Indo além do já era esperado pelo mercado, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) reduziu em 0,75 ponto a taxa básica de juros da economia brasileira nesta quarta-feira (6). Em meio ao avanço do coronavírus no país e da crise no consumo que a pandemia provoca, a taxa Selic teve um corte de 3,75% para 3% ao ano, mantendo-se assim como a menor da história desde 1999, quando entrou em vigor o regime de metas para a inflação.
O mercado projetava uma queda de meio ponto. Essa, porém, deve ser apenas uma redução de uma série que deve ocorrer até o final do ano. Segundo perspectivas de analistas do mercado financeiro no boletim Focus, do Banco Central, desta semana, há previsão de mais cortes futuros que devem fazer a Selic chegar à casa dos 2,75%.
A Selic é a taxa de juros básica do Brasil, ou seja, é a usada para o pagamento da dívida pública pelo governo. Ela também influencia as demais taxas de juros dos bancos e altera a rentabilidade de algumas aplicações financeiras como a poupança e outros investimentos mais conservadores.
A taxa é usada pelo Banco Central como ferramenta para controlar a inflação, já que a alta ou a queda dos juros influencia o consumo das famílias e a tomada de crédito no país. Em linhas gerais, quando a inflação está alta, os juros servem para reduzir o consumo e forçar uma queda nos preços. Quando a inflação está muito baixa, o Banco Central reduz a Selic para estimular o consumo.
É justamente esse segundo cenário que está acontecendo atualmente e que levou a esse corte robusto, explica a economista e professora da Fucape Arilda Teixeira. Com a economia desacelerando rapidamente por conta da pandemia, levando ao aumento desemprego e a redução da renda, o consumo tem caído drasticamente e isso está puxando a inflação brasileira para baixo, ou seja, os preços têm caído.
Em março, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), índice que mede a inflação oficial, somou 0,07%, menor taxa para o mês desde 1995. O mercado financeiro prevê que o IPCA ficará em 1,97% neste ano, isto é, abaixo do piso de 2,5% previsto pelo sistema de metas.
É por isso que há margem para reduzir ainda mais a Selic. Pela regra atual, o IPCA pode oscilar de 2,5% a 5,5% sem que a meta de inflação para o ano seja formalmente descumprida. Quando a meta não é cumprida, o Banco Central tem de escrever uma carta pública explicando as razões.
Arilda explica que a redução favorece o financiamento da dívida pública, o que é excelente para o governo, sobretudo em tempos de aumento de gastos para enfrentar a doença, mas alerta: "O risco é que o setor público pode usar isso não para reduzir a dívida ou aproveitar esse espaço para aumentar investimentos, e sim gastar em coisas que não têm efeito multiplicador, como aumento de salários".
Um ponto negativo da queda seria o risco de fuga de investimentos estrangeiros, segundo a economista. "Isso reduz a remuneração dos ativos financeiros. Então nossas transações podem chegar a ter um rendimento quase do nível dos mercados desenvolvidos. Logo há esse risco dos aplicadores deixarem o país e aplicar fora, que é mais seguro. Saindo esse capital estrangeiro, o câmbio é pressionado, e isso impacta o custo de vida, comprometendo também a estabilidade externa do país", diz.
Arilda lembra ainda que a queda representa uma redução do custo do dinheiro, mas alerta para a tendência disso não chegar na totalidade ao consumidor. "Se tivemos uma regulação decente e um mercado bancário menos concentrado, a queda dos juros reais seria maior. Mas eles ainda caíram com isso, só não no mesmo ritmo".
O economista Orlando Caliman defendeu a queda justamente para que o custo do dinheiro reduza e para que isso estimule de certa forma a economia no pós-pandemia, ajudando também no oferecimento de crédito mais barato para liquidez das empresas, evitando uma quebradeira generalizada.
"Vamos ter um buraco extremamente grande no PIB . Com a disponibilidade produtiva alta, será preciso recuperar essa ociosidade para tapar o buraco do PIB. Para isso é preciso dar liquidez à economia visando não matar as empresas. Os países que estão saindo da crise estão trabalhando nessa linha", frisa.
O economista ainda destaca: "A retomada da economia não vai exigir tantos investimentos privados imediatamente porque já há capacidade de produção, só que ela está ociosa. Mas é preciso aproveitar isso (os juros baixos) para estimular os investimentos em infraestrutura, sejam eles públicos, já que o custo do financiamento público será menor, ou seja via concessões e privatizações que estimulam a economia a girar".
A professora Arilda, porém, reforça o temor sobre a forma como essa folga fiscal seria tratada pelo governo. "Se os reflexos da queda nos juros forem bem aplicados pelo governo, eles vão sim estimular investimentos e empregos. Mas se for feito com o casuísmo de quase sempre do poder público, não teremos esse resultado. Depende da responsabilidade do governo", pontua.
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