Energia elétrica é, sem sombra de dúvidas, um serviço essencial. Se ficar alguns minutos com o fornecimento interrompido já causa um grande transtorno nas nossas vidas, tente imaginar como seria ficar 18 dias sem eletricidade, situação enfrentada atualmente pelos moradores do Amapá.
Diante da grave crise no setor elétrico que colocou o estado do Norte do país em situação de calamidade uma pergunta é natural: Estamos protegidos de um blecaute nessas proporções? Ou corremos o risco de ter um apagão por aqui caso algum evento atípico aconteça?
A Gazeta ouviu especialistas e questionou as duas concessionárias de distribuição de energia elétrica que atuam no Espírito Santo, a EDP e a Empresa Luz e Força Santa Maria, que afirmam que não há esse risco aqui e que a a rede do Estado tem uma situação bem diferente da realidade do Amapá.
As empresas explicam que a rede de transmissão de energia capixaba é bem mais segura, uma vez que o Espírito Santo fica numa posição geográfica privilegiada que o permite ter um sistema elétrico mais interligado do que Estados ao Norte do país.
No Amapá, moradores de 13 dos 16 municípios estão sem serviços básicos desde o dia 3 de novembro depois que um incêndio atingiu a principal subestação do Estado. Atualmente, 89% da população (quase 670 mil pessoas) tem oferta de energia de maneira racionada.
O Ministério de Minas e Energia começou nesta semana a descarregar 37 geradores termelétricos que devem garantir, de forma provisória, o retorno de 100% do fornecimento da energia elétrica assim que entrarem em operação. Enquanto isso, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) tenta apurar as causas do apagão para saber se o problema foi provocado por alguma falha na manutenção.
O gerente de engenharia da Luz e Força Santa Maria, Fernando Casari, explica que a área de atuação da empresa no Espírito Santo, por exemplo, possui condições que conseguem minimizar e até evitar a suspensão do fornecimento de energia elétrica. A empresa é distribuidora em 11 municípios localizados no Noroeste do Estado e possui um sistema elétrico com 10 subestações, totalizando uma potência instalada de 661 MVA.
Como estamos localizados no Sudeste, a malha do Sistema Interligado Nacional (SIN) possui muito mais interligações que a do estado do Amapá. Sendo assim, temos mais alternativas em caso de problema com alguma interligação, comenta.
Já a EDP, que possui uma rede de 95 subestações nos 70 municípios da área de concessão no Estado, afirma que em caso de eventual falha em algum desses equipamentos, os "sistemas de redundância estão preparados para garantir a retomada do fornecimento de energia".
Outro aspecto importante é o investimento em infraestrutura, aumentando as ligações da malha de transmissão. Redes mais modernas tendem a ser mais seguras e, com isso, há uma chance muito menor de apagões.
Nos últimos anos, o Estado tem recebido grandes investimentos em novas subestações e linhas de transmissão, como a que liga Linhares a São Mateus, entregue em 2019; a que vai de João Neiva a Mesquita (MG); e a linha entre Rio Novo do Sul e Mutum (MG).
Há ainda novos projetos previstos para os próximos anos. Neste mês, a Aneel autorizou um leilão que prevê a construção de um linhão que ligará a rede do Espírito Santo à Bahia, passando por Minas Gerais, e que vai demandar um investimento superior a R$ 2 bilhões no trajeto.
A EDP, por exemplo, destaca ter investido mais de R$ 1,5 bilhão nos últimos cinco anos em obras de expansão e melhoria do sistema elétrico em todo o Estado, construção e ampliação de subestações e a recapacitação de linhas de distribuição de alta tensão. "Além disso, o sistema de transmissão foi reforçado no Estado, minimizando o impacto de eventuais ocorrências", enfatiza a companhia.
A Santa Maria também afirma que vem realizando ações de forma contínua, dentre elas a execução e revisão de um plano periódico de manutenção preventiva, expansão, análise de risco e investimentos em sistemas, equipamentos e infraestrutura. Um desses investimentos se refere a um novo ponto de suprimento em João Neiva, que vai reforçar a malha interligada.
