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Extradição pode fazer dono da Telexfree viver 'pesadelo americano'

Extradição pode fazer dono da Telexfree viver "pesadelo americano"

Menino pobre, Wanzeler começou a vida nos EUA como lavador de pratos até se tornar multimilionário por meio do que as autoridades chamam de pirâmide financeira. Agora ele corre risco de passar a vida na prisão

Publicado em 21 de fevereiro de 2020 às 14:07

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Carlos Wanzeler, ex-sócio da Telexfree, já tinha sido preso pela Polícia Federal no Espírito Santo, em dezembro do ano passado. (Ricardo Medeiros)

Antes mesmo de completar 20 anos, Carlos Nataniel Wanzeler, dono da Telexfree, deixou para trás a família e amigos em busca do sonho americano. Menino pobre, começou a vida na América em 1988 como lavador de pratos e faxineiro até se lançar empresário do ramo de telecomunicações.

Agora aos 51 anos, o empreendedor, que perdeu a cidadania brasileira, pode viver o pesadelo da extradição para responder nos Estados Unidos pelos crimes cometidos lá naquele país, onde é acusado de conspiração e fraudes contra o mercado de capitais. Investigado ainda por lavagem de dinheiro e evasão de divisas, Carlos, se deportado, corre risco de passar a vida na prisão.

Wanzeler foi preso nesta quinta-feira (20) pela Polícia Federal, em Búzios, no Rio de Janeiro, onde passeava com familiares. A detenção atende a pedido da Justiça americana para dar seguimento ao processo de deportação.

O empresário tentou evitar esse destino. Mas, nesta semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve a perda de nacionalidade brasileira. Ele já tinha sido preso no Espírito Santo em dezembro de 2019, junto de Carlos Costa, outro sócio da Telexfree, por manter, segundo a Policia Federal, atividades ilícitas.

O negócio que deixou Wanzeler multimilionário, de acordo com as investigações no Brasil e também nos EUA, era apenas fachada para um golpe de proporções mundiais. Foi com dinheiro clandestino, conquistado por meio de pirâmide financeira, que ele e o sócio Carlos Costa financiaram o show do astro Paul McCartney no Espírito Santo, em novembro de 2014.

O evento ocorreu seis meses depois de a empresa deixar de pagar às milhões de vítimas que foram seduzidas pela fase internacional da rede, formada entre agosto de 2013 e abril de 2014 a partir do bloqueio das atividades da companhia no Brasil, decretada pela Justiça do Acre em junho de 2013.

A FUGA DOS EUA

Os problemas de Wanzeler com a Justiça dos EUA começaram em 15 de abril de 2014. Horas antes do FBI invadir a sede da Telexfree em Massachusetts, o capixaba protagonizou uma fuga, na calada da noite, saindo da cidade de Northborough (MA) de carro a caminho do Canadá para embarcar em voo para o Brasil.

As autoridades americanas aguardavam o julgamento do recurso no STF para dar andamento ao pedido de extradição. A fase de questionamento, aliás, foi um dos motivos que fez o Ministério da Justiça do Brasil não atender a solicitação de prisão para deportação feita há alguns anos.

Em 2014, Wanzeler chegou a ser acusado de 9 crimes pelo Ministério Público Federal de Massachusetts, podendo pegar por cada caso até 20 anos de prisão. Há em andamento nos EUA outras investigações, envolvendo lavagem de dinheiro e evasão de divisas, as mesmas que levaram o capixaba Cleber Renê Rizério Rocha ser preso nos Estados Unidos em 2017 com US$ 20 milhões, cerca de US$ 17 milhões escondidos debaixo de um colchão.

O MOTIVO DA PERDA DA CIDADANIA

A perda da cidadania brasileira por Wanzeler foi baseada no fato de o empresário ter se naturalizado norte-americano em 2009, mesmo tendo o greencard (visto permanente para viver nos EUA).

Em 2019, o mandado de segurança impetrado pela defesa do empresário teve o provimento negado primeiramente pelo ministro Ricardo Lewandowski. Segundo o magistrado, o artigo 12, parágrafo 4º, inciso II, da Constituição Federal, declara a perda de nacionalidade do brasileiro que adquirir outra nacionalidade. A dupla cidadania só é aceita em situações de nacionalidade originária, como é o caso de descendentes de italianos. O empresário recorreu novamente no STF e agora aguarda uma decisão.

