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'Compra de vidas': TCES teme perdas para Previdência de servidor

"Compra de vidas": TCES teme perdas para Previdência de servidor

Operação para transferir aposentados com benefícios bancados pelo Tesouro para fundo bilionário é estudada pelo governo. Técnicos do Tribunal querem saber se ação vai comprometer futuros benefícios de atuais funcionários públicos da ativa

Publicado em 30 de junho de 2020 às 11:18

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Tribunal de Contas do Estado (TCES)
Tribunal de Contas do Estado (TCES). (Divulgação/TCES)

Uma nova "compra de vidas" no Instituto de Previdência dos Servidores do Estado (IPAJM) é vista com preocupação por técnicos do Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCES). A operação permitiria a transferência de aposentados ligados ao Fundo Financeiro – que por ser deficitário tem os benefícios bancados por aportes do Tesouro Estadual –, para o Fundo Previdenciário, que é capitalizado e soma hoje uma reserva superior a R$ 4 bilhões.

A medida, que já foi adotada entre 2016 e 2017, está novamente sendo estudada pelo governo de Renato Casagrande para aliviar os gastos com a Previdência do Estado, conforme reportagem de A Gazeta revelou com exclusividade nesta segunda-feira (29). O Tribunal já era crítico à medida desde a primeira adoção, ainda na gestão Paulo Hartung.

O Fundo Previdenciário é uma espécie de poupança que abrange todos os servidores que ingressaram na carreira estadual após 2004. Eles contribuem para formar uma reserva que fica aplicada no mercado financeiro e será usada para custear os benefícios futuros. São cerca de 20 mil ativos hoje no plano, ante a 1,2 mil aposentados.

Já no Fundo Financeiro, que abrange os servidores que entraram antes de 2004, não se sustenta. As contribuições do Estado e dos 12 mil ativos ligados ao fundo não bancam os benefícios de 33,9 mil aposentados e 6,1 mil pensionistas, e o Estado precisa completar isso para garantir o pagamento dos benefícios. No ano passado, foram R$ 2,3 bilhões para cobrir esse rombo.

A ideia com a compra de vidas é justamente transferir parte desses aposentados para serem bancados pelo outro fundo. Pelas regras atuais, eles precisam ter mais de 80 anos. É preciso ainda calcular o custo que esses benefícios vão ter até o fim da vida dos aposentados para o Fundo Previdenciário de forma a garantir que a reserva permaneça com pelo menos 25% a mais de recursos de tudo que será necessário para bancar as aposentadorias futuras.

É esse cálculo que vai definir se a operação pode ser feita e quantas vidas podem ser "compradas". A chamada Avaliação Atuarial está em fase final de elaboração pelo IPAJM, com previsão de publicação até o final de julho. É justamente esse estudo um dos principais pontos que preocupam o TCES.

CUIDADOS

A Gazeta conversou com três servidoras técnicas do Tribunal de Contas Estadual: a secretária de Controle Externo, Simone Velten; a coordenadora do Núcleo de Previdência e Pessoal do TCES, Raquel Spinassé; e a especialista em Previdência estadual e também auditora do Núcleo Júlia Sasso. Ambas reforçam que essa é uma operação complexa e arriscada.

"Quando foi feita a primeira compra de vidas, foi feito o alerta do TCES do risco dessa medida e colocada a necessidade de reposição de pessoal (para inserir novos contribuintes no fundo). O descompasso disso poderia levar a um cálculo atuarial não adequado para que fosse adotada essa medida", afirmou Raquel Spinassé, que lembrou que há hoje uma nova portaria que determina a forma como devem ser feitas as avaliações atuariais:

Aspas de citação

Ainda não existem estudos necessários para que se possa implantar essa medida [compra de vidas].  A portaria nova traz vários critérios e ainda nós não temos os parâmetros necessários para poder dizer que essa compra de vidas seria segura para manter a saúde do Fundo Previdenciário

Raquel Spinassé
Coordenadora do Núcleo de Previdência e Pessoal do TCES
Aspas de citação

No entendimento das técnicas do TCE, por existir uma portaria nova e a necessidade de ter critérios mais rígidos nas avaliações atuariais mais precisas, o Estado só deveria cogitar a migração quando tiver em mãos efetivamente os estudos que possam trazer segurança para a operação. 

