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Entenda como funcionava a fraude na venda de vinhos no ES

Entenda como funcionava a fraude na venda de vinhos no ES

Coordenada pelo MPES e pela Secretaria de Estado da Fazenda, a investigação identificou prejuízos de R$ 120 milhões aos cofres estaduais; sete pessoas são investigadas, entre elas, o ex-secretário Rogelio Pegoretti, preso nesta terça (12)

Publicado em 12 de julho de 2022 às 20:40

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Coletiva na sede do MPES sobre a Operação Decanter
Coletiva na sede do MPES sobre a Operação Decanter . (Carlos Alberto Silva)
Entenda como funcionava a fraude na venda de vinhos no ES

A fraude que gerou um prejuízo milionário aos cofres do Espírito Santo nas operações referentes à venda de vinhos no Estado teve envolvimento de empresários, contadores, “laranjas” e agentes públicos, que agiam para burlar o pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

A operação “Decanter”, deflagrada na manhã desta terça-feira (12), desarticulou a organização e resultou na prisão de cinco pessoas, entre elas o ex-secretário de Estado da Fazenda, Rogélio Pegoretti. Dois empresários estão foragidos.

Os órgãos ligados à investigação não divulgaram para a imprensa os nomes dos suspeitos de envolvimento na fraude. Mas a reportagem de A Gazeta conseguiu identificar os nomes dos presos na operação. Além do ex-secretário da Fazenda Rogelio Pegoretti, a lista inclui os empresários Ricardo Lucio Corteletti, Otoniel Jacobsen Luxinger, Wagney Nunes de Oliveira e Hugo Soares de Souza. Duas pessoas, ainda não identificadas pela reportagem, estão com mandado de prisão em aberto: uma está foragida e outra está em viagem.

A reportagem tenta localizar a defesa dos presos na operação e mantém o espaço aberto para que todos possam se pronunciar.

A ação, que foi coordenada pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES) e pela Secretaria da Fazenda (Sefaz), identificou prejuízos de pelo menos R$ 120 milhões aos cofres estaduais nos últimos quatro anos.

Durante entrevista à imprensa na tarde desta terça (12), o subsecretário da Receita Estadual, Benício Suzana Costa, parabenizou os envolvidos na investigação e disse tratar-se do “coroamento” de um grande trabalho, que poderá resultar na responsabilização dos envolvidos.

“Gostaria de enfatizar também o compromisso tanto do governo do Estado quanto da Secretaria da Fazenda do Espírito Santo com a transparência, com a probidade administrativa. E nós estaremos combatendo sempre a sonegação, os ilícitos tributários, sejam eles praticados por agentes privados ou agentes públicos. Independentemente de quem for, terá que pagar perante a lei.”

O subsecretário explicou que empresas atacadistas adquiriam o vinho de fornecedores, cuja operação era regular, mas burlavam o pagamento de tributos ao revender essas bebidas.

“Simulavam a venda do vinho para fora do Estado, mas esse vinho era internalizado, era jogado no nosso varejo. Ao simular essa venda para outro Estado, teoricamente, pagam 1,1% de alíquota de ICMS, e aqui no Estado teriam que pagar 17%. Ao fazer isso, eles reduziam o custo do tributo, mas comercializavam ao mesmo preço do produto com a carga tributária efetiva.”

Ainda segundo Costa, os varejistas alegam que não tinham conhecimento do esquema, mas há indícios de que, na realidade, sabiam que se tratava de uma fraude.

Operação Decanter do Gaeco e Sefaz recolheu notas de reais durante a operação
Operação Decanter do Gaeco e Sefaz recolheu notas de reais. (MPES / Divulgação)

O coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate à Sonegação Fiscal (Gaesf), do MPES, Luis Felipe Scalco, explicou que a investigação foi originalmente instaurada para apurar um esquema de sonegação fiscal no setor de vinhos, mas que, atualmente, já há indícios de que a venda de outras bebidas também pode estar sendo fraudada.

“Desde o princípio já haviam elementos substanciais de que um grupo de empresas atacadistas vem adotando mecanismos para suprimir, sonegar o imposto que deveria incidir nesse mercado de comércio de vinhos.”

Ele explica que, ao longo da operação, a partir da análise dos dados, surgiram evidências de que pelo menos dois agentes públicos poderiam ter participação na fraude no sentido de oferecer vantagens indevidas ao grupo de empresários para que o esquema se perpetuasse.

“São dois agentes públicos da Secretaria da Fazenda: um agente na ativa e outro ex-funcionário. Um da cúpula e outro em campo, no trabalho de auditoria. Há indicativos de que eles podem ter recebido valores indevidos para que cada um, dentro da sua área de atribuição, resguardasse os interesses do grupo.”