Em defesa do argumento do Ministério da Justiça, a Procuradoria-Geral da República alega que Wanzeler jurou renúncia e a recusa de toda lealdade e fidelidade a outro Estado, o que implica desistência à nacionalidade brasileira.

“Declaro, sob juramento, que eu absolutamente e inteiramente renuncio e abjuro toda lealdade e fidelidade a qualquer príncipe estrangeiro, potentado, estado ou soberania, de quem ou do qual até agora eu era sujeito ou cidadão; que vou apoiar e defender a Constituição e as leis de Estados Unidos da América contra todas os inimigos, estrangeiros e doméstico; que eu carregarei verdadeira fé e lealdade ao mesmo; que portarei armas em nome dos Estados Unidos quando exigido por lei; que prestarei serviço não combatente nas Forças Armadas dos Estados Unidos quando exigido por lei; que realizarei trabalhos de importância nacional sob direção civil quando exigido por lei; e que eu assumo essa obrigação livremente, sem qualquer empecilho mental ou objetivo de evasão; então me ajude Deus.”

Na última terça-feira, por maioria de votos, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou, a decisão de Lewandowski.

Antes de irem ao STF, os advogados de Wanzeler quiseram derrubar a decisão do MJ no Superior Tribunal de Justiça (STJ), alegando que a escolha pela cidadania americana ocorreu para que ele pudesse levar para os EUA a filha Lyvia, garantindo a ela o visto permanente.

Como teve a solicitação negada, ele confirmou ao STJ o medo de ser preso preventivamente para ser extraditado. A preocupação surgiu após a Secretaria de Cooperação Internacional da Procuradoria-Geral da República ter requisitado cópias do procedimento que resultou na decisão administrativa em debate. Por ser uma questão constitucional, o STJ declinou a competência do caso para o STF.

SUSPEITO DE VÁRIOS CRIMES

Além de construir o que autoridades norte-americanas chamaram de “esquema de pirâmide global”, a Telexfree era também uma instituição financeira clandestina, segundo o Ministério Público Federal (MPF).

Enquanto diziam aos seguidores que era necessário vender VoIP (semelhante ao Skype) e levar mais pessoas para a rede para ganhar dinheiro, os chefões manuseavam o banco de dados do esquema e geravam créditos manuais para os escolhidos. Assim, a Telexfree movimentou US$ 5,8 bilhões entre 2012 e 2014, período em que manteve as atividades a pleno vapor.

A emissão de moeda eletrônica ganhou mais força a partir do bloqueio das atividades pela Justiça do Acre, em junho de 2013. No princípio, a brecha no sistema tinha a intenção de corrigir erros de pagamentos, mas os chefões decidiram usar o mecanismo para gerar um dinheiro imaginário.

Na fase internacional da pirâmide, a partir da suspensão no Brasil, os créditos eram transferidos para líderes incluírem pessoas na rede, burlando a determinação judicial.

Wanzeler tinha mais de 30 apartamentos e casas nos Estados Unidos, além de lanchas e carros de luxos, de acordo com a SEC, xerife do mercado de capitais americano. Nos EUA, os bens também foram tomados pela Justiça para o pagamento das vítimas.

OUTRO LADO

Segundo o advogado de Wanzeler, Rafael Lima, o cliente esteva em passeio com a família na cidade fluminense de Búzios quando foi surpreendido com a prisão. O ex-sócio da Telexfree foi levado para a Superintendência da Polícia Federal de Macaé e, de lá, transferido para a unidade de Campos.

Lima afirmou que não teve acesso à decisão do ministro Lewandowski, que decretou a prisão do cliente. A defesa pediu para ter acesso ao pedido, que está em segredo de Justiça. Também já foi demandada a troca da detenção para o Espírito Santo, uma vez que Wanzeler e família residem no Estado. E assim que houver conhecimento do que diz a decisão de , a intenção é requerer a revogação da prisão.

O advogado defende que Wanzeler não pode ser extraditado, pois "responde pelos menos fatos no Brasil" e nos Estados Unidos, e por isso teria que permanecer no país. "A nova lei de imigração nega a extradição em caso de pessoas que respondem processo no Brasil", diz.

De acordo com o Ministério Público Federal, o fato de Wanzeler estar respondendo a crimes no Brasil não é um impedimento absoluto para a extradição. Porém, o  pedido precisa indicar crime que não seja competência da Justiça Brasileira. "O que seria um desafio, nesse caso", informou o MPF.

Sobre as acusações dos crimes, a defesa nega o envolvimento de  Wanzeler.

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