A crise provocada pelo novo coronavírus está longe de chegar ao fim. E, pelo menos nos próximos meses, os consumidores devem continuar sentindo no bolso um aumento generalizado nos preços, que vai desde os alimentos, que têm pressionado o orçamento familiar, até o preço de produtos como eletrodomésticos.
A retomada em "V", comemorada há poucos meses, pode já estar perdendo fôlego em meio às incertezas quanto à segunda onda da pandemia, que se alastra rapidamente pela região Norte com uma nova cepa do coronavírus, e está longe de ser contida no ritmo atual de vacinação no país.
Segundo especialistas ouvidos por A Gazeta, o país caminha para um cenário de estagflação, isto é, de estagnação ou até mesmo retração da economia, enquanto simultaneamente há aumento da inflação.
Em Manaus (AM), por exemplo, a disseminação de novas variantes da Covid freou a produção da indústria da Zona Franca neste início de ano, num momento em que as fábricas estavam a todo vapor. Indústrias que não trabalham com itens essenciais – como alimentos, produtos de higiene pessoal e limpeza, insumos farmacêuticos, entre outros – tiveram seu funcionamento severamente restrito em janeiro por causa do agravamento da crise sanitária.
Fabricantes de eletroeletrônicos calculam que tenham perdido entre 30% e 40% na produção, o que deve impactar no preço dos mais variados produtos. É na Zona Franca que são produzidos, por exemplo, os televisores, aparelhos de ar-condicionado e motocicletas comercializados no país, bem como boa parte dos telefones celulares, notebooks e fornos de micro-ondas.
“Existe o sério risco de dificuldades na oferta de mercadorias e isso pode ser um fator de pressão sobre os preços. Também há uma chance de inflação de custos ocasionada pelas restrições de oferta de alguns insumos”, pontuou o economista Eduardo Araújo.
O economista destaca que o problema de escassez não é novo. No final de 2020, a produção de indústrias dos mais variados segmentos foi afetada pela falta de materiais. No Espírito Santo, particularmente, foi difícil encontrar desde papelão, até materiais de acabamento para reformas. Fornecedores chegavam a pedir mais de seis meses para entregar as mercadorias.
Mas não é somente a pandemia que implica no aumento de custos, que, de uma forma ou outra, chegam aos consumidores. O volume de chuva abaixo do esperado nos últimos meses do ano passado comprometeu os reservatórios, principalmente no Sudeste e Centro-Oeste do país, onde chegaram a alcançar poucos mais de 20% de sua capacidade.
Para não faltar energia e economizar água nos reservatórios, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) determinou que as usinas térmicas – a maior parte movida a diesel – entrassem em funcionamento. Contudo, a energia gerada nas térmicas é uma das mais caras do sistema.
Esse gasto adicional será gradativamente rateado por todos os consumidores brasileiros, tanto as indústrias como clientes comerciais e residenciais. Isso ocorre porque esse custo extra vira um encargo, chamado ESS (Encargo de Serviços do Sistema), que é incorporado às tarifas. Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a conta de luz dos brasileiros pode subir, em média, 13% neste ano.
Além do aumento da conta de luz de casa, isso acaba pesando também sobre o custo de produção das indústrias, que tendem a repassar essas despesas ao consumidor, por meio da elevação de preço dos produtos.
A inflação das commodities, que têm o preço determinado pelo câmbio, também implica em custos extras, e não apenas para as indústrias. Vários itens da alimentação básica do brasileiro são precificados com base na cotação do dólar.
A economista Arilda Teixeira frisa que, no geral, a tendência é de que a inflação permaneça em um patamar elevado nos próximos meses, ainda que ocorram baixas pontuais. Neste momento, segundo a especialista, tudo depende de como a economia irá reagir às inconstâncias da pandemia.
Esse aumento inflacionário já resultou, por exemplo, no encarecimento do gás de cozinha e dos combustíveis, que têm ganhado protagonismo nas discussões econômicas desde que os caminhoneiros ameaçaram entrar em uma nova greve há poucas semanas.
Na maioria dos municípios do Espírito Santo, o litro da gasolina já chega a custar mais de R$ 5 em determinados postos. Não obstante, a valorização do barril de petróleo tipo brent levou a Petrobras a anunciar na segunda-feira (8) um novo reajuste para a gasolina, o óleo diesel, e o gás de cozinha.
Segundo o economista Eduardo Araújo, caso o preço do barril de petróleo continue a subir, novos reajustes devem ser esperados. Mas ele frisa que esse cenário, no momento, é imprevisível e vai depender muito da cotação do dólar, que tampouco pode ser prevista.
