Entre um atendimento e outro, Robson Domingos, de 59 anos, conta que o movimento na banca em que vende óculos, relógios, entre outros produtos, no Centro de Vitória, já não é o mesmo de antes. “A pandemia veio e quebrou muita gente. Apesar de a crise já vir desde antes, quando a situação começou a melhorar, veio o vírus. Renda minha mesmo, é só essa”, relata o vendedor.
“Fiquei endividado”, confessa. “Não tenho cartão, mas dei cheques. Entrou o crédito do governo pra ajudar microempreendedor, e eu peguei porque precisava. Ajudou na hora, mas agora tenho que pagar. Empréstimo tem disso, né? (sic). É complicado, mas estou pagando como posso. Estou meio apertado, mas está indo.”
Essa se tornou uma situação comum. Em um cenário de inflação elevada e altas taxas de juros, mais de 1,25 milhão de capixabas, o equivalente a cerca de 30% da população do Estado, está inadimplente. No país, são quase 68 milhões de pessoas com o nome “sujo”, segundo dados do Serasa.
A nível nacional, dívidas com bancos e cartões de crédito são a principal causa de inadimplência, entretanto, no Espírito Santo as despesas que mais se acumulam são referentes a utilities, isto é, gastos essenciais, como gás, energia elétrica e água.
Organizar as finanças nem sempre é fácil, mas especialistas ouvidos por A Gazeta indicaram que há caminhos que podem ser seguidos para facilitar o processo.
O economista Marcelo Loyola Fraga observa que a primeira coisa a ser feita é encarar a inadimplência como ela é: um problema sério, que precisa de solução. Além de restringir o acesso ao crédito, o endividamento também acaba repercutindo em outras áreas da vida, afetando relações e virando motivo de preocupação.
“Liste as dívidas atrasadas, para ter dimensão do problema, bem como todos os rendimentos. Feito isso, verifique junto aos credores quais são as contas com maior taxa de juros, que podem se tornar uma bola de neve. Tente negociar, substituir essa dívida, pedir descontos de alguns juros adicionais e até parcelar de forma que consiga honrar o pagamento.”
Se necessário, também vale a pena tentar negociar contas fixas, que podem trazer prejuízos à rotina caso não sejam pagas, como luz e água, mensalidade da escola, internet e condomínio.
“Controle as dívidas que estão em atraso, mude um pouco a mentalidade. Evite uso do cartão de crédito, reduza gastos. A gente falava há alguns anos que a única coisa em conta no Brasil eram os alimentos. Hoje, isso acabou. Não existe nada barato. Então qualquer coisa que se corte, ajuda muito. Hoje os serviços, também estão muito caros. Verifique o que não é necessário.”
De acordo com o gerente da Serasa, Thiago Ramos, é preciso ter dimensão de tudo aquilo que se ganha e se gasta para que o planejamento financeiro adequado possa ser realizado.
Ele explica: "Cartões, cheque especial e empréstimos são os principais motivos de inadimplência. Rodamos uma pesquisa há alguns meses, que demonstrou que 29% dos entrevistados tinham cinco cartões de crédito ou mais. É difícil casar isso tudo com as datas de pagamento. O brasileiro passou a pagar tudo com cartão, até a fatura de outro cartão.”
Essas dicas, ele explica, valem para qualquer momento, independentemente de inadimplência, mas uma vez que a dívida está feita, uma boa alternativa pode ser negociar o valor do débito, de forma que seja possível quitá-lo.
Alguns credores oferecem descontos expressivos para pagamentos à vista, outros possibilitam parcelar a dívida em várias vezes, com juros. Em qualquer um dos casos, é preciso ter atenção ao que cabe no bolso.
“Se você parcela em dez vezes e paga a primeira, já limpa aquela dívida do seu nome. É muito perigoso ficar esperando juntar o dinheiro todo para pagar, sempre surge um imprevisto e você pode acabar postergando ainda mais o pagamento. Só tem que ter cuidado para não deixar de pagar e quebrar o acordo.”
Ramos destaca que quando a pessoa está inadimplente, dificilmente conseguirá um cartão de crédito, ou pegar um empréstimo junto ao banco, ainda que seja uma situação de emergência. Por isso, é importante verificar, de tempos em tempos, se não há nenhuma pendência.
