O resultado das eleições nos Estados Unidos vai impactar profundamente a maneira como o Brasil será visto não só pelo país norte-americano, mas também pelas demais nações. Caso o governo Jair Bolsonaro não saiba ajustar o discurso e as posturas, principalmente em relação aos direitos humanos e à questão ambiental, analistas acreditam que o país corre o risco de ficar isolado política e economicamente do resto do mundo.
Desde o início do mandato, Bolsonaro tem se aliado firmemente à Donald Trump, que ele considera quase como um amigo. O presidente brasileiro encontra no americano eco em questões como a política armamentista, de imigração e até na maneira de lidar com a pandemia do novo coronavírus.
Com a vitória do democrata Joe Biden, é esperado que haja uma mudança substancial nas políticas americanas com a volta da retórica da democracia, dos direitos humanos, do multilateralismo e da boa convivência internacional.
Com o Biden na Casa Branca, o governo brasileiro vai ter que ajustar muito do seu discurso e algumas posturas importantes. Esse alinhamento do Brasil não é com os EUA, mas com o Trump. O Brasil começou a tomar algumas posições bastante sensíveis e polêmicas, com transferência da embaixada de Israel, votos alinhados com conservadores nas questões dos direitos humanos. Uma coisa é fazer isso e ficar isolado dos demais países ao lado dos EUA. O problema é que o Biden promete ajustar muito dessas posturas e o Brasil fica vendido, analisa o doutor em relações internacional e coordenador do curso de relações internacionais da UVV, Daniel Duarte Carvalho.
O diplomata aposentado José Vicente Pimentel também vê uma ruptura adiante. Ele acredita que Biden vá reconstruir relações com a Europa, fortalecer o discurso de direitos humanos, e o Brasil terá que fazer o mesmo. Caso contrário, perderá espaço nas negociações internacionais com países que são parceiros econômicos e grandes investidores.
Para o nosso interesse nacional é muto importante que a gente adote posições mais comedidas. Antes, poderiam dizer que essas posições (do governo Bolsonaro) nos angariavam a simpatia do governo da Casa Branca. Mas com o Biden, deixou de ser. Essas posições vão criar um conflito com o governo Biden e com sua vice-presidente. Vamos ter uma política muito diferentes e, se nós formos pragmáticos, se queremos ser técnicos, vamos ter que revê-las, aponta.
Um dos pontos cruciais nesse rompimento pode se dar justamente na questão ambiental. Em entrevista à Americas Quarterly, Biden afirmou durante a campanha que sua administração reunirá o mundo para pressionar o governo brasileiro a proteger a Amazônia.
Também é esperado que o novo presidente americano retome os compromissos ambientais do Acordo de Paris, assinado inicialmente em 2015 para combater a crise climática. Trump retirou o país do pacto.
A questão das florestas tropicais vai voltar a ser uma das peças principais. A política externa no Brasil não tem como dizer que não queremos interferência, que é nosso. Não é assim. O Brasil é um país da maior importância, é um líder mundial. Temos que discutir, ter boas posições e aproveitar para negociar da melhor maneira possível, avalia o diplomata.
O economista e professor da Fucape Felipe Storch prevê uma escalada na pressão econômica internacional contra as queimadas no Pantanal e o desmatamento da amazônia nos próximos meses.
Ainda é incerto, contudo, se essa pressão se traduzirá em sanções diretas aos produtos brasileiros.
Biden tem comportamento mais parecido com o que os europeus estão tendo. Acho que vão pressionar para diminuir as queimadas, o desmatamento. No médio prazo, podem fazer pressões econômicas, tentar colocar algum tipo de sanção. Não tenho certeza, mas existe uma sinalização. Com o Biden os europeus ficam mais fortes nesse discurso e a pressão vai aumentar, diz.
Quanto à política de comércio exterior, especialistas avaliam que ela não deve mudar tanto, já que não é esperado que Biden seja menos protecionista que Trump ao assumir a Casa Branca. O atual presidente americano impôs barreira contra os produtos brasileiros como o aço, alumínio e laranjas, por exemplo.
