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Fundador do Picpay, Diogo Roberte deixa app para ser investidor

Fundador do Picpay, Diogo Roberte deixa app para ser investidor

Um dos idealizadores da aplicativo de pagamentos capixaba, ele espera atuar como apoiador daqueles que estão entrando agora no universo das startups

Publicado em 24 de agosto de 2020 às 20:16

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Diogo Roberte, fundador do Picpay, deixa empresa após nove anos
Diogo Roberte, fundador do Picpay, deixa empresa após nove anos. (Paulo Vitale/Picpay/Acervo pessoal)

“Posso pagar com Picpay?” A pergunta – que hoje está na língua dos consumidores capixabas – há uns sete anos causava certa estranheza no mercado. Mas, o meio de pagamento, criado em 2012 em Vitória, foi se popularizando, ganhando como adeptos pessoas interessadas apenas em mandar dinheiro para amigos sem burocracia e de forma gratuita.

Um dos idealizadores da empresa, Diogo Roberte, de 39 anos, está deixando a sociedade, vendendo todas as suas ações no negócio. A empresa, que tem o Banco Original como sócio, vai continuar também com os outros dois fundadores, Anderson Chamon e Dárcio Stehling, na sociedade.

A saída de Roberte, que surpreendeu o mercado, tem relação, segundo ele, com seu desejo de traçar novos planos. De começar alguns projetos, como gosta de dizer, do “-2”, algo mais desafiador do que iniciar do “zero”.

O plano dele é atuar como investidor. E não apenas isso. Espera agir como apoiador daqueles que estão entrando agora no universo das startups.

O fim do ciclo de Diogo no Picpay era para ter ocorrido antes, em fevereiro deste ano, após a empresa ter começado a se consolidar em outros mercados fora do Estado. Mas a pandemia acelerou a tendência de pagamentos digitais, o que o levou a ficar mais tempo no negócio.

Com o novo coronavírus, muita gente deixou o dinheiro em papel de lado e mesmo o cartão de crédito físico para usar a carteira digital, movimentada apenas pelo celular.

Basta mirar a câmera do aparelho para um QR Code e pronto. Pagamento é feito sem qualquer contato virtual. E essa facilidade fez com que a startup capixaba atingisse neste ano 30 milhões de clientes, quase o dobro do que tinha no ano passado.

As transferências instantâneas e gratuitas também se ampliaram, principalmente com os aumentos das vendas por canais digitais.

Nascido em Belém do Pará, Roberte veio morar no Espírito Santo aos 6 anos e se considera um capixaba de coração.

Desde a expansão do Picpay, o empresário vive em São Paulo, sem esquecer, no entanto, os laços que tem aqui. “A moqueca com certeza é a capixaba”, brinca ao explicar que não abandonará sua quase terra natal. “Tenho projetos para o Espírito Santo. Vou devolver um pouco o que o Estado me proporcionou.”

CONFIRA A ENTREVISTA

Como foi a decisão de sair do Picpay?

Meu processo de saída foi tranquilo, bem pensado e alinhado com os acionistas. Levou em consideração o que projeto para o futuro. Os outros fundadores, o Dárcio e o Anderson, seguem como acionistas da empresa.

Mas quando decidiu sair?

Tomei a decisão há um ano e meio. Na época, comuniquei meus sócios, mas eles pediram para que eu não saísse, era uma fase de desafios importantes. Estávamos dobrando o time, crescendo em ritmo acelerado e fazendo uma série de mudanças. Era preciso foco e energia nesse crescimento e eles precisavam de mim. Em fevereiro, trouxe o assunto de volta à mesa, onde decidimos, junto com os outros acionistas, que seria o momento oportuno para minha saída. O Picpay estava robusto, com quase 2 mil funcionários. Já estava tudo certo para comunicarmos ao mercado, quando veio a pandemia. Nesse momento, me pediram para ficar mais um pouco até que a situação estivesse mais equalizada.

Este era o momento de sair?

Numa empresa de grande crescimento e conquistas, nunca existe um momento perfeito. Pude perceber, com as inúmeras mensagens de carinho que recebi do time ao comunicar a minha saída, que consegui deixar um legado importante para a cultura do Picpay.

A empresa cresceu muito nos últimos meses...

Sem dúvida: um marco no setor financeiro. Ajudamos de forma relevante na democratização do sistema financeiro, simplificando a maneira como o brasileiro lida com o dinheiro e faz seus pagamentos. Inauguramos uma nova arena competitiva e nos firmamos como líderes em pagamentos por QR Code no país, sendo essa, inclusive, a forma mais usada no Brasil, estando à frente de outros meios, como o NFC (sigla para Near Field Communication), sistema de pagamento por aproximação. Temos alguns marcos como a inserção de pagamentos por QR Code nas máquinas da Cielo, da Rede, GetNet… Hoje, quase 90% dos estabelecimentos do país aceitam Picpay.

