consigo continuar, e não tenho previsão de retornar ao trabalho. Meu marido é bancário, teve gripe forte logo no início da pandemia. Ficou de atestado e depois o banco liberou mais 15 dias, porque nosso filho está no grupo de risco por ser asmático e por ter problemas de imunidade. Agora, ele conseguiu férias. Isso tudo ajudou a estabilizar nossa situação familiar", afirma.
Com a pandemia, as relações de trabalho também mudaram. Suspensão de contrato, redução da carga horária de trabalho e consequente redução salarial , antecipação de férias e home office passaram a fazer parte da vida de muitos profissionais. A contadora Emanueli Cristini lembra que aderir a essas medidas é uma forma das empresas evitarem a demissão de seus funcionários.
"O mercado tem sofrido muito economicamente. Alguns setores vão ter dificuldade de voltar ao normal. O trabalhador precisa entender que está ruim para todo mundo. As empresas que estão fazendo esse tipo de movimentação no contrato de trabalho é para que se mantenha o emprego. É um benefício de mão dupla. O desemprego vai aumentar muito com a quantidade de empresas que estão fechando. Quem perder o emprego, muitas vezes, vai acabar tendo que se sujeitar a voltar ao mercado de trabalho recebendo um salário menor depois", observa.
A economista Arilda Teixeira concorda e diz que o trabalhador está diante de um grande desafio. "A legislação trabalhista mais flexível pode ajudar a manter algum emprego, mas com salário baixo. Isso é melhor do que não ter nada, não ter um emprego. Não tem uma solução de imediato para essa situação, o que é preocupante", argumenta.
A professora Sheila Souza acaba de ter o seu contrato de trabalho suspenso. Apesar de entender a necessidade, ele vê a mudança com muita preocupação.
"Aqui em casa somos dois professores. Meu marido trabalha na rede pública e eu na rede privada. Eu fiz alguns trabalho para as crianças que estão em casa. Não houve qualquer mudança no salário do meu marido, mas o meu contrato de trabalho foi suspenso e estamos no aguardo da aprovação do benefício oferecido pelo governo. Estou bem ansiosa com relação a essa mudança", admite.
Emanueli explica que, com a pandemia de coronavírus, a mudança do regime presencial para teletrabalho agora pode ser feita com aviso-prévio de apenas 48 horas. Já a carga horária de trabalho pode ser reduzida em até 70%, pelo prazo de 90 dias. A suspensão do contrato de trabalho, por sua vez, pode ser feita por até 60 dias
"E em ambos os casos, haverá o pagamento pelo governo e garantia de que o trabalhador receba, no mínimo, um salário mínimo e outras regras aplicáveis, complementa ela. "A medida provisória também determina que a empresa contratante garanta o posto de trabalho ao empregado após a normalização da jornada pelo mesmo tempo que houve a redução. Ou seja, se ele trabalhou os 90 dias com salário reduzido, depois ele deve voltar ao salário inicial e trabalhar por, no mínimo, mais três meses, não podendo ser demitido", explica a contadora.
A pandemia já deixa suas marcas, e o mercado de trabalho não será o mesmo quando tudo isso passar. O planejador financeiro, Renan Lima defende que o momento pede mudança de hábitos. Mais do que nunca, enxergar as possibilidades do mundo digital é fundamental. E quem não tinha o hábito de organizar as finanças para ter uma reserva financeira também precisa reavaliar essa postura.
"A importância da reserva se provou nesse momento. Ela funciona mais ou menos como se fosse uma rede para o trapezista do circo. Tendo a rede, ele tem a segurança que pode fazer o número dele, porque se cair não vai se machucar. Se eu perder o emprego, se sofrer um acidente ou se surgir um gasto inesperado é a reserva que me socorre. Não vou fazer reserva de emergência no meio do furacão, agora é controlar as contas, buscar alternativas de entrada, auxílios. Talvez isso promova uma preocupação maior do brasileiro com relação às finanças", avalia.
A pandemia não tem data para acabar e a crise está muito longe do fim. Por isso, especialistas aconselham o trabalhador a aproveitar o tempo em casa para se qualificar. A internet está cheia de vídeos e cursos dos mais variados tipos para quem quiser aprender uma nova atividade ou se aperfeiçoar na área em que já atua.
"O trabalhador precisa pensar em se qualificar para se manter competitivo no mercado. Aproveitar o maior tempo em casa para isso. À medida que os setores forem votando ao normal, o mercado vai precisar voltar a contratar e quem tiver melhor qualificação vai sair na frente", lembra a contadora Emanueli Cristini.
A economista Arilda Teixeira lembra que qualificação sempre foi um diferencial importante e faz um alerta: é hora de reduzir gastos.
"Essa característica já existia antes dessa pandemia e vai permanecer. Baixa qualificação do mercado de trabalho brasileiro, baixo potencial de inovação e de empreendedorismo. São elementos que poderiam atenuar um pouco a situação econômica que a gente está passando. Como a gente vive sem dinheiro? Isso é uma pergunta que não tem resposta. O momento exige fazer mais com o que se tem, com menos", conclui.
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