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Eleição faz 10 municípios do ES adiarem reforma da Previdência

Eleição faz 10 municípios do ES adiarem reforma da Previdência

Câmaras não aprovaram projetos ou levaram tramitação em banho maria. Cidades tinham até quarta (30) para aumentar alíquota de contribuição dos servidores sob risco de sanções federais. Prazo, porém, acabou sendo estendido no último dia

Publicado em 1 de outubro de 2020 às 05:01

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Câmara de Vitória: dinheiro falta, dinheiro sobra?
Câmara de Vitória reprovou os projetos de reforma enviados pela prefeitura e considerou inconstitucionais. (CMV/Divulgação)

reforma da Previdência nacional, aprovada em 2019 no Congresso, não teve aplicação imediata para servidores de Estados e municípios, mas criou prazos para que esses governos façam alterações para tornar as regras iguais. Uma das normas principais e mais urgentes, que prevê o aumento da alíquota de contribuição dos trabalhadores para 14%, tinha que ter sido aprovada até 31 de julho. O governo federal, depois, deu um segundo prazo, até esta quarta-feira (30).

Mas, ainda assim, 10 municípios no Espírito Santo não fizeram a mudança, dos 34 no Estado que possuem Regime Próprio de Previdência Social para servidores (RPPS). A situação foi semelhante em todo o país. Diante da pandemia do coronavírus e pelas dificuldades políticas por estarmos em ano de eleições municipais, já no último dia do prazo, nesta quarta, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia acabou fazendo um segunda prorrogação, agora até 31 de dezembro.

Segundo levantamento do Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCES), as 10 cidades que ainda não conseguiram aprovar as mudanças básicas e exigidas foram Barra de São Francisco, Cariacica, Conceição da Barra, Guarapari, Itapemirim, Mimoso do Sul, Rio Novo do Sul, São José do Calçado, Serra e Vitória.

"A não aprovação da lei se deu por diversos motivos: projeto rejeitado pela Câmara, projeto ainda tramitando ou ainda não enviado pelo Executivo", informou o Tribunal de Contas. Até maio, 16 municípios tinham conseguido aprovar a adequação, número que chegou a 24 em setembro  (veja a lista no final da matéria). 

Acontece que, apesar do alívio com esse prazo extra, na maior parte dessas cidades as Câmaras Municipais já reprovaram os projetos de adequação da alíquota ao novo patamar constitucional, um movimento que, na visão de analistas, foi para evitar desgaste político com o funcionalismo. Com isso, dificilmente prefeitos e vereadores devem voltar ao tema às vésperas das eleições ou mesmo mesmo imediatamente após elas.

O grande problema é que os municípios não têm a opção de não aderir ao aumento da alíquota e às demais mudanças, como explica economista e especialista em Previdência Juliano César Gomes: "Não existe para onde correr. É apenas uma questão do normativo local ao normativo federal", diz. Ele ainda aponta a dificuldade política/eleitoral como o grande entrave.

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Estamos vivendo um ano de eleição, em plena campanha eleitoral, com os vereadores buscando se reelegerem. Se essa pauta tivesse que ter sido aprovada no ano passado, teria sido mais fácil. Mas fazer isso em ano eleitoral gera desgaste político e parte deles não está disposta a enfrentar esse ônus político. Porém, não são as Câmaras que vão suportar o ônus econômico, e sim as prefeituras 

Juliano César Gomes
Economista
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Como mostrou A Gazetaboa parte das cidades que conseguiu aprovar a mudança fez isso no final de 2019 ou nos primeiros meses deste ano, o que, segundo Juliano, reforça que o problema nas demais é falta de vontade política. "O eleitor sofre de miopia política. Ele tende a valorizar e lembrar na eleição dos eventos mais recentes, e não de eventos mais passados. Então, quem deixou para mais perto da eleição, sobretudo em locais maiores que têm servidores mais organizados, teve mais dificuldades".

RISCOS

A não aprovação traz duas graves implicações. A primeira é que essas cidades deixam ou adiam a oportunidade de reduzirem os grandes aportes financeiros para sustentar seus regimes da Previdência, ainda mais num período com arrecadação em queda diante da pandemia. Só na Capital, por exemplo, a prefeitura precisou aplicar R$ 152 milhões para garantir os pagamentos no Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Município de Vitória (IPAMV) em 2019.

A segunda é a sanção federal para os entes que não cumprirem os prazos. Segundo a Secretaria Especial de Previdência, após o fim desse prazo, a alíquota mínima de 14% passará a ser verificada como critério de emissão do Certificado de Regularidade Previdenciária (CRP). Ou seja, quem não fizer vai ficar com a Previdência irregular perante a União. 

Sem o CRP, o município fica impedido de receber transferências voluntárias de recursos pela União, celebrar empréstimos e financiamentos com bancos federais; fazer acordos, contratos e convênios com órgãos ou entidades da Administração direta e indireta da União; e receber pagamentos de compensação previdenciária do INSS.