Sem citar nomes, ele destacou que “o período da fraude fiscal coincide com o período que esse agente público (o ex-secretário de Estado da Fazenda, Rogelio Pegoretti) estava na função.”

O segundo agente público envolvido foi alvo de um mandado de busca e apreensão, mas não teve a prisão decretada. Foi feito juízo de valores a partir das provas já obtidas e a atuação de cada um fraude. Ele não descarta, entretanto, que a prisão possa ser decretada futuramente, conforme o andar da investigação.

“Desde o princípio, essa investigação vem sendo realizada em parceria com a Secretaria da Fazenda. O setor de inteligência tem nos auxiliado tanto no momento inicial de detecção da fraude quanto da análise do que nós fomos coletando nos últimos meses. E quando surgiu esse indicativo de participação de servidores públicos, eles em momento nenhum tentaram encobrir ou mitigar a responsabilidade dos agentes públicos envolvidos. Pelo contrário, intensificamos ainda mais o nosso trabalho para alcançar as provas necessárias e chegar ao ponto que chegamos hoje com essa operação.”

Scalco observou ainda que o material coletado é extenso e que existe a possibilidade de que a operação se desdobre em uma segunda ou até terceira fase.

ENTENDA COMO FUNCIONAVA O ESQUEMA

  • A princípio, as investigações apontam que as bebidas vinham de empresas lícitas, que produziam o vinho e vendiam a redes atacadistas.
  • O comércio de vinhos se sujeita à sistemática da substituição tributária “para frente”, ou seja, o fornecedor (vinícola ou importador) precisa recolher, de forma antecipada, o ICMS que incidirá sobre todas as etapas da cadeia de circulação da mercadoria.
  • Em aquisições interestaduais, se por algum motivo o fornecedor não realizar o recolhimento antecipado, cabe ao adquirente fazê-lo, por ocasião da entrada da mercadoria em seu estoque.
  • Entretanto, os grupos atacadistas, que adquiriam dos fornecedores para revender ao varejo, burlavam esse sistema, simulando que a revenda era feita para empresas de Goiás, que não existiam na prática. Tratavam-se de laranjas, em nome de pessoas que não tinham patrimônios. É investigado, inclusive, o uso de dados de beneficiários de programas sociais para a criação das empresas fictícias.
  • Como Goiás não tem convênio com o Espírito Santo para adoção do regime de substituição tributária, essas notas são emitidas apenas com o ICMS próprio, reduzido, ainda, a apenas 1,1% do valor do produto, já que as empresas envolvidas ainda gozam de um incentivo fiscal chamado “Compete”.
  • Com isso, era criada uma operação fictícia de remessa da carga a Goiás, mas as bebidas permaneciam no Espírito Santo.
  • Para que essa bebida pudesse ser revendida dentro do Estado, era contratada uma empresa noteira (laranja) que emitia outras notas referentes à venda, indicando que o ICMS já havia sido recolhido em outra etapa da operação. O recolhimento, entretanto, não ocorria.
  • As empresas atacadistas beneficiárias, que recebiam essas notas simuladas, tinham o estoque artificialmente inflado e, a partir daí, vendiam para o varejo em geral. A participação das empresas varejistas ainda é investigada.
  • Esse esquema era acobertado por dois agentes públicos, sendo um da cúpula principal da Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz) - que, conforme demonstrou reportagem de A Gazeta, é o ex-secretário Rogelio Pegoretti -, e, o outro, um servidor que atuava em campo.
  • Em troca das vantagens oferecidas aos empresários, os agentes públicos recebiam valores indevidos.

GOVERNO INFORMA QUE PARTICIPOU DAS INVESTIGAÇÕES

Por nota, o Governo do Estado informou, na manhã desta terça-feira (12), que, por meio da Secretaria da Fazenda (Sefaz), participou das investigações que resultaram na “Operação Decanter”. "Na oportunidade, reitera seu compromisso com a transparência, responsabilidade administrativa e o combate permanente a qualquer tipo de irregularidade", diz o texto da nota.

A Secretaria da Fazenda (Sefaz) informou, também por nota, que aguarda o recebimento do processo a ser encaminhando pelo Ministério Público para que as devidas providências sejam tomadas, em relação ao servidor da ativa que é investigado na operação. "A Sefaz tem auxiliado nas investigações e reitera seu compromisso com a transparência, responsabilidade administrativa e o combate permanente a qualquer tipo de irregularidades", diz a nota.

Errata Atualização
13 de julho de 2022 às 16:39

Os órgãos ligados à investigação não divulgaram para a imprensa os nomes dos suspeitos de envolvimento na fraude. Mas a reportagem de A Gazeta conseguiu identificar os nomes dos presos na operação, após a publicação desta matéria, e, por isso, este texto foi atualizado.

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