Embora seja esperado que Biden volte a fortalecer a Organização Mundial do Comércio (OMC) - o que beneficiaria o Brasil - não há sinal de que, sob sua administração, o país se tornará mais aberto aos produtos brasileiros.
A maneira como o governo brasileiro vai lidar com os americanos a partir da eleição pode, contudo, determinar como será a relação econômica do país com a China.
Trump acirrou a rivalidade com o gigante asiático durante o ano eleitoral, e Bolsonaro aderiu a essa ofensiva. No Brasil, ela se traduz no discurso do vírus chinês e do desdém pela vacina produzida na China.
Agora, está também em jogo a tecnologia 5G. Durante o mandato, presidente americano fez campanha para que o Brasil não aceitasse empresas chinesas nos leilões da nova tecnologia que ocorrerão no país no próximo ano.
Segundo Storch, é possível que essa pressão, não só sobre o Brasil, mas sobre outros países, continue na administração de Biden.
Com o Trump, a probabilidade de o Bolsonaro acatar isso (a exclusão de empresas chinesas dos leilões de 5G seria maior. Com o Biden não sei se vai vigorar. Pode ser que haja uma mudança, diz.
O doutor em Relações Internacionais aponta que a volta dos EUA à Organização das Nações Unidas e à OMC durante a administração Biden dá um sinal para a China de que mesmo as grandes potências precisam agir de acordo com as regras do jogo. Trump tinha visão contrária, rejeitando esse multilateralismo.
Com a eleição do Biden, os Estados Unidos tendem a ser menos competitivos e mais cooperativos com a China. Não é fazer o que a China quer. É saber que os dois tem interesses que vão além do 5G e que precisam sentar e se entender, diz.
Já o diplomata acredita que a situação de oposição entre China e Estados Unidos tende a se perpetuar. Ele, contudo, critica a atitude do governo brasileiro em relação ao país asiático e ressalta que é imprescindível que o Brasil saiba manter boa relação com ambos.
Vamos ter que lidar com isso e não é fácil para nenhum governo. Mesmo os melhores quadros do Itamaraty teriam trabalho para manter essa linha de equilíbrio entre EUA e China. Porque é isso que nos interessa. Nos interessa manter a área limpa tanto com um quanto do outro. Eu não vejo o atual Itamaraty muito capaz de levar essas coisas, infelizmente, opina.
Na visão do economista Orlando Caliman, o resultado da eleição americana não afeta tanto o comércio exterior capixaba.
Ele explica que, embora o relacionamento entre Brasil e EUA seja mais fácil com Trump porque seus líderes estão alinhados ideologicamente, as relações econômicas com o Espírito Santo não devem ser afetadas, porque o Estado exporta uma série de produtos de bom valor agregado para os Estados Unidos. Entre eles estão: mármore e granito, celulose e produtos de ferro/aço.
Para se ter uma ideia, até setembro deste ano, os Estados Unidos ocuparam a primeira colocação nas exportações capixabas, totalizando US$ 1,28 bilhão, correspondendo a 32,7% do total.
Já nas importações, o país ocupa a segunda posição atrás apenas da China , com um montante de US$ 534 milhões e 14,4% de participação, de acordo com dados do Sindicato do Comércio de Exportação e Importação do Espírito Santo (Sindiex).
Caliman observa, entretanto, que o novo presidente norte-americano vai ter que se empenhar para colocar novamente a economia nos trilhos, ainda lidando com os efeitos da pandemia. Uma eventual melhora pode repercutir positivamente para o Espírito Santo, inclusive com maior demanda de produtos das indústrias capixabas.
A médio e longo prazo, o presidente do Sindiex, Sidemar Acosta, também não vê risco de mudanças radicais. Ele avalia que os acordos comerciais firmados entre o Brasil e os Estados Unidos foram feitos por representantes da área econômica dos dois países, e não devem sofrer nenhuma grande alteração, mesmo com a mudança de governo.
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