Em meio à incerteza na economia devido à crise agravada pelo coronavírus, Estados e municípios cobram do governo federal medidas de socorro. Para tentar solucionar a queda da arrecadação, um projeto aprovado pela Câmara dos Deputados Federais prevê o repasse de R$ 88 bilhões aos entes federativos.
Especialistas têm criticado o modelo da proposta que não exige nenhuma contrapartida. Também analisam a falta de critérios mais claros sobre como o seguro-receita será aplicado.
Se a arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS, estadual) e do Imposto Sobre Serviços (ISS, municipal) cair 30%, como projetam os economistas, o custo da recomposição para os cofres federais seria superior a R$ 80 bilhões.
O projeto aprovado na Câmara dos Deputados na última segunda-feira (13) prevê a recomposição, pelo governo federal, durante seis meses, das perdas de arrecadação de Estados e municípios em razão da crise do novo coronavírus. Mas para que entre em vigor precisa passar pelo Senado e depois pelo presidente da república.
O problema é que o governo federal já sinalizou que quer mudar o seu teor ainda no Senado e, caso não consiga, o presidente deve vetá-lo. Além disso, corre por fora outro projeto, esse de R$ 77,4 bilhões, mais enxuto e segundo especialistas, com uma pegadinha.
De acordo com os economistas, o projeto que está no Senado prevê um impacto fiscal de R$ 89 bilhões à União. Desse valor, R$ 80 bilhões será para o chamado seguro receita, que será um repasse direto para entes da federação que tiveram queda na arrecadação de impostos. Os outros R$ 9,6 suspensão de dívida com a Caixa e o Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES).
Por outro lado, o projeto substitutivo apresentado nesta terça-feira (14) pela equipe econômica do governo federal, prevê: R$ 77,4 bilhões, sendo R$ 40 bilhões em transferência direta ( R$ 19 bilhões para Estados e R$ 21 bilhões para municípios), R$ 14,8 bilhões para a suspensão de dívidas com a Caixa e com o BNDES neste ano (R$ 10,6 bilhões dos EstadosR e R$ 4,2 bilhões dos municípios) e outros R$ 22,6 bilhões para a suspensão de dívidas com a União (R$ 20,6 bilhões dos Estados e R$ 2 bilhões dos municípios).
Com a suspensão de dívidas com a União já havia sido anunciada para pelo menos doze Estados, incluindo o Espírito Santo, em março. Com isso, o governo federal inflou o número em R$ 22,6 bilhões, como apontou o secretário de Estado da Fazenda, Rogélio Pegoretti. "O que a União está propondo nesse novo projeto é reduzir o Seguro Receita pela metade", afirmou.
Ele ainda aponta que "é muito cedo para comemorar", já que o executivo nacional vem fazendo uma série de movimentos para que o projeto que está no Senado não vá adiante.
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (Democratas), criticou a proposta do governo e disse que o plano é insuficiente. Segundo ele, governadores e prefeitos "não sobrevivem três meses" com os recursos oferecidos pelo governo federal como resposta ao coronavírus.
De acordo com Maia, o anúncio do governo para recompor as perdas das receitas de Estados e municípios com ICMS e ISS garantem R$ 22 bilhões a governadores e prefeitos, valor considerado insuficiente pelo presidente da Câmara.
"O que o governo está propondo para estados e municípios, pela regra, pelo que está na planilha deles, são R$ 22 bilhões que não resolvem três meses dos Estados, muito menos a inclusão dos municípios, afirmou Maia.
Maia e o secretário de Fazenda do Estado de São Paulo, Henrique Meirelles, apontaram que o governo federal está reduzindo a proposta afirmando que, para a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, a proposta da Câmara é um cheque em branco que abre a porteira também para os Estados suspenderem pagamento de tributos e concederem renúncia fiscal.
Enquanto o Executivo e o Legislativo batem cabeça para aprovar um projeto que ajude aos Estados e Municípios, os economistas apontam que o projeto que está em tramitação no Senado precisa ser aprimorado. Isso porque, segundo eles, a falta de informações de como será a distribuição dos recursos gera margem para dúvidas.
A economista e professora da Fucape Arilda Teixeira aponta que as informações sobre os custos do projeto ainda são muito precárias e incompletas, o que dificulta uma posição mais clara em relação ao que está sendo decidido. "É preciso que na hora que for sancionado, o projeto tenha todas as regras de partilha e prazos definidos. O executivo foi muito lento para reagir e providenciar recursos que seriam necessários para conter os efeitos negativos da pandemia. A equipe econômica comeu mosca e demorou para reagir", aponta.
O economista e consultor do Tesouro Estadual do Espírito Santo, Eduardo Araújo, aponta que o projeto foi aprovado sem conter nenhuma cláusula de contrapartida dos Estados e municípios. "De uma lado tem que tratar a situação emergencial da crise com a devida gravidade que tem, mas também deveria se ter algum esforço fiscal para que isso não represente um endividamento publico como um todo", comenta.
Ainda de acordo com Araújo, as medidas do governo federal não podem existir como um motivo para o desforço para que Estados e municípios arrecadem tributos. Por isso, de acordo com ele, é também preciso em pensar na gestão financeira dos Estado e municípios, de forma que os entes federativos se comprometam também a usar de forma consciente os recursos liberados pela União.
Araújo complementa que transferências para compensar a perdas de ICMS e ISS tendem a compensar mais as unidades federativas mais "ricas", que conseguem arrecadar mais tributos localmente. Já se fosse via Fundo de Participação dos Estados e dos Municípios (FPE e FPE), seria o oposto. "A adoção de um critério de repartição do recurso federal por população traria mais benefícios a capixabas. Do jeito que está sendo proposto, São Paulo acaba se beneficiando com uma parcela extra de recursos", aponta.
O secretário de Estado da Fazenda, Rogelio Pegoretti, pondera que "de fato, o texto aprovado na Câmara dos Deputados Federais ainda carece de aperfeiçoamento para não gerar insegurança do gestor do Tesouro Nacional na hora de pagar e dos Estados para receber. Ainda é preciso saber o que acontecerá se esses R$ 80 milhões forem usados apenas no primeiro mês, por exemplo. O governo vai aportar mais dinheiro?", indaga.
Com relação à cobrança por uma contrapartida por parte dos Estados, o secretário avalia que nesse momento o principal é que não sejam criados entraves para que o dinheiro chegue aos Estados. Mas, ele aponta que o Tribunal de Contas, por exemplo, deve sim acompanhar como o dinheiro está sendo empregado e que os governos precisam fazer sua parte reduzindo gastos não essenciais.
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