Posso pagar com Picpay? A pergunta que hoje está na língua dos consumidores capixabas há uns sete anos causava certa estranheza no mercado. Mas, o meio de pagamento, criado em 2012 em Vitória, foi se popularizando, ganhando como adeptos pessoas interessadas apenas em mandar dinheiro para amigos sem burocracia e de forma gratuita.
Um dos idealizadores da empresa, Diogo Roberte, de 39 anos, está deixando a sociedade, vendendo todas as suas ações no negócio. A empresa, que tem o Banco Original como sócio, vai continuar também com os outros dois fundadores, Anderson Chamon e Dárcio Stehling, na sociedade.
A saída de Roberte, que surpreendeu o mercado, tem relação, segundo ele, com seu desejo de traçar novos planos. De começar alguns projetos, como gosta de dizer, do -2, algo mais desafiador do que iniciar do zero.
O plano dele é atuar como investidor. E não apenas isso. Espera agir como apoiador daqueles que estão entrando agora no universo das startups.
O fim do ciclo de Diogo no Picpay era para ter ocorrido antes, em fevereiro deste ano, após a empresa ter começado a se consolidar em outros mercados fora do Estado. Mas a pandemia acelerou a tendência de pagamentos digitais, o que o levou a ficar mais tempo no negócio.
Com o novo coronavírus, muita gente deixou o dinheiro em papel de lado e mesmo o cartão de crédito físico para usar a carteira digital, movimentada apenas pelo celular.
Basta mirar a câmera do aparelho para um QR Code e pronto. Pagamento é feito sem qualquer contato virtual. E essa facilidade fez com que a startup capixaba atingisse neste ano 30 milhões de clientes, quase o dobro do que tinha no ano passado.
As transferências instantâneas e gratuitas também se ampliaram, principalmente com os aumentos das vendas por canais digitais.
Nascido em Belém do Pará, Roberte veio morar no Espírito Santo aos 6 anos e se considera um capixaba de coração.
Desde a expansão do Picpay, o empresário vive em São Paulo, sem esquecer, no entanto, os laços que tem aqui. A moqueca com certeza é a capixaba, brinca ao explicar que não abandonará sua quase terra natal. Tenho projetos para o Espírito Santo. Vou devolver um pouco o que o Estado me proporcionou.
Meu processo de saída foi tranquilo, bem pensado e alinhado com os acionistas. Levou em consideração o que projeto para o futuro. Os outros fundadores, o Dárcio e o Anderson, seguem como acionistas da empresa.
Tomei a decisão há um ano e meio. Na época, comuniquei meus sócios, mas eles pediram para que eu não saísse, era uma fase de desafios importantes. Estávamos dobrando o time, crescendo em ritmo acelerado e fazendo uma série de mudanças. Era preciso foco e energia nesse crescimento e eles precisavam de mim. Em fevereiro, trouxe o assunto de volta à mesa, onde decidimos, junto com os outros acionistas, que seria o momento oportuno para minha saída. O Picpay estava robusto, com quase 2 mil funcionários. Já estava tudo certo para comunicarmos ao mercado, quando veio a pandemia. Nesse momento, me pediram para ficar mais um pouco até que a situação estivesse mais equalizada.
Numa empresa de grande crescimento e conquistas, nunca existe um momento perfeito. Pude perceber, com as inúmeras mensagens de carinho que recebi do time ao comunicar a minha saída, que consegui deixar um legado importante para a cultura do Picpay.
Sem dúvida: um marco no setor financeiro. Ajudamos de forma relevante na democratização do sistema financeiro, simplificando a maneira como o brasileiro lida com o dinheiro e faz seus pagamentos. Inauguramos uma nova arena competitiva e nos firmamos como líderes em pagamentos por QR Code no país, sendo essa, inclusive, a forma mais usada no Brasil, estando à frente de outros meios, como o NFC (sigla para Near Field Communication), sistema de pagamento por aproximação. Temos alguns marcos como a inserção de pagamentos por QR Code nas máquinas da Cielo, da Rede, GetNet Hoje, quase 90% dos estabelecimentos do país aceitam Picpay.
