Problemas no sistema da Caixa têm provocado um tumulto crescente nos últimos dias no setor financeiro e na internet com uma onda de reclamações e críticas ao banco e também a fintechs. O motivo são as dificuldades nos pagamentos pelo aplicativo Caixa Tem, por onde é possível movimentar a conta social digital em que são pagos o auxílio emergencial de R$ 600, a nova rodada de saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e o benefício de redução de salário (BEm).
As falhas e demora no sistema, aliadas à imposição do governo de que os recursos só podem ser sacados ou transferidos para outro banco semanas após o recebimento, têm levado os trabalhadores a buscarem novas soluções. Uma das principais, para driblar o Caixa Tem, tem sido migrar para fintechs como PicPay e Nubank.
Boa parte das contas digitais de fintechs no país aceitam depósitos de dinheiro em boleto. Como até a data do saque o Caixa Tem só autoriza a realização de compras e pagamento de boletos com o dinheiro, usuários dessas fintechs passaram a gerar boletos em seu próprio nome para pagarem no app da Caixa e, assim, poderem transferir o dinheiro antes da data.
Nos últimos dias, porém, trabalhadores que fizeram essa opção vêm usando a internet para reclamar sobre esses serviços digitais. Eles relataram problemas como o sumiço do dinheiro de suas contas digitais, não efetivação do pagamento de boletos e não realização de saques e transferências dadas como autorizadas.
No Espírito Santo, vários consumidores chegaram a procurar o Procon com queixas quanto a transferências no PicPay, o que motivou até o órgão a notificar a empresa.
De fato, há problemas: um dos principais foi a Caixa ter solicitado a essas fintechs o estorno de valores por ter identificado pagamento de boletos usando o Caixa Tem em duplicidade. Com isso, essas empresas digitais começaram a devolver esses valores para a Caixa.
No entanto, após o início das devoluções do dinheiro, as fintechs perceberam que várias das operações não eram em duplicidade, mas dois boletos de mesmo valor pagos e com os respectivos comprovantes. Em vez de pagar um único boleto de R$ 600, por exemplo, os clientes estavam pagando dois de R$ 300. Os estornos à Caixa foram interrompidos após o diagnóstico do problema.
Outro problema que já vinha sendo relatado era o de que o dinheiro transferido do Caixa Tem sumia do app mas não aparecia nas contas das fintechs. Nesta semana, consumidores disseram ainda que ao solicitarem nas contas digitais das fintechs para transferir o dinheiro para o seu banco e fazer o saque, o recurso saía, a transação era aprovada, mas os valores não caiam na conta de destino.
Diante de todo esse alvoroço é importante frisar: apesar das falhas, o dinheiro não sumiu, como afirmaram usuários, nem houve, a princípio, irregularidade cometida contra o consumidor por esses aplicativos. Nesses casos, o valor será estornado na conta ou basta aguardar mais um pouco para ter a transação concluída.
O problema evidenciado com isso é que muitos consumidores desconhecem como opera o mercado financeiro, que tem prazos para concretizar muitas operações bancárias e regras específicas.
Basta ver a questão da duplicidade dos pagamentos identificada pela Caixa: como método antifraude, os bancos não autorizam transações iguais, feitas quase que simultaneamente, com o mesmo valor e para o mesmo destino.
Logo, pagar dois boletos de R$ 300 com destino para sua conta numa fintech em um curto espaço de tempo é tão desaconselhável como passar o cartão de crédito duas vezes na mesma hora para pagar a mesma compra, uma vez que uma das transações não será autorizada ou acabará tendo o valor estornado. A lógica é a mesma.
Tá certo que isso pode não ser do conhecimento de todos os usuários de bancos, mas outros problemas levantados pelos consumidores são ainda mais simples: a transferência de dinheiro de um banco ou fintech para outra, por exemplo, não é uma operação automática.
Primeiro, o valor é descontado da conta de origem, depois ele fica numa fila aguardando para ser processado e liquidado, e só depois entra como crédito na conta de destino. Isso pode demorar até 48h, como é o caso do PicPay, por exemplo. O dinheiro some, mas reaparece. E se não for creditado na outra conta, será estornado.
No caso da não compensação dos boletos com finalidade de depósito, outra queixa realizada, também falta compreensão do prazo. Segundo as fintechs, não é que as operações não ocorreram. É que isso pode demorar até três dias para ser compensado e virar saldo na conta do usuário.
Toda essa incompreensão seria provocada, na avaliação do economista Eduardo Araújo, pela bancarização forçada por causa do auxílio sendo muitos desses trabalhadores obrigados a terem uma conta em banco pela primeira vez na vida , e pela falta de educação financeira existente no Brasil, que também acaba provocando um desconhecimento de como funciona o sistema financeiro.
"Isso revela um grande desconhecimento das regras do jogo e de como funciona o sistema de pagamentos. É um sinal da falta de educação financeira no país, que faz com que milhões ainda sejam desbancarizados ou, mesmo que tenham conta em banco, não sabem como funciona, como lidar, como ter uma conta básica sem tarifa ou anuidade, por exemplo. Então é um desconhecimento que pode impactar nas finanças pessoais e que pode fazer a pessoa mais suscetível a cair em golpes", disse.
O PicPay informou que mais de 2,9 milhões de usuários concluíram a transferência do auxílio emergencial para o app com sucesso e que, por instabilidade do sistema do Caixa Tem, um pequeno percentual das transações entre o aplicativos e o PicPay não é concluído. "Nesses casos, o usuário deve fazer nova tentativa. Se a Caixa tiver debitado o valor utilizado para a transferência, o estorno deverá ser realizado pelo próprio banco", afirmou.
O Nubank comunicou em suas redes sociais que atendeu ao pedido da Caixa, mas que ao perceber as críticas dos clientes, suspendeu os estornos, devolveu os valores e aguarda explicações do banco.
Acionada pela reportagem, a Caixa porém nega problemas. Segundo o banco, "acerca de relatos de intercorrências em pagamentos e transferências do Caixa Tem para fintechs, não foram identificadas falhas nos sistemas internos do banco".
A estatal disse que, apenas nesta quarta-feira (8), já foram realizados com sucesso mais de 1,6 milhão de transações com o cartão de débito virtual, e processados cerca de 6 milhões de boletos sem nenhum incidente no sistema de cobrança da Caixa.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta