Antes mesmo de completar 20 anos, Carlos Nataniel Wanzeler, dono da Telexfree, deixou para trás a família e amigos em busca do sonho americano. Menino pobre, começou a vida na América em 1988 como lavador de pratos e faxineiro até se lançar empresário do ramo de telecomunicações.
Agora aos 51 anos, o empreendedor, que perdeu a cidadania brasileira, pode viver o pesadelo da extradição para responder nos Estados Unidos pelos crimes cometidos lá naquele país, onde é acusado de conspiração e fraudes contra o mercado de capitais. Investigado ainda por lavagem de dinheiro e evasão de divisas, Carlos, se deportado, corre risco de passar a vida na prisão.
Wanzeler foi preso nesta quinta-feira (20) pela Polícia Federal, em Búzios, no Rio de Janeiro, onde passeava com familiares. A detenção atende a pedido da Justiça americana para dar seguimento ao processo de deportação.
O empresário tentou evitar esse destino. Mas, nesta semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve a perda de nacionalidade brasileira. Ele já tinha sido preso no Espírito Santo em dezembro de 2019, junto de Carlos Costa, outro sócio da Telexfree, por manter, segundo a Policia Federal, atividades ilícitas.
O negócio que deixou Wanzeler multimilionário, de acordo com as investigações no Brasil e também nos EUA, era apenas fachada para um golpe de proporções mundiais. Foi com dinheiro clandestino, conquistado por meio de pirâmide financeira, que ele e o sócio Carlos Costa financiaram o show do astro Paul McCartney no Espírito Santo, em novembro de 2014.
O evento ocorreu seis meses depois de a empresa deixar de pagar às milhões de vítimas que foram seduzidas pela fase internacional da rede, formada entre agosto de 2013 e abril de 2014 a partir do bloqueio das atividades da companhia no Brasil, decretada pela Justiça do Acre em junho de 2013.
Os problemas de Wanzeler com a Justiça dos EUA começaram em 15 de abril de 2014. Horas antes do FBI invadir a sede da Telexfree em Massachusetts, o capixaba protagonizou uma fuga, na calada da noite, saindo da cidade de Northborough (MA) de carro a caminho do Canadá para embarcar em voo para o Brasil.
As autoridades americanas aguardavam o julgamento do recurso no STF para dar andamento ao pedido de extradição. A fase de questionamento, aliás, foi um dos motivos que fez o Ministério da Justiça do Brasil não atender a solicitação de prisão para deportação feita há alguns anos.
Em 2014, Wanzeler chegou a ser acusado de 9 crimes pelo Ministério Público Federal de Massachusetts, podendo pegar por cada caso até 20 anos de prisão. Há em andamento nos EUA outras investigações, envolvendo lavagem de dinheiro e evasão de divisas, as mesmas que levaram o capixaba Cleber Renê Rizério Rocha ser preso nos Estados Unidos em 2017 com US$ 20 milhões, cerca de US$ 17 milhões escondidos debaixo de um colchão.
A perda da cidadania brasileira por Wanzeler foi baseada no fato de o empresário ter se naturalizado norte-americano em 2009, mesmo tendo o greencard (visto permanente para viver nos EUA).
Em 2019, o mandado de segurança impetrado pela defesa do empresário teve o provimento negado primeiramente pelo ministro Ricardo Lewandowski. Segundo o magistrado, o artigo 12, parágrafo 4º, inciso II, da Constituição Federal, declara a perda de nacionalidade do brasileiro que adquirir outra nacionalidade. A dupla cidadania só é aceita em situações de nacionalidade originária, como é o caso de descendentes de italianos. O empresário recorreu novamente no STF e agora aguarda uma decisão.
Em defesa do argumento do Ministério da Justiça, a Procuradoria-Geral da República alega que Wanzeler jurou renúncia e a recusa de toda lealdade e fidelidade a outro Estado, o que implica desistência à nacionalidade brasileira.