“Todas as agências dos Correios no Brasil tem convênio com a Serasa. Qualquer brasileiro pode ir lá com documento com foto e consultar o próprio nome, ver o score de crédito, as dívidas inscritas, condições de pagamento. A pessoa sai até com o boleto para pagar, se concluir a negociação por lá. Além disso, temos o site e o aplicativo. As condições são as mesmas em qualquer canal.”
A Serasa é um dos órgãos de proteção ao crédito no país, mas as dívidas também podem ser inscritas em outras plataformas, como Boa Vista - SCPC, SPC, Quod, entre outros. Uma dívida que está inscrita em um dos sistemas não necessariamente está inscrita em outro, embora seja muito provável. Assim, é recomendado verificar nas diferentes plataformas.
Além do planejamento financeiro, outras medidas podem ser adotadas para ajudar a limpar o nome.
A educadora financeira Aline Soaper orienta que é importante não fazer novas dívidas até que seja possível organizar as finanças. Encontrar outras fontes de renda é sempre um bom caminho a ser seguido. “Se está endividado é porque o salário já não dá conta dos gastos que tem. E, se não tem de onde tirar para pagar, então é mais inteligente buscar aumentar a renda.”
Para algumas pessoas, se desfazer de algum bem que não utiliza ou precisa, pode ser uma opção. Já pegar um empréstimo para quitar dívidas, por outro lado, não é recomendado, a não ser que seja para algo essencial, como uma questão de saúde.
Pegar empréstimo para pagar cartão ou parcela do carro, por exemplo, não é recomendado, uma vez que as taxas de juros, no momento, estão muito elevadas e há o risco de o consumidor acabar se endividando ainda mais com parcelas futuras, mais o crédito.
“Se for necessário escolher, quite as dívidas mais perigosas primeiro, aquelas que têm algo atrelado à dívida, como financiamento de casa, taxa de condomínio, luz, água. Então essas são as primeiras que devem ser solucionadas. Busque o banco, a empresa, tente negociar, mas só faça uma negociação com uma parcela que consiga pagar.”
Em seguida, a recomendação é passar às dívidas que não implicam em perda de algum bem ou serviço, mas têm juros muito altos, como cartão de crédito e cheque especial. Essas dívidas tendem a crescer ainda mais quando parceladas e, segundo a educadora financeira, nesses casos, pode ser mais interessante tentar juntar o dinheiro para quitar a dívida de uma vez.
“Toda vez que é feito o parcelamento, a negociação, a dívida aumenta. E tem gente que vai se embolando, fazendo dívidas para quitar despesas, que pega até dinheiro com agiota para pagar. O ideal é fazer isso de uma forma que não prejudique ainda mais. Se for preciso, quite as dívidas uma por uma, mesmo que fique com o nome sujo por mais algum tempo. As pessoas tem muito medo disso, mas às vezes é um mal necessário para solucionar o problema maior, que é se organizar para não fazer disso um ciclo contínuo.”
Liste todas as fontes de renda e todos os gastos. Para evitar a inadimplência, a soma das despesas nunca pode ser maior do que os rendimentos. Em um cenário ideal, apenas 50% do orçamento deve ser destinado aos gastos essenciais. Outros 30% podem ser reservados para gastos parcelados, como financiamentos, parcelas de cartão, bem como lazer. E os 20% que sobraram, devem ser guardados, justamente para ter de onde tirar em caso de imprevistos.
Busque os credores e verifique a possibilidade de realizar acordos para efetuar o pagamento. Tente conseguir um prazo de carência, descontos e até mesmo efetuar o parcelamento, se necessário, mas garanta que consiga arcar com as parcelas, sem se endividar novamente.
Caso haja mais de uma dívida em atraso, elenque as prioridades, isto é, quais têm juros mais elevados, ou podem acarretar algum prejuízo no dia-a-dia, como a perda de algum bem ou serviço.
No momento, o crédito tem um custo elevado, em função das altas taxas de juros. Assim, a não ser que seja uma questão inevitável e essencial, como uma emergência ligada à saúde, por exemplo, não é uma opção tão vantajosa.
Se o salário já não é suficiente para arcar com os gastos e o endividamento se torna um problema regular, procure formas de aumentar os rendimentos, seja vendendo bens dos quais não precisa, ou desenvolvendo alguma atividade secundária que renda lucros.
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