Áudios de conversas entre empresários que tiveram prisão decretada na Operação Decanter revelam o pagamento de propina para funcionamento de uma fraude milionária no comércio de vinho. Na troca de mensagens, eles relatam terem pago propina de R$ 750 mil para o ex-secretário de Estado da Fazenda, Rogelio Pegoretti Caetano Amorim, segundo investigações do Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES).
"A partir da análise dos dados do investigado Otoniel Jacobsen Luxinger, foram identificados inúmeros áudios deixando evidente que ele e outros empresários do ramo de bebidas teriam pagado propina de ao menos R$ 750 mil para o então secretário de Estado da Fazenda, Rogelio Pegoretti Caetano Amorim, a fim de que este defendesse os interesses do grupo", diz trecho da investigação do MPES a que A Gazeta teve acesso.
Em contrapartida, eles esperavam que Rogelio atuasse para transmitir informações sobre investigações em curso, colocasse obstáculos em ações de fiscalização das empresas, concedesse vantagens fiscais indevidas e até que perseguisse os concorrentes dos empresários, aponta o MPES.
Os registros em áudio fazem parte da investigação criminal conduzida pelo MPES, por meio do Grupo de Atuação Especial de Combate à Sonegação Fiscal (Gaesf), em parceria com a Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz), e com o apoio operacional do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e do Núcleo de Inteligência da Assessoria Militar do MPES.
Deflagrada na terça-feira (12), a Operação Decanter resultou na prisão temporária de cinco pessoas: o ex-secretário e mais quatro empresários. São eles:
Também foram determinados pelo Juízo da Sexta Vara Criminal de Vila Velha outros dois mandados de prisão contra donos de empresas que são considerados foragidos:
Segundo o MPES, a investigação tem o objetivo de desarticular uma complexa organização criminosa composta por empresários, contadores, “laranjas” e agentes públicos, com atuação voltada à prática de fraudes fiscais no comércio de vinhos no Espírito Santo.
Apenas nos últimos quatro anos, essa fraude gerou um prejuízo ao erário estadual da ordem de R$ 120 milhões, de acordo com estimativas da Secretaria de Estado da Fazenda.
Os trabalhos investigativos começaram em 2020, enquanto o ex-secretário ainda estava no comando da Sefaz. No entanto, a suspeita de envolvimento de Rogelio na fraude milionária só surgiu depois que ele deixou o cargo. Em um primeiro momento, segundo informações do MPES, as apurações estavam direcionadas para as empresas que teriam participação no esquema.
Um dos registros de conversas obtido pela investigação é do dia 4 de março de 2021. A mensagem enviada por Otoniel Jacobsen Luxinger para Adilson Batista Ribeiro comenta como as negociações teriam sido feitas com o ex-secretário, Rogélio Pegoretti, segundo o MPES. Em um trecho ele diz: “Adilson, eu conversei com o secretário, cara, sobre a nossa carga que tá presa (sic)”
Em outro ponto Otoniel relata: “A reunião foi boa. O Ricardo e o Fred (outros dois empresários investigados) tá na minha mão. Assim, ficaram muito gratos porque consegui marcar reunião com o secretário. Secretário num restaurante, véio . Claro, Adilson, numa sala reservada, entendeu? Mas, numa sala reservada, a gente conseguiu o secretário. Deu pra conversar abertamente, claramente o negócio. E assim, cara, nóis tamo no caminho. Agora as coisas vai começar a andar melhor. E a gente tem o canal direto pra marcar várias vezes. E detalhe, quem marca é eu (sic)”. Confira a íntegra do áudio:
Em um segundo registro, desta vez do Adilson enviado para Otoniel, ele reclama de ter pago a propina e, ainda assim, ser multado, conforme consta na investigação. “Porque nós pagamos 750 mil reais para ser multado pelo... Agora tá sendo multado.”
Em outro ponto Adilson acrescenta: “Nós três fomos os que mais pagamos, nós três no que eu digo é eu, você, o Ricardo e o Fred, foi quem mais pagou, cara. E nós estamos sendo lascados (sic)”. Confira a íntegra do áudio:
Em um terceiro áudio, do dia 15 de março de 2021, Otoniel reclama com Adilson sobre a atuação do ex-secretário. “O secretário tem que dar uma... Tem que dar um resultado para nós, entende, cara? Mas vira e mexe, ele fica falando, ‘porra, cobrei o Ricardo, cobrei o Fred. Porra o Fred me pagou faltando dois mil’.” Confira o registro na íntegra:
Os empresários também se mostraram surpresos e revoltados com a saída do ex-secretário do governo. Rogelio foi o titular da Fazenda estadual de janeiro de 2019 a de agosto de 2021, quando pediu exoneração do cargo, alegando questões pessoais.
A reclamação partiu de Adilson, em áudio enviado para Otoniel, no dia 4 de agosto de 2021, segundo consta na investigação. “Você viu aí do secretário, né? Fodeu agora, hein. Logo agora, a gente sendo fiscalizado, esse filho da puta, sai do cargo. É o caralho, né, velho? Dá vontade de matar uma desgraça dessa, não dá, não?” Confira a íntegra do áudio:
A investigação aponta que existem “indícios substanciais da prática do crime de corrupção passiva” que teria sido praticada pelo ex-secretário de Estado da Fazenda Rogelio Pegoretti Caetano Amorim. E ainda de corrupção ativa vinda dos empresários Otoniel Jacobsen Luxinger, Adilson Batista Ribeiro e Ricardo Lúcio Corteletti, já presos, além de Ramon Rispiri Viana e Adilson Batista Ribeiro, que também são alvos da investigação, mas são considerados foragidos.
Em 2014, Corteletti já havia sido peso em outra investigação do MPES, a Sanguinello, que desarticulou um esquema de fraude tributária no comércio e importação de bebidas, principalmente vinho.
O advogado Rafael Merlo Marconi de Macedo é responsável pela defesa de Ricardo Lucio Corteletti. Em relação à Operação Decanter, ele informou que não se manifesta no momento por ainda estar analisando as informações relativas à investigação.
Já em relação ao processo originado na Saguinello, ele informa que já apresentou a defesa de seu cliente dentro das alegações finais. Destaca ainda que não existe nenhum elemento no processo que vincule Corteletti à atuação das empresas de fachada.
“Um total de 546 empresas foram intimadas a se manifestarem no processo e nenhuma delas relacionou Ricardo Cortelleti a elas, nenhuma delas fez negócio a pedido dele. Ele foi considerado arquiteto das negociações, que ele se beneficiaria das empresas de fachada, o que não procede. E, nas audiências de instrução, as provas foram contrárias a esta afirmação. Estamos confiantes em sua absolvição”, assinala o advogado.
A defesa de Hugo Soares de Souza está a cargo de Homero Mafra. E a do ex-secretário de Estado da Fazenda Rogelio Pegorretti Caetano Amorim está sendo conduzida pelo advogado Edson Viana dos Santos. Nos dois casos, os advogados informaram que não se manifestam no momento por ainda estar analisando as informações relativas à investigação.
A reportagem tenta localizar a defesa dos detidos Otoniel Jacobsen Luxinger, Wagney Nunes de Oliveira, Ramon Rispiri Viana e Adilson Batista Ribeiro e mantém o espaço aberto para que todos possam se pronunciar.
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