Uma decisão recente dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) abriu caminho para que a Covid-19, doença provocada pelo novo coronavírus, seja classificada como uma doença ocupacional. Trata-se da suspensão de um dispositivo da Medida Provisória 927/2020 (que permitiu a flexibilização de regras trabalhistas durante a pandemia) que dizia que o vírus não poderia ser classificado como enfermidade adquirida no ambiente profissional.
Os ministros entenderam que o dispositivo não ajuda na manutenção da saúde financeira das empresas - o objetivo da MP - e, assim, abriu-se uma brecha para que, em alguns casos, a Covid-19 seja classificada como doença ocupacional. Vale ressaltar que o STF não decidiu que a infecção será atribuída ao trabalho em qualquer situação. Não há nenhuma regulação legal sobre isso, o que não impede que haja ações trabalhistas na tentativa de que empresas sejam responsabilizadas.
Para advogados trabalhistas e empresariais, no entanto, é necessária uma comprovação de que o contágio se deu no trabalho, tendo em vista a existência de lei ordinária que determina a prova de que a doença tenha sido contraída no ambiente profissional. Com isso, regras e rotinas em empresas devem ficar mais rígidas.
Na avaliação da advogada especialista em Direito do Trabalho Patrícia da Motta Leal, do escritório Motta Legal e Advogados Associados, para haver esse enquadramento o empregado precisaria mostrar na Justiça que está exposto ao risco do vírus dentro empresa e que toma todos os cuidados pessoais possíveis em casa e durante sua locomoção, uma vez que a doença pode ser contraída em qualquer lugar.
"Por ser uma doença pandêmica, ela pode ser pega em qualquer lugar e não tem como saber ao certo onde contraiu. Então é difícil provar que ela foi contraída no trabalho. O empregado terá que provar que tomou as medidas de precaução necessárias de modo que só teria como ter contraído no trabalho, enquanto a empresa deverá provar que tomou as medidas preventivas necessárias, bem como entregou os EPIs necessários para proteção", comenta a advogada.
Por isso, empregadores devem ter uma postura de cautela ainda maior, comenta Patrícia, até porque essa classificação traz impactos financeiros. Ainda de acordo com ela, o empregado tem direito a um auxílio de qualquer forma durante o afastamento, mas, se reconhecida como ocupacional, a doença gera uma sobrecarga à empresa, diante da estabilidade por 12 meses e o recolhimento do FGTS durante o período de suspensão.
"As empresas vão precisar se resguardar", destaca a advogada sobre as condutas de prevenção. "O juiz vai avaliar se talvez alguma atitude da empresa, algo que ela deixou de fazer, poderia trazer um risco. O empregador que não forneceu EPIs, por exemplo, não reforçou a limpeza ou que manteve aglomerações no ambiente de trabalho pode ter isso como prova contra ele, pois são medidas básicas", pontua.
"Isso tudo precisa estar documentado. Ao entregar uma máscara, por exemplo, deve-se pedir para o funcionário assinar um documento dizendo que recebeu o EPI. Deve-se também buscar ser rígido no cumprimento dessas normas", recomenda Patrícia.
O advogado empresarial Victor Queiroz Passos Costa, do escritório Passos Costa Advogados, lembra que no ambiente do trabalho esses cuidados são de responsabilidade do empregador. "Ele tem que exigir e, se for o caso, até punir o colaborador por não cumprir essas regras de precaução no ambiente de trabalho".
No entendimento de Costa, em empresas que prestam serviços essenciais e, com isso, não puderam parar, como as do setor de saúde, a classificação da Covid-19 como doença ocupacional tende a ser mais provável. "Provavelmente vai ser considerado de responsabilidade coletiva, por ser uma atividade que traz algum risco nesse momento de certa forma. Nas demais empresas isso vai ser discutido em cada caso no processo trabalhista".
Trabalhadores domésticos que contraírem o vírus também devem ter a doença reconhecida como ocupacional de forma mais simples se houver casos de coronavírus confirmados no local de trabalho.
"Se alguém na casa teve o diagnóstico positivo ou mesmo apresentou sintomas e mesmo assim o empregado não foi dispensado, já será caracterizada doença ocupacional, pois se sabia do risco. O empregador vai precisar ter medidas de cuidado, fornecer máscara e provar isso, como tirando foto da funcionaria usando ela".
A possibilidade dessa classificação da doença, porém, é questionada. "Sabendo que é uma doença pandêmica, o questionamento é até que ponto colocar o peso disso nas empresas é o justo, especialmente se a empresa cumpriu com as normas de segurança e adotou boas práticas, como disponibilização de álcool em gel e outras medidas preventivas.", afirma Patrícia da Motta Leal.
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