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Num contexto de pandemia, em que houve queda de receita generalizada, ficar sem o CRP agrava ainda mais a crise fiscal dos municípios, especialmente os menores, mais dependentes de recursos de terceiros

Juliano César Gomes
Economista
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Outra mudança que tem o mesmo prazo de aprovação e também pode provocar perda do CRP é a transferência dos pagamentos de benefícios por incapacidade temporária, salário-maternidade, salário-família e auxílio-reclusão dos Institutos de Previdência para responsabilidade direta das prefeituras. A mudança é mais burocrática, quanto à origem do dinheiro, e não afeta os segurados, de forma com que ela já foi feita pela maioria das cidades.

Há ainda outras normas nacionais que devem ser replicadas mas que possuem prazo maior. Em até dois anos da promulgação da reforma, portanto até novembro de 2021, as cidades deverão igualar as idades mínimas para aposentadoria às do INSS (62 anos para mulheres e 65 anos para homens) e criar uma Previdência complementar (em que servidores que ganham acima do teto do INSS,  hoje em R$ 6,1 mil, contribuem sobre esse excedente da remuneração à parte).

COM REJEIÇÃO POR VEREADORES, CIDADES VEM IR À JUSTIÇA

Em Vitória, a prefeitura havia enviado três projetos de reforma da Previdência em março para a Câmara, um deles especificamente tratando da nova alíquota, e os outros sobre Previdência complementar e idade mínima. Porém, em julho, os vereadores consideraram os três projetos inconstitucionais diante da situação de calamidade em saúde no município, decretada até dezembro, e rejeitaram as mudanças por unanimidade nas comissões.

As propostas, então, foram devolvidas ao Executivo para manifestação e possíveis reformulações. A Prefeitura de Vitória entrou com recurso na Câmara pedindo que o tema fosse reavaliado, mas o mesmo foi rejeitado em votação em plenário. Agora, segundo a assessoria do Legislativo municipal, não há nenhum documento sobre a reforma da Previdência tramitando na Casa.

Já a prefeitura informou que, diante da rejeição, comunicou o fato à Secretaria de Previdência do Ministério da Economia, ao Tribunal de Contas e ao Ministério Público Estadual, para ciência e acompanhamento da situação. Quanto às possíveis sanções, a PMV afirmou que a Procuradoria-Geral do Município deve ingressar com uma ação judicial para obter a renovação do CRP.

Situação semelhante ocorreu em Guarapari. A prefeitura afirmou que apresentou o projeto no prazo, porém a Câmara rejeitou a proposta. Com isso, também pode recorrer à Justiça. "O município comunicou aos órgãos de controle e o assunto segue sendo tratado no âmbito do Ministério Público Estadual, que tem dialogado com o Poder Legislativo, buscando uma solução. A administração municipal segue acompanhando a situação e adotará as medidas jurídicas, eventualmente necessárias ao caso".

Em Cariacica, as três comissões permanentes da Câmara Municipal às quais o projeto foi submetido opinaram pelo não prosseguimento da proposição, sendo a proposta arquivada. A prefeitura informou que, após o segundo prazo dado pela União (até 30 de setembro), chegou a propor um texto substitutivo para retirar do projeto outros pontos, deixando apenas a adoção da alíquota de 14%, de forma a garantir a aprovação, o que não surtiu efeito.

Em São José do Calçado, no Sul do Estado, e Barra de São Francisco, no Noroeste, e as Câmaras também rejeitaram as propostas. No caso de São José, os nove vereadores da cidade votaram contra a reforma municipal em julho. O chefe do gabinete do prefeito, Addison Viana, deixou claro o motivo: "Por ser ano eleitoral, os vereadores não quiseram se comprometer com os aposentados.  A gente fez nossa parte e aguardamos parecer do Tribunal de Contas para saber como proceder".

Prefeitura de Barra de São Francisco, no Noroeste do ES
Prefeitura de Barra de São Francisco, no Noroeste do ES, também não conseguiu ter projeto aprovado. (Gildo Loyola/Arquivo)

Já na cidade do Noroeste foram enviados dois projetos. Um, para aumentar a alíquota de contribuição de 11% para 14%, foi reprovado pelos vereadores. Já o outro, com as novas regras de aposentadoria e idades mínimas, segue na Câmara aguardando votação. "A Prefeitura de Barra de São Francisco esclarece que cumpriu com a suas obrigações para não perder o CRP e não ter perdas financeiras, mas depende do Legislativo", informou.

Na Serra o problema foi outro. O Executivo entregou o projeto em abril, mas ele ainda não foi votado pela Câmara. O acompanhamento da proposta aponta que a tramitação está parada desde abril. A Prefeitura da Serra  informou que "aguarda a análise e aprovação dentro do prazo para que o município não sofra nenhuma sanção". Já a Câmara não enviou resposta até a publicação desta reportagem.

A Gazeta não obteve retorno da Prefeitura de Itapemirim quanto ao estágio de tramitação do projeto. A reportagem também não conseguiu contato com as prefeituras de Mimoso do Sul e Rio Novo do Sul. Caso os municípios enviem respostas, esta reportagem será atualizada.

VEJA A LISTA DAS 24 CIDADES QUE APROVARAM O AUMENTO DA ALÍQUOTA

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