Essa segurança atuarial, aliás, é um fator extremamente importante para o futuro do sistema previdenciário. Daqui a 10 anos, o Fundo Financeiro deve começar a minguar, exigindo cada vez menores aportes, até ser extinto e só permanecer o Fundo Previdenciário. Se a reserva dele for bem gerida até lá, ele dará conta então de bancar os benefícios sozinho e o sistema de Previdência do Estado, enfim, será saudável.

Então, sem os estudos adequados, Júlia Sasso avaliou que "ainda é cedo para se falar em mais uma compra de vidas". "Essa nova portaria é de 2018, mas tem regras que ainda não estão vigentes e só passarão a valer neste ano. Então as avaliações atuariais vão levar um tempo para se adequar a essa portaria", explicou.

Sede do IPAJM, o Instituto do Previdência dos Servidores Estaduais do ES, em Vitória
Sede do IPAJM, o Instituto do Previdência dos Servidores Estaduais do ES, em Vitória. (Rodrigo Gavini)

Simone Velten lembrou que quando o mecanismo foi adotado pela primeira vez, em 2016, no julgamento do TCES das contas do governador, apesar da aprovação, foi determinada a recomposição de pessoal e a adequação do equilíbrio financeiro do Fundo Previdenciário, diante do que o relator Rodrigo Chamoun avaliou como de "impacto negativo nas previsões atuariais extremamente preocupantes".

"De lá para cá, as normas de cálculo para isso ficaram muito mais rigorosas, exigindo muito mais refinanciamento dos dados e das hipóteses. Isso está em processo de implementação gradual", reforçou Simone Velten.

Para defensores da "compra de vidas", o mecanismo pode ser usado uma vez que o sistema de Previdência, pela Constituição, tem caráter solidário. Com isso, mesmo sem ter contribuído na vida ou para aquele fundo, o trabalhador tem direito ao benefício pela solidariedade do sistema brasileiro.

Entenda os fundos da Previdência do ES

FUNDO FINANCEIRO (FF)
O que é:
Destina-se ao pagamento de benefícios previdenciários aos servidores que tenham ingressado no serviço público estadual, aos aposentados e pensionistas que já recebiam benefícios previdenciários do Estado até 26/04/2004 e aos seus respectivos dependentes.
Modelo: É um plano de repartição simples, deficitário, sem objetivo de acumulação de recursos, em extinção, necessitando de complementação financeira (aporte) de todos os poderes e órgãos, proporcional aos respectivos gastos, para pagamento da folha.
Número de servidores*: 12.170 ativos, 33.968 aposentados e 6.140 pensionistas em 2019.
Resultado financeiro: déficit de R$ 2,36 bilhões em 2019  

FUNDO PREVIDENCIÁRIO (FP)
O que é:
Destina-se ao pagamento de benefícios previdenciários aos servidores efetivos que ingressaram ou que venham a ingressar no serviço público estadual a partir de 26/04/2004, e seus respectivos dependentes.
Modelo: O fundo tem a finalidade de acumulação de recursos provenientes das contribuições e outras receitas, por isso, é um plano de capitalização para pagamentos de benefícios futuros. Ou seja, o superávit das contribuições dos servidores ativos atuais não é utilizada para pagamento dos benefícios vigentes, mas fica numa poupança para cobertura dos seus próprios benefícios no futuro.
Número de servidores*: 20.885 ativos, 1.219 aposentados e 262 pensionistas em 2019.
Resultado financeiro: reserva de R$ 4,54 bilhões em 2019.  

* O número de servidores considera a data-base de setembro de 2019. Após isso, os servidores miliares deixaram ambos os fundos para formar um novo fundo de natureza não-previdenciária, o Fundo de Proteção Social (FPS), criado em março

SAIBA MAIS

Fonte: Avaliação Atuarial do IPAJM, data-base de setembro de 2019, e Prestação de Contas Anual do IPAJM

OUTRAS MEDIDAS

As técnicas do TCES também destacam que ainda não há, em números, os impactos da reforma da Previdência estadual nas próximas décadas. Isso também só deve ser mensurado na próxima avaliação atuarial.

Só com isso, portanto, elas avaliam ser possível pensar em novas mudanças no sistema de aposentadorias do Estado. Conforme A Gazeta mostrou, a reforma capixaba começa a valer nesta quarta (1° de julho), mas ainda assim especialistas dizem que já será insuficiente para conter o avanço das despesas.

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