Era outubro de 2008 quando Lula (PT), então presidente, afirmou, sobre a forte crise econômica que havia provocado a falência do emblemático banco Lehman Brothers: “Lá (nos EUA), ela é um tsunami; aqui, se ela chegar, vai chegar uma marolinha”. O desfecho, no mundo real, foi bem diferente, com recessão, aumento do desemprego e quebradeira de empresas.
Avançando para março de 2020, Jair Bolsonaro (sem partido), atual presidente, minimizou a pandemia de coronavírus afirmando que se tratava apenas de “uma gripezinha” que não o afetaria graças a seu “histórico de atleta”. Um ano depois, mais de 270 mil pessoas já morreram só no Brasil. Houve novamente retração da economia e demissões. Além disso, o país tem visto aceleração da inflação e queda na renda, principalmente dos mais pobres.
Segundo especialistas ouvidos por A Gazeta, ambas crises guardam similaridades, mas também muitas diferenças. A principal delas está na origem do problema. Enquanto em 2008, a crise foi causada por um colapso no mercado financeiro que se expandiu para a economia real, dessa vez ela tem origem externa, sendo um efeito colateral de uma questão que é, antes de mais nada, sanitária.
“A crise de 2008 foi gerada dentro do próprio sistema. Ela teve como fonte um problema financeiro. A consequência, como vimos, foi uma retração espetacular do crédito bancário que levou a uma retração econômica muito grande no mundo todo, em um efeito em cascata”, explica o professor dos MBAs da FGV, Mauro Rochlin.
No caso do coronavírus, ele aponta, a origem da crise está fora da economia. Ela é uma consequência das medidas de controle da pandemia global de Covid-19.
“Foi a pandemia que obrigou governos a fechar ou suspender as atividades econômicas. Essa parada brusca, súbita e muita intensa levou a desorganização do sistema econômico que teve como consequência queda da produção, desemprego e incerteza”, diz.
Nos dois casos, um ponto em comum foi a forte retração econômica que levou o país a registrar resultados negativos para o Produto Interno Bruto (PIB).
Antes da crise americana, o PIB do Brasil vinha crescendo 4,7%, em média, entre 2004 e 2007. Embora a crise tenha começado nos EUA em setembro de 2008, os efeitos no Brasil não foram imediatos. Naquele ano, o país ainda expandiu 5,2%.
Já em 2009,quando os efeitos apareceram, o PIB brasileiro teve variação de -0,3%. O Espírito Santo, contudo, foi atingido em cheio e amargou uma queda de 4% no PIB em 2009.
Essa diferença entre o resultado nacional e estadual é explicada pela forte abertura que a economia capixaba tem frente ao mercado internacional.
“A gente teve um impacto maior porque a economia capixaba tem um grau de abertura dos maiores do Brasil. Além disso, um dos principais parceiros econômicos do Espírito Santo eram justamente os Estados Unidos e a base da nossa economia, os principais produtos, tem essa característica da commodity, com uma ligação muito forte com o comércio exterior”, esclarece o diretor de Integração e Projetos Especiais do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), Pablo Lira.
Ele aponta que foi justamente essa abertura que fez com que o Estado sentisse primeiro os efeitos da crise do coronavírus, ainda nos últimos meses de 2019, bem antes de o país ou o Espírito Santo registrarem os primeiros casos de infecção.
“Nessa crise de agora, tivemos a economia chinesa sendo fortemente abalada, já que ela foi o primeiro epicentro da pandemia. Houve fechamento de portos, aeroportos e indústria na China ainda em 2019 e nós temos essa dependência. Se a China vai bem, o Estado acaba recebendo essa tendência. Mas a China foi fortemente impactada e, logo na sequência, a Europa, que é outro parceiro econômico do Espírito Santo”, afirma.
Em 2020, PIB brasileiro caiu 4,1%, a menor taxa da série histórica, iniciada em 1996. Ainda não há dados estaduais consolidados para o ano. Até o terceiro trimestre a queda era de 5%.
Crises como a de 2008 e a atual também foram marcadas pelo aumento do desemprego e de pessoas em situação de vulnerabilidade social.
