A Justiça estadual reduziu o valor de três multas milionárias aplicadas a duas empresas que cometeram infrações contra o consumidor. As penalidades, que totalizaram mais de R$ 15 milhões, caíram para R$ 92 mil. Com a decisão, o Estado foi condenado ainda a pagar os honorários dos advogados das infratoras, e terá que desembolsar cerca de R$ 1,6 milhão.
De acordo com o procurador do Estado Leonardo Garcia, além de cometer a infração, no chamado "ilícito lucrativo", as empresas ainda são beneficiadas, por meio dos advogados, com as decisões da Justiça estadual reduzindo o valor das multas aplicadas pelo Procon. O que acabou criando, aponta ele, "uma situação absurda", em que o valor dos honorários (pagamento dos advogados) tem sido quase igual ou até maior que a multa [reduzida]".
Segundo Garcia, as decisões, com vitórias milionárias para as empresas, desrespeitam a legislação do consumidor, além de favorecer o cometimento de novas infrações ou a reincidência nelas, o desincentivo ao pagamento das multas aplicadas e até o recorrente ajuizamento de ações.
Para tentar reverter a situação envolvendo o pagamento dos honorários dos advogados, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) já enviou recurso para o Superior Tribunal de Justiça (STJ). “O Procon estadual multou duas empresas infratoras, seguindo o que estabelece a legislação. O Poder Judiciário concluiu que as reclamações estavam devidamente fundamentadas, por meio de provas no processo administrativo, contudo, manteve o valor da redução das multas”, observou.
O valor a ser pago aos advogados das empresas será calculado com base no chamado proveito econômico obtido com a ação. Isso significa que, ao reduzir uma multa de R$ 100 mil para R$ 10 mil, e o pagamento do advogado for estipulado em 10%, o cálculo será feito tendo como base o valor da redução, R$ 90 mil, que é denominado de proveito econômico.
Duas das multas milionárias foram aplicadas à Tim Celular SA por violações de telemarketing, a partir de reclamação de importunação pelo call center, envolvendo vários consumidores e reincidência na infração, de acordo com informações do processo.
Os valores de R$ 5.858.907,00 e R$ 7.607.081,10 totalizavam R$ 13.485.988,10. Com a decisão da Justiça, cada uma delas foi reduzida para R$ 40 mil, perfazendo um novo total de R$ 80 mil. O procurador explica que o pagamento aos advogados será de 10% do proveito econômico, o que equivale a R$ 1.338.598,81.
No recurso apresentado à Justiça, é dito que o pagamento calculado pode “onerar de forma demasiada e injustificada a Fazenda Pública”.
Já a Motorola Mobility Comércio de Produtos Eletrônicos Ltda foi multada, segundo informações no processo, por devolver ao consumidor aparelho celular que havia sido enviado para assistência técnica com o mesmo problema. Ainda durante o processo administrativo junto ao Procon a penalidade acabou tendo valor aumentado, que totalizou R$ 1.799.474,50.
“O TJES reduziu a multa de R$ 1,7 milhão para R$ 12 mil e deu de honorários 15% sobre o proveito econômico para a parte, ou seja, condenou o Estado ao pagamento de honorários advocatícios de 15%. O Estado pagará mais de R$ 268 mil de honorários, e a empresa pagará R$ 12 mil de multa”, explicou o procurador.
Em um dos recursos apresentados contra a decisão, a PGE aponta que condenar a administração pública a pagar honorários advocatícios com base no proveito econômico, ou seja, na diferença entre a multa aplicada pelo Procon e o valor reduzido pela Justiça estadual, poderá levar o Estado a ter que pagar aos advogados valor superior ao da multa que o Estado irá receber. “Esses dois casos são emblemáticos e refletem o absurdo da situação que vem ocorrendo no Estado”, observa Garcia.
Por nota, as empresas Tim Celular SA e Motorola Mobility Comércio de Produtos Eletrônicos Ltda informaram que "não comentam decisões judiciais".
Um levantamento realizado pela PGE, presente em um dos recursos apresentados pelo órgão, aponta que a redução dos valores das multas do Procon pela Justiça estadual tem sido frequentes. Os dados mostram que, em 54 casos mais recentes, as penalidades de valores variados caíram para R$ 10 mil, independentemente do valor do auto de infração. Outro estudo aponta que, desde 1996, já são 496 casos.
As ações foram movidas pela Procuradoria Geral do Estado (PGE), que representa o órgão estadual de defesa do consumidor. As penalidades aplicadas a dezenas de empresas referem-se a cobranças indevidas, algumas de forma reiterada, por deixar de fornecer informações adequadas e claras ao consumidor sobre o serviço, por deixar de cumprir ofertas, impedir, dificultar ou negar a desistência contratual e devolução dos valores recebidos, importunação do telemarketing das empresas, entre outros motivos.
"O objetivo da multa é a prevenção da infração, ou seja, o que é considerado para o cálculo da penalidade é a violação da norma, que tem o caráter preventivo, e que hoje não acontece. As empresas praticam as mesmas infrações, são reincidentes, e as multas, que têm sido reduzidas, não estão servindo para desestimular a conduta.”
Garcia aponta que há falta de critérios por parte da Justiça na redução do valor das multas, considerando que elas foram calculadas seguindo instrução do Procon. Ele pontua que o cálculo leva em conta na fixação do valor:
As decisões, explica o procurador, ocasionam o chamado “ilícito lucrativo”. “Quando não sancionado devidamente, o fornecedor (empresa) continua a praticar a infração (desrespeito à legislação), uma vez que o benefício conseguido pela infração é maior do que a perda com a sanção (multas baixas).”
Outro ponto destacado por ele é que duas Câmaras Cíveis do Tribunal capixaba já se pronunciaram, decidindo manter o valor original das multas. Pondera que, em um recurso, foi feita a seguinte manifestação: “Não deve ser alterada a multa imposta pelo Procon em face da sociedade empresária por violação de normas de Direito do Consumidor se os critérios utilizados para aquela fixação são previstos em lei e estão devidamente fundamentados”.
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