Declaro, sob juramento, que eu absolutamente e inteiramente renuncio e abjuro toda lealdade e fidelidade a qualquer príncipe estrangeiro, potentado, estado ou soberania, de quem ou do qual até agora eu era sujeito ou cidadão; que vou apoiar e defender a Constituição e as leis de Estados Unidos da América contra todas os inimigos, estrangeiros e doméstico; que eu carregarei verdadeira fé e lealdade ao mesmo; que portarei armas em nome dos Estados Unidos quando exigido por lei; que prestarei serviço não combatente nas Forças Armadas dos Estados Unidos quando exigido por lei; que realizarei trabalhos de importância nacional sob direção civil quando exigido por lei; e que eu assumo essa obrigação livremente, sem qualquer empecilho mental ou objetivo de evasão; então me ajude Deus.
Na última terça-feira, por maioria de votos, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou, a decisão de Lewandowski.
Antes de irem ao STF, os advogados de Wanzeler quiseram derrubar a decisão do MJ no Superior Tribunal de Justiça (STJ), alegando que a escolha pela cidadania americana ocorreu para que ele pudesse levar para os EUA a filha Lyvia, garantindo a ela o visto permanente.
Como teve a solicitação negada, ele confirmou ao STJ o medo de ser preso preventivamente para ser extraditado. A preocupação surgiu após a Secretaria de Cooperação Internacional da Procuradoria-Geral da República ter requisitado cópias do procedimento que resultou na decisão administrativa em debate. Por ser uma questão constitucional, o STJ declinou a competência do caso para o STF.
Além de construir o que autoridades norte-americanas chamaram de esquema de pirâmide global, a Telexfree era também uma instituição financeira clandestina, segundo o Ministério Público Federal (MPF).
Enquanto diziam aos seguidores que era necessário vender VoIP (semelhante ao Skype) e levar mais pessoas para a rede para ganhar dinheiro, os chefões manuseavam o banco de dados do esquema e geravam créditos manuais para os escolhidos. Assim, a Telexfree movimentou US$ 5,8 bilhões entre 2012 e 2014, período em que manteve as atividades a pleno vapor.
A emissão de moeda eletrônica ganhou mais força a partir do bloqueio das atividades pela Justiça do Acre, em junho de 2013. No princípio, a brecha no sistema tinha a intenção de corrigir erros de pagamentos, mas os chefões decidiram usar o mecanismo para gerar um dinheiro imaginário.
Na fase internacional da pirâmide, a partir da suspensão no Brasil, os créditos eram transferidos para líderes incluírem pessoas na rede, burlando a determinação judicial.
Wanzeler tinha mais de 30 apartamentos e casas nos Estados Unidos, além de lanchas e carros de luxos, de acordo com a SEC, xerife do mercado de capitais americano. Nos EUA, os bens também foram tomados pela Justiça para o pagamento das vítimas.
Segundo o advogado de Wanzeler, Rafael Lima, o cliente esteva em passeio com a família na cidade fluminense de Búzios quando foi surpreendido com a prisão. O ex-sócio da Telexfree foi levado para a Superintendência da Polícia Federal de Macaé e, de lá, transferido para a unidade de Campos.
Lima afirmou que não teve acesso à decisão do ministro Lewandowski, que decretou a prisão do cliente. A defesa pediu para ter acesso ao pedido, que está em segredo de Justiça. Também já foi demandada a troca da detenção para o Espírito Santo, uma vez que Wanzeler e família residem no Estado. E assim que houver conhecimento do que diz a decisão de , a intenção é requerer a revogação da prisão.
O advogado defende que Wanzeler não pode ser extraditado, pois "responde pelos menos fatos no Brasil" e nos Estados Unidos, e por isso teria que permanecer no país. "A nova lei de imigração nega a extradição em caso de pessoas que respondem processo no Brasil", diz.
De acordo com o Ministério Público Federal, o fato de Wanzeler estar respondendo a crimes no Brasil não é um impedimento absoluto para a extradição. Porém, o pedido precisa indicar crime que não seja competência da Justiça Brasileira. "O que seria um desafio, nesse caso", informou o MPF.
Sobre as acusações dos crimes, a defesa nega o envolvimento de Wanzeler.
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