O Espírito Santo viveu alguns apagões na última década. Em 18 de agosto de 1985, o Brasil registrou o seu primeiro grande apagão. O Distrito Federal e mais oito Estados, dentre eles o Espírito Santo, foram atingidos pela queda de energia. Na época, não houve uma paralisação contínua do serviço, mas o fornecimento de energia ficou comprometido por três horas.
A falta de energia foi provocada por uma queimada ao lado de linhas de transmissão nas proximidades de Araraquara, interior de São Paulo. Os disjuntores das linhas desligaram-se automaticamente com o aquecimento dos cabos que levavam energia das hidrelétricas de São Simão, Água Vermelha e Marimbondo para a subestação de Campinas.
Já em 1988, 66% do Espírito Santo ficou quase uma hora sem eletricidade. Apenas o Norte do Estado não foi afetado, já que recebia energia da Usina Hidrelétrica de Mascarenhas, em Baixo Guandu. O blecaute se deu por uma sobrecarga de energia causada por raios em duas linhas da subestação administrada pela estatal Furnas Centrais Elétricas em Cachoeira Paulista (SP).
Em novembro de 2009, cerca de 60 milhões de pessoas, de 18 Estados, passaram pelo que foi chamado de maior apagão do século. A força de uma tempestade de raios produziu um curto-circuito nas linhas de transmissão do sistema da Eletrobras Furnas, que vêm da Usina Hidrelétrica de Itaipu.
Na ocisão, o Espírito Santo e mais três Estados ficaram totalmente no escuro. As outras 14 unidades da federação enfrentaram um blecaute parcial. A situação também atingiu 90% do território do Paraguai.
Já na noite do dia 11 de fevereiro de 2014, várias cidades do Espírito Santo ficaram sem energia elétrica. O problema foi resultado do desligamento automático das quatro linhas de transmissão que conectam as subestações de Vitória (Furnas) e Pitanga (EDP). A falta de energia afetou parte do Norte do Estado e da Grande Vitória.
A energia percorre um longo caminho até chegar na casa do consumidor. Ela é produzida em usinas que estão, na maioria das vezes, muito distantes dos centros consumidores. Dessa maneira, a eletricidade gerada nesses pontos precisa viajar por longas distâncias pelas linhas de transmissão, o que ocorre por meio do Sistema Interligado Nacional (SIN) ou de redes locais.
O doutor em engenharia elétrica e professor do Departamento de Engenharia elétrica da Ufes Lucas Frizera Encarnação afirma que Estados que têm mais linhas de transmissão e subestações estão mais protegidos. Dessa forma, quando ocorre algum problema na transmissão de energia elétrica, o fluxo pode ser desviado para outra linha.
Como a energia que chega pelas linhas de transmissão está em alta voltagem, para ela ser distribuída é preciso passar primeiro por uma subestação de energia onde há transformadores de potência. Então, de lá, ela segue até o seu destino final.
O engenheiro elétrico Dirceu Soares Júnior, professor dos cursos de Engenharia Elétrica e de Controle e Automação do Ifes campus Serra, lembra que as empresas precisam ter mecanismos que possam ser acionados em caso de falhas. Segundo ele, caso um transformador não funcione, outro precisa ser imediatamente acionado e começar a funcionar. Essa agilidade reduz os impactos e prejuízos à população.
"As empresas precisam ter uma preocupação com a proteção do sistema elétrico, ou seja, evitar sobrecargas e curtos-circuitos na instalação elétrica. Isso faz parte da política de manutenção das concessionárias. Outro ponto é realizar a análise preditiva dos transformadores para evitar possíveis problemas. Hoje, com a tecnologia, é possível fazer tudo isso online", explica.
No caso do Amapá, ele lembra, havia um transformador reserva que estava parado e sem manutenção, o que não poderia acontecer. Os outros dois que ficavam no mesmo local tiveram problemas. Sem nenhum dos três operando, o abastecimento foi a zero e o Estado ficou sem fornecimento.
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