A crise econômica provocada pela pandemia de coronavírus afetou diversos setores, causando quedas de receita, demissões e até a falência de muitas empresas. Essa crise também chegou ao transporte público metropolitano do Espírito Santo, o Transcol. Segundo as empresas, a redução no número de passageiros fez com que as concessionárias do serviço perdessem mais de R$ 130 milhões desde março.
Como previsto em contrato, o governo do Estado, responsável por manter o equilíbrio econômico-financeiro do serviço, enviou "socorro" sob a forma de 11,2 milhões de litros de diesel, que custaram mais de R$ 40 milhões aos cofres públicos. A informação foi publicada com exclusividade por A Gazeta após análise das compras emergenciais estaduais.
Segundo o sindicato que representa as 11 empresas concessionárias, o GVBus, a ajuda evitou uma "demissão em massa" dos trabalhadores do setor.
Mas como o sistema Transcol chegou a esse ponto? Por que o Estado teve que intervir? Afinal, quanto custa (para passageiros e poder público) manter os ônibus circulando? Entenda abaixo:
Tem cada vez menos pessoas usando o transporte público e essa redução vem acontecendo em todo o país desde antes da pandemia, segundo a Associação das Empresas de Transportes Urbanos (NTU).
No entanto, o coronavírus - e as muitas medidas restritivas que vieram com ele - fez despencar a quantidade de pessoas que utilizam o transporte público. Segundo dados das empresas disponibilizados pela Companhia Estadual de Transportes Coletivos de Passageiros do Estado do Espírito Santo (Ceturb), o número médio de passageiros por dia caiu de 429 mil em janeiro para 176 mil em maio. Uma redução de 58%.
Também houve redução na frota, mas ela foi menor que a queda da demanda. Mesmo no período mais crítico da pandemia, o governo exigiu que pelo menos 90% da frota continuasse circulando. No fim do mês passado, com a volta às aulas, o governo determinou que o sistema rode com 100% da capacidade.
Com menos gente circulando, as concessionárias arrecadaram menos com passagens de ônibus. Por esse mesmo motivo, a receita com o subsídio do governo também caiu.
Atualmente, o governo do Estado "paga" parte da tarifa do Transcol sob a forma de subsídio. Cada vez que a empresa recebe R$ 3,90 de um passageiro, o governo completa até inteirar o valor do custo de transporte daquela pessoa, que é próximo de R$ 5.
Dessa forma, a empresa só recebe esse complemento proporcional ao número de passageiros que transporta. Em 2019, as duas concessionárias receberam, juntas, em média R$ 13,3 milhões por mês em subsídios. Este valor caiu para perto de R$ 6 milhões mensais entre abril e junho deste ano.
Segundo as empresas, essa combinação fez com que os custos de operação do sistema superassem a receita em mais de R$ 130 milhões.
A entidade que representa as empresas afirmou ainda que só não houve colapso do sistema e demissões em massa porque o governo estadual forneceu combustível, o que, segundo elas, "atenuou a situação".
O socorro do governo veio de duas formas. A primeira foi a compra de R$ 40 milhões em combustível, valor calculado para suprir a demanda dos coletivos até novembro. O contrato pode ser prorrogado por mais três meses.
Segundo a justificativa que acompanha os dois contratos de aquisição de diesel junto à BR Distribuidora, o combustível equivale a 25% dos custos de operação do sistema Transcol.
A outra "ajuda" foi obrigar, por meio de portaria, as empresas a suspenderem as atividades dos cobradores dentro dos coletivos. A justificativa do governo é que a manipulação de dinheiro em espécie seria uma maneira de transmitir o coronavírus.
Sem dinheiro circulando nos ônibus não havia mais necessidade da atuação dos cobradores, que foram incluídos no Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e Renda do Ministério da Economia (conhecido como BEm).
Com isso, eles saíram da folha de pagamento das companhias e passaram a receber por meio do governo federal. O afastamento ocorreu em maio e vem sendo prorrogado desde então. O prazo termina em 17 de novembro.
Segundo apuração da reportagem, os cobradores correspondem a 18% da folha de pagamento das empresas de transporte coletivo.
Segundo especialistas, por ser uma atividade essencial e de responsabilidade do poder público, cabe ao ente contratante, seja Estado ou município, garantir o equilíbrio do contrato.
Isso significa que as contas são ajustadas anualmente para se adequarem à mudança de preços de combustível, de peças de reposição, reajuste dos salários dos trabalhadores, etc. É nessa mesma reunião que se define o valor da tarifa paga pelo usuário e do subsídio pago pelo governo, que devem cobrir os custos.
Esse mecanismo determina também que, caso a demanda seja muito menor do que a acordada, cabe ao Estado fazer a compensação. Foi o que aconteceu na crise do coronavírus.
Vale ressaltar que, embora as empresas sejam concessionárias do serviço, ele é controlado pelo poder público. É o Estado que determina quantos ônibus precisam circular em cada linha, que bairros eles vão atender, até que horas vão funcionar, etc.
Especialistas são unânimes em afirmar que, até que haja uma vacina contra o coronavírus, não há perspectiva de retorno dos passageiros para os ônibus no patamar anterior à pandemia.
Eles acreditam ainda que, mesmo que o coronavírus não seja mais uma ameaça, é possível que a demanda nunca se recupere. Isso porque, até lá, muitas pessoas podem se habituar a outros meios de locomoção, sem contar os trabalhadores que devem permanecer em home office e que precisarão de muito menos deslocamentos.
Além disso, na Grande Vitória, há o investimento em outros modais complementares como as ciclovias e o aquaviário. Com isso, caso o sistema público de transporte não seja adequado a essa nova realidade, ele seguirá dando prejuízo.
Segundo dados da Ceturb referentes a 2019, o sistema Transcol arrecadou naquele ano R$ 553,4 milhões em passagens, seja via Vale Transporte, seja em pagamentos avulsos. No mesmo ano, o governo pagou R$ 160,1 milhões em subsídios.
As empresas declararam que os custos totais - que incluem principalmente combustível, manutenção dos veículos e funcionários - foram de R$ 732 milhões. O valor é cerca de R$ 18 milhões a menos do que o arrecadado.
Ao todo, os 1.426 ônibus da frota operante rodaram mais de 108 milhões de quilômetros em 2019. É o suficiente para ir da Terra à lua e voltar 141 vezes.
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