Estou saindo muito feliz, de ter ajudado a trazer o Picpay até aqui: hoje, são 30 milhões de usuários e quase 5 milhões de estabelecimentos que aceitam o verdinho. Essa é uma construção de todos que fazem parte do time. E tem inovações saindo do forno o tempo todo. Uma das últimas parcerias que eu firmei para a empresa foi com o Metrô do Rio, que passará a aceitar Picpay. A pessoa vai poder usar QR Code para pagar a passagem na cancela, sem a necessidade de comprar cartão.
Sou movido por novos desafios. Sempre digo que projetos que começam do zero são legais, mas o que eu gosto mesmo é de começar do -2, porque isso me permite imaginar, criar, participar de projetos que vão moldar o futuro. Estou muito animado com a perspectiva de começar novamente, mas agora com a experiência de quem já chegou lá.
Sim, vendi todas as ações.
Estou colaborando com a Norte Capital, fundo de investimento formado por fundadores de startups e analisando outros projetos.
Além da Norte Capital, investi na Mora Rocks, que oferece moradia sem burocracia, na Clarke, que otimiza o sistema de energia e a Capsu, que redesenha o sistema de casa do futuro, sendo sustentável, tecnológica e com sistema plug and play [sistema que reconhece automaticamente dispositivos a serem instalados em computadores].
As pessoas tinham uma relação muito fragmentada com o dinheiro. Tinha que ir ao banco sacar para pagar uma pessoa, por exemplo. Pensamos em fazer algo que pudesse evitar que a pessoa gastasse seu tempo fazendo isso. A ideia é que ela pudesse fazer, principalmente, transferência de pequenos valores de uma forma muito mais simples e rápida. Claro que as pessoas podiam fazer TED e DOC, mas era muito caro, principalmente para micropagamento. Então, criamos esse modelo de transferência instantânea e fomos mostrando às pessoas, com o tempo, como isso era prático.
Agora na pandemia, por exemplo, ficou muito claro para todo mundo como o Picpay facilita a vida das pessoas. O sistema de doações é um exemplo. Em vez de distribuir cestas básicas, gastar com combustível e com toda uma logística de distribuição para levar uma cesta com feijão e arroz, que muitas vezes a pessoa já tem, com o Picpay disponibilizamos o dinheiro, permitindo que a pessoa gaste com o que seja realmente necessário para ela, como o gás para fazer a comida. Além de atender necessidades mais específicas, com o Picpay foi possível fazer com que qualquer mãe da favela participante do programa da Cufa recebesse o dinheiro em até 4 horas após criar a sua conta.
Em Vitória, no sistema rotativo a pessoa saía do carro, depositava a moeda ou comprava um cartão. Às vezes, estava em um médico e precisava voltar para pagar novamente. Depois do Picpay, não é preciso voltar, basta ampliar o tempo pelo aplicativo.
Fui numa favela, no Rio, com o objetivo de entender o potencial e o ecossistema da comunidade. Passei por uns 18 fuzis logo de cara. Fiquei chocado e impactado. Só tinha visto isso em filme. Era uma cena distante da minha realidade e foi bem assustador. E lá, naquele lugar, outra cena me chamou a atenção. Passei em frente a uma casa lotérica e vi entre 30 a 40 pessoas numa fila, no sol quente, esperando para pagar boletos. Com o Picpay, isso não leva nem 20 segundos, pelo celular, sem sair de casa ou do trabalho. O aplicativo pode ajudar na prática a vida dos brasileiros. O tempo permite que as pessoas tenham mais oportunidades. Pessoas não nascem mais inteligentes na Praia do Canto que no Morro dos Macacos. A diferença está na oportunidade que elas têm. Como diz o meu amigo Celso Athayde, fundador da Cufa: "Favela não é carência. É potência."