Estou saindo muito feliz, de ter ajudado a trazer o Picpay até aqui: hoje, são 30 milhões de usuários e quase 5 milhões de estabelecimentos que aceitam o verdinho. Essa é uma construção de todos que fazem parte do time. E tem inovações saindo do forno o tempo todo. Uma das últimas parcerias que eu firmei para a empresa foi com o Metrô do Rio, que passará a aceitar Picpay. A pessoa vai poder usar QR Code para pagar a passagem na cancela, sem a necessidade de comprar cartão.

Diogo Roberte, fundador do Picpay, deixa empresa após nove anos
Diogo Roberte, fundador do Picpay, deixa empresa após nove anos. (Paulo Vitale/Picpay/Acervo Pessoal)

Mas por que sair do Picpay?

Sou movido por novos desafios. Sempre digo que projetos que começam do zero são legais, mas o que eu gosto mesmo é de começar do -2, porque isso me permite imaginar, criar, participar de projetos que vão moldar o futuro. Estou muito animado com a perspectiva de começar novamente, mas agora com a experiência de quem já chegou lá.

Você sai totalmente do negócio, vendendo todas as ações?

Sim, vendi todas as ações.

E o que você vai fazer?

Estou colaborando com a Norte Capital, fundo de investimento formado por fundadores de startups e analisando outros projetos.

E são projetos de quê?

Além da Norte Capital, investi na Mora Rocks, que oferece moradia sem burocracia, na Clarke, que otimiza o sistema de energia e a Capsu, que redesenha o sistema de casa do futuro, sendo sustentável, tecnológica e com sistema plug and play [sistema que reconhece automaticamente dispositivos a serem instalados em computadores].

Quando o Picpay surgiu, qual era a ideia de vocês?

As pessoas tinham uma relação muito fragmentada com o dinheiro. Tinha que ir ao banco sacar para pagar uma pessoa, por exemplo. Pensamos em fazer algo que pudesse evitar que a pessoa gastasse seu tempo fazendo isso. A ideia é que ela pudesse fazer, principalmente, transferência de pequenos valores de uma forma muito mais simples e rápida. Claro que as pessoas podiam fazer TED e DOC, mas era muito caro, principalmente para micropagamento. Então, criamos esse modelo de transferência instantânea e fomos mostrando às pessoas, com o tempo, como isso era prático.

Agora na pandemia, por exemplo, ficou muito claro para todo mundo como o Picpay facilita a vida das pessoas. O sistema de doações é um exemplo. Em vez de distribuir cestas básicas, gastar com combustível e com toda uma logística de distribuição para levar uma cesta com feijão e arroz, que muitas vezes a pessoa já tem, com o Picpay disponibilizamos o dinheiro, permitindo que a pessoa gaste com o que seja realmente necessário para ela, como o gás para fazer a comida. Além de atender necessidades mais específicas, com o Picpay foi possível fazer com que qualquer mãe da favela participante do programa da Cufa recebesse o dinheiro em até 4 horas após criar a sua conta.

Qual outro sistema o Picpay ajudou a mudar?

Em Vitória, no sistema rotativo a pessoa saía do carro, depositava a moeda ou comprava um cartão. Às vezes, estava em um médico e precisava voltar para pagar novamente. Depois do Picpay, não é preciso voltar, basta ampliar o tempo pelo aplicativo. 

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Acredito que conseguimos ajudar na produtividade do capixaba, já que as pessoas ganharam mais tempo por causa do app.

Diogo Roberte
Fundador do Picpay
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Fui numa favela, no Rio, com o objetivo de entender o potencial e o ecossistema da comunidade. Passei por uns 18 fuzis logo de cara. Fiquei chocado e impactado. Só tinha visto isso em filme. Era uma cena distante da minha realidade e foi bem assustador. E lá, naquele lugar, outra cena me chamou a atenção. Passei em frente a uma casa lotérica e vi entre 30 a 40 pessoas numa fila, no sol quente, esperando para pagar boletos. Com o Picpay, isso não leva nem 20 segundos, pelo celular, sem sair de casa ou do trabalho. O aplicativo pode ajudar na prática a vida dos brasileiros. O tempo permite que as pessoas tenham mais oportunidades. Pessoas não nascem mais inteligentes na Praia do Canto que no Morro dos Macacos. A diferença está na oportunidade que elas têm. Como diz o meu amigo Celso Athayde, fundador da Cufa: "Favela não é carência. É potência."

Qual a importância do ES para o Picpay?

O Picpay ajudou a mudar a matriz de negócios do Estado. Antes, a matriz capixaba era focada no café, no mármore, no petróleo e gás, no minério. Isso foi muito importante. Temos a Wine, depois a Shipp, Zaith, Packk, Raiz Capixaba, Mutual Life, dentre outras. Nesse momento, muitas estão sendo criadas. Só no campus de Vitória, o Picpay tem cerca de 700 funcionários, que estão conectados com a maneira de trabalhar de uma empresa tech, que têm ajudado a construir e acompanhado de perto nossos desafios, derrotas e vitórias. Se essas pessoas vão ficar lá para sempre? Não. Muitas delas sairão para abrir suas próprias startups. Porém, com uma experiência muito maior da que tinham em 2012, quando criamos o Picpay. E isso é fantástico. Imagina o Espírito Santo com centenas de empresas como Picpay, Wine e Zaith?

A empresa deve manter as raízes em território capixaba?

Acredito que a empresa deve manter suas raízes no Espírito Santo. Inauguramos o novo Campus Vitória um pouco antes do início da pandemia. Um espaço que não deixa nada a desejar para qualquer sede do Google no mundo.

Além disso, mais de 75% da população adulta da Grande Vitória tem Picpay. Os capixabas estão abertos à tecnologia e à inovação e eles acabam ajudando o Picpay a entender e testar estratégias aqui antes de aplicar no restante do Brasil. 

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Os maiores empresários brasileiros, em 2019, visitaram em massa a China. Para entender como funcionava esse ecossistema sem dinheiro de papel e com QR Code. Poderiam ter economizado e visitado Vitória. Aqui, temos o vendedor de balas no sinal, escolas, restaurantes, feirantes e prefeituras aceitando Picpay.

Diogo Roberte
Fundador do Picpay
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O que mudou para o Picpay após a entrada do Banco Original como sócio?

Na época (18 de agosto de 2015), a aquisição foi assinada pelo Henrique Meirelles. A gente tinha um sonho de fazer com que o Picpay fosse muito grande. E, para isso, um banco digital (que ainda seria lançado) sem agências e com muita tecnologia seria  muito complementar à estratégia do Picpay. Fazia muito sentido essa união, que ajudou a trazer governança e robustez para a nossa administração.

Projeto de casa do futuro da Capsu, um dos novos projetos do fundador do Picpay
Projeto de casa do futuro da Capsu, um dos novos projetos do fundador do Picpay. (Capsu/Divulgação)

Mas vocês tiveram medo dessa associação tirar um pouco da essência do Picpay?

Sim, a gente tinha medo disso afetar a nossa cultura. No entanto, era a nossa filosofia que os atraía e  desde o início nos foi dada toda liberdade para desenvolver em conjunto com o Picpay.

Isso pode atrapalhar o Picpay a se transformar em um banco?

As empresas têm administração e gestão diferentes. São arenas próprias. E o Picpay não quer ser um banco. Ele quer ajudar as pessoas a pagarem o rotativo mais rápido, a fazer feira e compras com mais facilidade. O foco não está dentro de uma caixa de banco digital. Nossa ideia, em 2012, foi liderar uma revolução no sistema financeiro, permitir pagamentos mais simples e rápidos, com menos burocracia e menor custo.

Bom, eu ia lhe perguntar sobre o PIX. É um concorrente do Picpay?

Não é um concorrente. O Picpay, inclusive, estará integrado a ele. O PIX é uma iniciativa do Banco Central de grande importância, que vai facilitar as transferências por deixá-las instantâneas, quando a estrutura do sistema bancário brasileiro não permitia isso.

Mas e o sistema de pagamento do WhatsApp?

Existem diferenças. O WhatsApp vai permitir transferências entre usuários. Um produto global e que tem velocidade e capacidade de adaptação muito diferente do Picpay. Como exemplo, o WhatsApp não desenvolveria uma solução de pagamento para o rotativo de Vitória ou faria uma parceria com a prefeitura para pagamento do IPTU. Com isso, nesse momento, podemos afirmar que a proposta do Picpay é mais ampla, de fazer transferência, pagar boleto, ajudar no e-commerce. Isso faz com que o Picpay se mantenha líder no setor.

O auxílio emergencial ajudou o Picpay a crescer muito nos últimos meses. Mas também foi uma pedra no sapato. Foram várias reclamações com movimento no Twitter #Picpaydevolvameudinheiro. O que aconteceu?

O Picpay estava preparado para ajudar as pessoas que precisavam resgatar o auxílio. Sobre as reclamações, o problema foi causado por uma instabilidade no Caixa Tem, aplicativo da Caixa. Informamos para o usuário que o dinheiro voltaria automaticamente para a conta da Caixa em até 7 dias úteis, de acordo com o sistema do banco. Também temos orientado aos clientes que tentem realizar a operação novamente ou, caso o débito já tenha ocorrido, aguardem a Caixa realizar o estorno do valor. Desde o início da distribuição do auxílio, mais de 2,9 milhões de usuários concluíram a transferência do benefício para o Picpay com sucesso.

Você está saindo milionário do Picpay?

Não parei para pensar nisso ainda. O dinheiro nunca foi a coisa mais importante da minha vida. Estou feliz com os movimentos profissionais que fiz nos últimos anos e essa é a minha maior alegria. Saio rico emocionalmente, em satisfação e em conhecimento.

Vai continuar morando em São Paulo ou vai voltar para cá?

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Vou continuar em São Paulo, mas estou fazendo alguns investimentos no ES. É uma forma de devolver para o Espírito Santo uma parte do que ele me proporcionou.

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