Documentos obtidos pelas autoridades durante a operação que levou à interdição de uma fábrica de fios elétricos irregulares na Serra, nesta terça-feira (10), mostram que a empresa vendeu o produto fora das normas de segurança para hospitais, igrejas, escolas, construtoras e diversas lojas de material de construção, que revenderam a mercadoria para um grande número de consumidores finais.
Com isso, ainda não se tem dimensão do número de pessoas cuja vida pode ter sido colocada em risco. O material foi comercializado em pelo menos dez Estados, inclusive no Espírito Santo, segundo apontou a Polícia Civil.
Segundo informações divulgadas na tarde desta terça pelo delegado Eduardo Passamani, titular da Delegacia Especializada de Defesa do Consumidor, e pelo deputado estadual Vandinho Leite, presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da Assembleia Legislativa, a lista de compradores é extensa e a análise completa demandará ainda algum tempo.
As instituições estão à frente da Operação Elétron, em conjunto com o Instituto de Pesos e Medidas do Espírito Santo (Ipem), que divulgou um laudo apontando que as amostras apreendidas indicam que os fios, de marca Luzzano, são capazes de causar o superaquecimento da rede de energia, curto circuitos e até mesmo incêndios.
A fabricante não teve o nome divulgado pelas autoridades. Entretanto, em pesquisa à internet, foi possível constatar que a empresa, que fica situada em Boa Vista II, na Serra, tem o mesmo nome. A reportagem tentou contato com a fábrica na tarde desta terça (10), mas não teve retorno.
Segundo relatório do Ipem, “o material não está de acordo com os requisitos da avaliação de conformidade aprovados pela Portaria Inmetro nº 640, de 2012”. A legislação estabelece, entre outros pontos, normas sobre a tensão de cada tipo de fio. “Os valores das resistências encontrados são superiores aos máximos permitidos pelos requisitos da avaliação da conformidade em todas as amostras.”
Ainda segundo o laudo, resistências superiores aos máximos permitidos comprometem a segurança do usuário, uma vez que o fio tem a bitola (espessura) menor, levando a uma instalação que não condiz com as necessidades de equipamentos e tomadas, podendo causar o superaquecimento da rede de energia, curto circuitos e até mesmo incêndios. Além disso, aumentam significativamente o consumo de energia elétrica.
“Vale salientar que essas irregularidades também conferem ao fabricante significativa vantagem econômica, visto que a matéria-prima é o produto mais caro do processo de produção de cabos flexíveis, e a resistência superior garante que temos menos matéria-prima nos cabos”, diz o laudo.
Isto é, da forma como os fios foram fabricados, a empresa gasta menos para produzir. As autoridades, inclusive, vão investigar se os produtos foram comercializados abaixo de preço de mercado, o que pode ajudar a decifrar se as empresas e órgãos compradores tinham ciência ou, pelo menos, suspeitavam de que o material era irregular e poderia apresentar algum risco.
As investigações levaram à prisão de um empresário que mora na Praia do Canto, em Vitória. O suspeito não teve a identidade revelada, contudo, segundo a Polícia Civil, já esteve preso em 2019 pelo mesmo crime. A prisão, naquela época, foi feita em flagrante, cabendo fiança, que foi arbitrada em R$ 100 mil.
Embora tenha feito o pagamento, e estivesse respondendo em liberdade pela infração anterior, o responsável pela fábrica voltou a infringir a mesma norma, o que levou a Justiça a determinar a quebra da fiança, e expedir um mandado de prisão preventiva para que permaneça detido enquanto responde ao processo. Não cabe nova fiança.
O empresário está sendo investigado por crime contra relação de consumo, previsto no artigo 7 da Lei 8137/90, com pena de 2 a 5 anos, podendo incorrer em outros crimes com o avançar das investigações.
"Vamos continuar a investigação para saber se outras pessoas estavam envolvidas nessa fraude, e se as empresas que estão revendendo tinham conhecimento de que essa fiação era irregular, porque podem ter adquirido esse produto com valor muito abaixo do preço de mercado, tendo consciência ou pelo menos a suspeita de que esses fios poderiam ter algum tipo de problema”, explicou o delegado Eduardo Passamani.
Segundo o delegado, durante interdição à fábrica, funcionários chegaram a narrar que foram procurados por consumidores de diversos locais, reclamando que a fiação derreteu e pegou fogo.
“Não conseguiremos, a curto prazo, identificar todos que compraram. Foram vendidos em lojas de material de construção, por exemplo. Não vamos conseguir, rapidamente, identificar quantos consumidores compraram. É uma lista extensa, com empresas no país inteiro”, comentou o delegado explicando que, em território capixaba, a venda foi feita não apenas na Grande Vitória, mas também em outros municípios.
O deputado Vandinho Leite explicou que consumidores que tenham adquirido o produto podem procurar o Procon, inclusive a unidade situada na Assembleia Legislativa, que é vinculada à Comissão de Defesa do Consumidor, para que possam tentar pleitear uma reparação pelos produtos comprados de forma errada.
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