O Picpay ajudou a mudar a matriz de negócios do Estado. Antes, a matriz capixaba era focada no café, no mármore, no petróleo e gás, no minério. Isso foi muito importante. Temos a Wine, depois a Shipp, Zaith, Packk, Raiz Capixaba, Mutual Life, dentre outras. Nesse momento, muitas estão sendo criadas. Só no campus de Vitória, o Picpay tem cerca de 700 funcionários, que estão conectados com a maneira de trabalhar de uma empresa tech, que têm ajudado a construir e acompanhado de perto nossos desafios, derrotas e vitórias. Se essas pessoas vão ficar lá para sempre? Não. Muitas delas sairão para abrir suas próprias startups. Porém, com uma experiência muito maior da que tinham em 2012, quando criamos o Picpay. E isso é fantástico. Imagina o Espírito Santo com centenas de empresas como Picpay, Wine e Zaith?
Acredito que a empresa deve manter suas raízes no Espírito Santo. Inauguramos o novo Campus Vitória um pouco antes do início da pandemia. Um espaço que não deixa nada a desejar para qualquer sede do Google no mundo.
Além disso, mais de 75% da população adulta da Grande Vitória tem Picpay. Os capixabas estão abertos à tecnologia e à inovação e eles acabam ajudando o Picpay a entender e testar estratégias aqui antes de aplicar no restante do Brasil.
Na época (18 de agosto de 2015), a aquisição foi assinada pelo Henrique Meirelles. A gente tinha um sonho de fazer com que o Picpay fosse muito grande. E, para isso, um banco digital (que ainda seria lançado) sem agências e com muita tecnologia seria muito complementar à estratégia do Picpay. Fazia muito sentido essa união, que ajudou a trazer governança e robustez para a nossa administração.
Sim, a gente tinha medo disso afetar a nossa cultura. No entanto, era a nossa filosofia que os atraía e desde o início nos foi dada toda liberdade para desenvolver em conjunto com o Picpay.
As empresas têm administração e gestão diferentes. São arenas próprias. E o Picpay não quer ser um banco. Ele quer ajudar as pessoas a pagarem o rotativo mais rápido, a fazer feira e compras com mais facilidade. O foco não está dentro de uma caixa de banco digital. Nossa ideia, em 2012, foi liderar uma revolução no sistema financeiro, permitir pagamentos mais simples e rápidos, com menos burocracia e menor custo.
Não é um concorrente. O Picpay, inclusive, estará integrado a ele. O PIX é uma iniciativa do Banco Central de grande importância, que vai facilitar as transferências por deixá-las instantâneas, quando a estrutura do sistema bancário brasileiro não permitia isso.
Existem diferenças. O WhatsApp vai permitir transferências entre usuários. Um produto global e que tem velocidade e capacidade de adaptação muito diferente do Picpay. Como exemplo, o WhatsApp não desenvolveria uma solução de pagamento para o rotativo de Vitória ou faria uma parceria com a prefeitura para pagamento do IPTU. Com isso, nesse momento, podemos afirmar que a proposta do Picpay é mais ampla, de fazer transferência, pagar boleto, ajudar no e-commerce. Isso faz com que o Picpay se mantenha líder no setor.
O Picpay estava preparado para ajudar as pessoas que precisavam resgatar o auxílio. Sobre as reclamações, o problema foi causado por uma instabilidade no Caixa Tem, aplicativo da Caixa. Informamos para o usuário que o dinheiro voltaria automaticamente para a conta da Caixa em até 7 dias úteis, de acordo com o sistema do banco. Também temos orientado aos clientes que tentem realizar a operação novamente ou, caso o débito já tenha ocorrido, aguardem a Caixa realizar o estorno do valor. Desde o início da distribuição do auxílio, mais de 2,9 milhões de usuários concluíram a transferência do benefício para o Picpay com sucesso.
Não parei para pensar nisso ainda. O dinheiro nunca foi a coisa mais importante da minha vida. Estou feliz com os movimentos profissionais que fiz nos últimos anos e essa é a minha maior alegria. Saio rico emocionalmente, em satisfação e em conhecimento.
Vou continuar em São Paulo, mas estou fazendo alguns investimentos no ES. É uma forma de devolver para o Espírito Santo uma parte do que ele me proporcionou.
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