A poucos dias das eleições norte-americanas, Brasil e Estados Unidos selaram, na última segunda-feira (19), um acordo que prevê um pacote de medidas de facilitação do comércio e boas práticas regulatórias. Ao passo que o pacto consolida a base para um acordo comercial mais amplo, e pode ser utilizado pelo governo Bolsonaro como argumento para atrair investidores, também abre espaço para diversos questionamentos.
Na terça-feira (20), o Banco de Exportação e Importação dos Estados Unidos (EximBank) e o Ministério da Economia firmaram um memorando de entendimentos que prevê a oferta de até US$ 1 bilhão em crédito do governo norte-americano para financiar projetos no Brasil, inclusive a implantação das redes de internet móvel de quinta geração, o chamado 5G, que é alvo de disputas envolvendo os governos dos EUA e da China.
Segundo o presidente Jair Bolsonaro, as medidas devem reduzir a burocracia e facilitar negócios. Entretanto, alguns detalhes ainda não estão muito claros. Não se sabe, por exemplo, se o acordo abrange outros países do Mercosul.
Além disso, na prática, até então, não reduz as altas tarifas que os EUA têm imposto aos produtos brasileiros, como o aço e o alumínio.
Para o presidente do Sindicato do Comércio de Exportação e Importação do Espírito Santo (Sindiex), Sidemar Acosta, um futuro acordo comercial poderia ser benéfico para os negócios do comércio exterior, mas no caso específico do anúncio feito pelo presidente Bolsonaro com os Estados Unidos, é importante que haja algum detalhamento.
Os Estados Unidos são, atualmente, um dos principais parceiros comerciais do Espírito Santo e, com certeza, acordos podem beneficiar a economia local. O complexo portuário capixaba tem se expandido, com manutenção em berços e canais, e está preparado para novos investimentos e ampliação de operações, declarou.
Para se ter uma ideia, até setembro deste ano, os Estados Unidos ocuparam a primeira colocação nas exportações capixabas, totalizando US$ 1,28 bilhão, correspondendo a 32,7% do total. Já nas importações, o país ocupa a segunda posição atrás apenas da China , com um montante de US$ 534 milhões e 14,4% de participação, de acordo com dados do Sindiex.
Entre os principais produtos exportados para os Estados Unidos estão mármore e granito, celulose e produtos de ferro/aço. Já entre os principais produtos importados do país norte-americano estão aeronaves, carvão mineral e tubos e acessórios de metais.
Ao passo que considera que um acordo comercial com os Estados Unidos poderia beneficiar o país e o Estado, o economista e professor da Fucape Felipe Storch Damasceno acredita que o tópico deve ser discutido mais para frente, pois precisa passar pelo parlamento dos países, e também pelo Mercosul.
Nesse sentido, é esperado que os dois lados defendam os próprios interesses, e cabe ao Brasil montar uma estratégia forte para não sair no prejuízo.
Conforme observou o executivo da Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes) Luis Claudio Montenegro, o importante em acordos bilaterais é definir, por exemplo, o que o país busca, entender o que receberá e que parcerias conseguirá obter.
Para o Espírito Santo, particularmente, que tem forte conexão com o mercado internacional, seria importante ter parcerias para produzir produtos a partir da siderurgia, como linha branca, por exemplo. Temos produção de cafés, frutas, entre outros produtos do agronegócio a que parcerias poderiam agregar muito.
Indústrias de cerâmica, celulose, entre outras cadeias exportadoras também poderiam obter vantagens e agregar mais valor à produção. Também seria possível buscar parcerias para investimentos em infraestrutura logística, inovação e qualificação de mão de obra.
Há uma série de questões que podem ser resolvidas em acordos bilaterais se você sabe o que quer. Acordos são muito importantes, ainda mais para um país e um Estado com forte vocação para exportação como o nosso. A gente exporta muito granel, por exemplo. Podemos tentar reverter a logística do granel para logística de contêiner. O que é importante é que a gente desenvolva melhor essa estratégia.
Os termos do tratado entre o Brasil e os Estados Unidos ainda são nebulosos. Entretanto, a disponibilização de recursos para financiar a implantação das redes de internet móvel de quinta geração, o chamado 5G, pode arrastar o país para uma briga que não lhe compete.
Os EUA alegam que não querem que a companhia chinesa Huawei forneça equipamentos para essa nova tecnologia, porque a China não é confiável e poderia obter informações estratégicas por meio de espionagem.
Ceder à pressão norte-americana, entretanto, pode colocar o Brasil e o Espírito Santo, especificamente em uma situação complicada. A China, afinal, é o principal parceiro comercial brasileiro.
Para o economista Orlando Caliman, a proximidade das eleições norte-americanas, que colocam em xeque, inclusive, a reeleição de Donald Trump, pode ser um entrave para acordos mais amplos, que equilibrem prejuízos na eventualidade de retaliações da China.
"É preciso ter cautela em relação a essa briga entre as duas potências. É muito cedo para se posicionar antecipadamente em relação a um evento que, efetivamente, só vai acontecer no ano que vem, que é o leilão do 5G. Entrar numa briga antecipadamente, colocar-se a favor de um ou de outro, é temerário.
Para Caliman, a discussão que se está se fazendo acerca do 5G no momento é muito mais política que técnica. "É menos sobre a tecnologia e mais sobre o Brasil se colocar ao lado de Trump, no momento das eleições. Isso tem que ficar claro. Não é nem sobre ser um aliado dos Estados Unidos, pois, se fosse, eles não teriam uma alíquota de cerca de 130% para o alumínio brasileiro. Não é atitude de aliado comercial. Ok, vai investir US$ 1 bilhão. Mas o que é US$ 1 bilhão para os Estados Unidos?"
Para a economista e professora da Fucape Arilda Teixeira, o tratado com o Brasil é pouco mais que uma fachada. O país estaria cumprindo o papel de bode expiatório.
"Como os EUA estão vendo que a China ameaça a sua hegemonia, inclusive tecnológica, o acordo com o Brasil é perfeito. É um país emergente e tem parcerias com os dois países. É uma forma indireta de frear a participação da China nas negociações do 5G."
Para a economista, como forma de retaliação, a China pode reduzir ou deixar de importar commodities brasileiras, como o minério de ferro, por exemplo, que vêm, principalmente, do Espírito Santo. A diminuição da exportação, consequentemente, implicaria em diminuição das atividades de mineradoras, poderia resultar em demissões e afetaria os cofres do Estado, que teria perdas de arrecadação.
O economista Felipe Storch Damasceno também vê risco de diminuição no volume de exportação de commodities pelo Estado. Entretanto, não teme, por exemplo, que a China deixe de comprar alimentos. "O país depende muito do agronegócio brasileiro para manter sua segurança alimentar, então, as chances são menores."
Ele alerta, entretanto, que da mesma forma que os Estados Unidos tentam levar o país a adotar a tecnologia americana para o 5G, a China também pode impor sanções que forcem a aceitar um acordo com eles.
Além de abalar as relações com a China, optar pelo 5G americano poderia trazer outras desvantagens ao Brasil: a tecnologia dos EUA é não apenas mais cara, como é considerada menos eficiente que a chinesa, o que pode pesar sobre as empresas de telefonia, e, consequentemente, resultar em aumentos de custos para o consumidor final.
Embora ainda não tenha chegado ao Brasil, a quinta geração da internet começou a ser lançada comercialmente neste ano. Entretanto, o padrão de comunicação para essa nova conexão vem sendo desenvolvido há pelo menos dez anos, conforme explicou o professor Marcelo Segatto, do Laboratório de Telecomunicações da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
"O 3GPP (3rd Generation Partnership Project) organização tecnológica do ramo de telecomunicações vem trabalhando na padronização do 5G antes mesmo do 3G ser comercial. E, durante todo esse tempo, a Huawei acompanhou o processo. Quando você participa de algo assim, é mais fácil desenvolver o produto, no caso, o 5G."
Segatto ressalta que houve uma baixa adesão de empresas americanas ao processo, e isso permitiu que a China, e a Ásia de um modo geral, saíssem na frente. "Os Estados Unidos demoraram a investir. Quando perceberam que estavam ficando para trás, tentaram destruir o que as concorrentes estão fazendo, porque estavam em uma desvantagem de trilhões de dólares. Não é pouca coisa. A Huawei tem condições de oferecer um serviço muito mais eficiente e muito mais barato, porque investiram nisso."
Conforme destacou o especialista em Tecnologia da Informação Gilberto Sudré, o Brasil está atrasado na adoção do 5G. O leilão de frequências deve ocorrer em meados de 2021, e a tecnologia só deve estar efetivamente disponível a partir do segundo semestre do ano que vem, ou em 2022.
"Talvez, até lá os Estados Unidos já tenham avançado mais. Mas, hoje, a Huawei seria a melhor opção. Eles saíram na frente. Têm preço mais competitivo. É importante lembrar que o 5G pode causar interferências no sinal de TV por satélite, e esse custo acaba ficando por conta das operadoras, que precisam buscar formas de contornar esses problemas. Então, há uma elevação de custos por causa disso. Se optar por uma tecnologia mais cara, os preços poderão ser ainda superiores."
O especialista não descarta o risco de espionagem, mas lembrou que mesmo os Estados Unidos já se envolveram em escândalos do tipo. Para ele, resta saber quais os demais benefícios agregados.
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