A renda média da fatia de população mais rica do Espírito Santo cresceu quase três vezes mais do que a registrada por 95% da população adulta do Brasil em um período de cinco anos – de 2017 a 2022. No recorte dos 0,01% mais ricos no Espírito Santo, os ganhos subiram 90% nesse intervalo, enquanto, na base, o crescimento foi de 33% em média no país. Essa é a variação nominal, sem considerar a inflação no período.
Foi o que apontou um estudo publicado no Observatório de Política Fiscal da Fundação Getúlio Vargas (FGV), de autoria do economista Sergio Wulff Gobetti. O estudo, feito com base em dados do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), mostrou que 292 pessoas estão no extrato do 0,01% mais rico no Espírito Santo e têm renda média de R$ 1.465.880, mensais.
Para efeito de comparação, com esse valor é possível comprar um apartamento com cerca de 100 metros quadrados na Enseada do Suá, um dos bairros residencial e comercial mais valorizados de Vitória. Esse ganho mensal também é equivalente ao salário de grandes craques no futebol brasileiro, como o uruguaio Arrascaeta, do Flamengo.
Em todo o país, estão nessa mesma categoria 15.366 pessoas, tendo renda média mensal de R$ 2.169.741. Um dos Estados com renda média mais alta, por exemplo, nessa parcela mais rica da população, é São Paulo, com R$ 2,9 milhões mensais. O estudo não aponta profissões ou atividades dessas pessoas.
O estudo também revelou o número de pessoas que corresponde aos 0,1% mais ricos. No Espírito Santo, enquadram-se nessa lista 2.927 pessoas, diante de 156.666 no Brasil. A renda média mensal desse grupo dos mais ricos capixabas fica em R$ 326.992, enquanto no país está em R$ 441.290, também avaliando o período de 2017 a 2022.
Compõem a renda média analisada pelo estudo itens como renda do trabalho, lucros e dividendos, atividade rural e outros capitais.
Segundo Gobetti explica no estudo, ainda não existem dados disponíveis da renda total das famílias por Estado que permitam, por meio de comparação com as informações do IRPF publicadas pela Receita Federal, aferir a diferença de crescimento de renda entre a base e o topo da pirâmide em cada ente da Federação. Por isso, a comparação foi feita com dados da base da pirâmide (95%) do registrado no país.
A análise feita pelo economista aponta que, em geral, a renda da elite subiu mais nos Estados em que a economia é dominada pelo agronegócio. Enquanto no Espírito Santo o crescimento nominal dos 0,01% mais ricos ficou em 90%, no Mato Grosso do Sul chegou a 204%, no Amazonas, 191%, e no Mato Grosso, 183%.
"O fato de essas taxas serem maiores nos Estados, em geral, dominados pelo agronegócio (além de Amazonas) não é mera coincidência, uma vez que, conforme relatado na nota técnica anterior, verificou-se no período analisado (2017-2022) um crescimento extraordinariamente alto da renda da atividade rural, principalmente nos estratos mais ricos, em que esse tipo de rendimento (isento de tributação na sua maior parte) cresceu acima de 220% (ou 140% em termos reais)", afirma o professor no estudo.
A doutora em Economia Arilda Teixeira comenta que o Brasil se mostra um país desigual quando 10% da população detém 80% da renda do país. “O Brasil tem uma economia com concentração de renda muito elevada. Então, quando um setor começa a prosperar, essa disparidade torna-se ainda mais aparente, pois o Brasil nunca tratou de eliminar os focos da desigualdade”, aponta.
Para Arilda, a disparidade de renda apresentada no estudo é consequência dos benefícios e das concessões feitas pelo governo federal ao Centro-Oeste para que possam produzir boa safras e ter receitas boas. No caso do Sudeste, a economista comenta sobre ainda haver dependência na indústria de transformação, o que, segundo ela, atrasa esse crescimento.
"Como a indústria não evoluiu tecnicamente, não há competitividade e não é possível nem concorrer com os pares. No caso do Espírito Santo, ainda há muita dependência em relação ao petróleo. Precisamos recuperar o solo e produzir alimentos. E também dar enfoque à vocação do Estado, que não é a indústria e, sim, o turismo e o setor de serviços", opina.
Para Érika Leal, professora de Economia do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes, campus Cariacica, e vice-presidenta do Conselho Regional de Economia do Espírito Santo (Corecon-ES), o levantamento chega no momento em que o Brasil está caminhando para a segunda fase da reforma tributária que vai tratar da tributação sobre a renda.
Ela lembra que no Brasil, para estar no estrato 0,1% mais rico, é necessário ter uma renda de pelo menos R$ 140 mil mensais. Já para pertencer ao 1% mais rico, basta ter renda superior a R$ 30 mil. E a porta de entrada para os 5% mais ricos são os R$ 10 mil mensais, o que inclui na prática grande parte da classe média.
A economista detalha que foi também segregada a renda dos estratos mais ricos por tipo de rendimento, separando aqueles provenientes do trabalho e do capital. Assim, o estudo verificou que a melhor performance da renda dos mais ricos se explica sobretudo pelo aumento de lucros e dividendos distribuídos, hoje isentos de tributação, e por um segundo componente que pouca atenção tem despertado nas análises: a renda da atividade rural, cuja maior parcela também está isenta de tributação.
“Os resultados da análise com base nos dados do IRPF servem de alerta sobre o processo de reconcentração de renda no Brasil e sobre os vetores que mais contribuem para isso – os rendimentos isentos ou subtributados que se destacam como fonte de remuneração principal entre os super ricos”.
“Entre as evidências mais importantes desta análise, destaca-se no período recente o crescimento da renda dos muito ricos a um ritmo duas a três vezes maior do que a média registrada por 95% dos brasileiros. O que, ao que tudo indica, a confirmar se por estudos complementares, elevou o nível de concentração de renda no topo da pirâmide para um novo recorde histórico, depois de uma década de relativa estabilidade da desigualdade”.
Na análise da economista, se os dados indicam uma concentração de renda no topo da pirâmide no Brasil, no Espírito Santo as evidências vão no mesmo sentido, mesmo o Estado tendo ficado pouco abaixo da média nacional.
“O estudo traz subsídios importantes para a reflexão sobre a necessidade de uma reforma tributária concernente ao imposto sobre a renda. O sistema tributário é um mecanismo importante para redução das desigualdades de renda que assolam o país”, aponta.
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