“No momento, não está muito claro como o dólar vai ficar. Se olharmos só do ponto de vista do endividamento público do Brasil, o fato de que a imagem do país está um pouco arranhada lá fora no que se refere às questões ambientais e até mesmo como o país tem conduzido a economia, há sim um risco de desvalorização do real em relação ao dólar. Mas, há contrapesos. A cotação do dólar aqui também tem relação com a quantidade de recursos que os Estados Unidos movimentam, e o governo norte-americano tem um plano bilionário de injeção de recursos na economia de lá, o que fazer com que os resultados finais até surpreendam um pouco, com valorização do real.”
Outras despesas já não dependem do mercado externo e podem ser previstas mais facilmente. É o caso, por exemplo, dos gastos com planos de saúde, que não tiveram reajustes (anual e por faixa etária) em função da pandemia, entre setembro e dezembro do ano passado.
Em novembro, a diretoria da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) determinou que a cobrança da diferença seja dividida em 12 parcelas, de janeiro a dezembro deste ano. Isto é, houve somente um adiamento da cobrança do reajuste, que agora já pesa no bolso dos consumidores.
Segundo o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o repasse dos reajustes retroativos na conta do plano deixou as faturas até 50% mais caras.
Enquanto medidas de auxílio e demais políticas sociais ampararam a população temporariamente, a prosperidade dos vulneráveis só pode ser alcançada se a economia ganhar força. Mas, para que esse cenário saia do imaginário e se concretize, o país precisa estruturar suas contas e agilizar a imunização da população, para atravessar a crise provocada pela pandemia o quanto antes. Na visão de especialistas, o ritmo atual de vacinação faz pouco pelo país, e penaliza famílias cuja renda é baixa ou até inexistente.
“O governo não tem muito fôlego para manter auxílios na mesma proporção do ano passado. E podemos viver um cenário de estagflação, que é um cenário de estagnação econômica, ou até mesmo encolhimento da economia, e o custo de vida sendo elevado para as famílias", observou o economista Eduardo Araújo.
Ele destaca que no ritmo de vacinação atual, que é de cerca de 0,09% da população brasileira por dia, o país levaria cerca de 2 anos e meio para vacinar cerca de 80% da população, que é o esperado para que a rotina considerada normal há não muito tempo seja reestabelecida.
“É um cenário difícil, mas ainda de muitas oportunidades para poder rever orçamento público, avaliar os desperdícios que estão sendo cometidos, e fazer os cortes de despesas necessários para continuar amparando quem precisa”, frisou.
Enquanto a economia não se recupera plenamente, o governo federal vem planejando um novo tipo de auxílio emergencial, de valor reduzido, para atender os informais não contemplados pelo Bolsa Família. Contudo, segundo a economista Arilda Teixeira, a medida somente estanca um problema muito mais profundo.
“O problema agora está menos ligado ao risco de estourar o teto de meta com o gasto emergencial do que com a gravidade que é a falta de iniciativa para fazer as reformas necessárias para que a economia tenha sustentação para voltar a crescer, o que começaria pela reforma tributária e depois a administrativa. Os desacertos do presidente estão invertendo a ordem das questões. É hora de cortar gastos.”
Enquanto isso não se resolve, os mais pobres continuam sendo prejudicados, uma vez que só a ajuda, reduzida, como se planeja, não é suficiente para a sobrevivência.
“A inflação deve ter um peso maior para as famílias mais vulneráveis, que, no momento, não podem contar com os recursos do auxílio, que contribuiu num momento crítico da pandemia, mas foi descontinuado sem que se pensasse num mecanismo de transição para um cenário sem auxílio”, destacou o diretor de Integração do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), Pablo Lira.
Ele reforça que a velocidade de imunização contra a Covid-19 no país está aquém do esperado, mas que depende do governo federal acelerar esse processo, deixando de lado os debates ideológicos e movendo esforços para fomentar diversas plataformas de vacinação.
“No cenário atual, as atividades não deslancham e a inflação avança. E há uma preocupação também sobre o aumento das taxas de juros, como desdobramento do cenário econômico. A própria estimativa de taxa de juros do Banco Central em 2021 subiu de 3,25% há quatro semanas para 3,50% na última sexta-feira (5).”
Vale lembrar que a queda da taxa de juros foi um dos motivos para o impulsiono na construção civil em 2020, que, aliás, foi o setor que mais criou empregos no ano.
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