Em 2009, quando foram sentidos os efeitos da crise americana no Brasil, a taxa de desemprego (ou desocupação) foi de 8,3%. Em comparação, ela era de 7,1% no ano anterior, que era considerada a mínima histórica desde 2001, quando teve início a Pesquisa Nacional de Domicílios do IBGE.
Já em 2020, ano da pandemia, a taxa média de desemprego no país atingiu 13,5% em 2020, enquanto em 2019 foi de 11,9%.
Em ambos os casos, houve queda na produção industrial que levou ao fechamento de postos de trabalho. Um exemplo foi a antiga Aracruz Celulose [hoje Suzano] que entre 2008 e 2009 demitiu centenas de funcionários diretos e indiretos.
A empresa também havia perdido dinheiro com derivativos. Com a alta repentina do dólar entre agosto e outubro de 2008 – quando a moeda passou de aproximadamente R$1,60 para cerca de R$ 2,40 - diversas companhias contabilizaram enormes prejuízos, pois estavam altamente expostas a operações que ganhavam com a perda da moeda norte-americana.
Já na crise atual, além da indústria, os setores do comércio e principalmente dos serviços foram fortemente impactados com as medidas de restrição de circulação da população. Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, o setor de serviços em 2020 fechou 3.350 postos de trabalho no Espírito Santo. O comércio conseguiu se recuperar durante o ano e terminou com saldo positivo de 1.722 vagas.
Nas duas crises, uma das estratégias do país para tentar controlar a inflação e promover o investimento foi a redução da taxa de juros. Entre o fim de 2008 e o fim de 2009, a Selic foi de 13,6% para 8,6%.
“Quando vem a crise, o risco-Brasil sobe. O que foi feito na época é que o Banco Central não reduziu juros imediatamente. Em agosto houve pânico no mercado financeiro, quando o temor passou, o risco-Brasil recuou e, então, teve a redução de juros”, explica o economista-chefe da Apex Partners, Arilton Teixeira.
Na crise do coronavírus, a redução foi feita de forma mais imediata, segundo o economista, e em um contexto de câmbio elevado. Desde fevereiro de 2020, a taxa de juros caiu de 4,25% para 2%, a mínima histórica, e assim permanece desde então.
“Quando se reduz juros em um país instável, o capital estrangeiro sai. A taxa de câmbio, que já estava em torno de R$ 4 e foi para perto de R$ 6 à medida que a economia global foi recuperando. Já a nossa inflação está disparando. Não tivemos esses problemas antes”, conta.
O efeito da inflação foi distinto nas duas crises. Em 2009, puxada pela redução do consumo das famílias, uma das consequências do caos financeiro, a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechou em 4,31%. Embora pareça próxima da atual, ela ficou abaixo do centro da meta estipulada pelo Banco Central para o ano, de 4,5%. Foi o segundo menor índice acumulado desde 2000, acima apenas do resultado de 2006 (3,14%).
Já em 2020, alavancada pelo auxílio emergencial e pela alta do dólar, a inflação fechou o ano com alta de 4,52%, acima do centro da meta (4%). Na Grande Vitória, a alta foi de 5,15% .
O resultado foi puxado pelas altas nos preços dos alimentos, que dispararam 18,35% no Estado ao longo do ano, influenciado pelo encarecimento de produtos básicos como tomate, óleo de soja e arroz.
“A redução (da Selic) foi uma tomada de risco que o Banco Central fez e agora estamos colhendo as consequências. O país está em recessão e talvez o BC terá que subir os juros porque a inflação está subindo muito rápido”, avalia Arilton.
A pandemia de coronavírus e a paralisação da atividade econômica ao redor do mundo fez despencar o preço do barril de petróleo nos primeiros meses de 2020. Na ocasião, a receita de 11 dos 13 municípios produtores no Espírito Santo foi afetada e eles deixaram de receber R$34,6 milhões em royalties e participações especiais no primeiro quadrimestre na comparação com o mesmo período do ano anterior, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP).
Porém, nos meses seguintes, o preço do brent no mercado internacional voltou a subir, impulsionado pela retomada econômica em alguns países e, mais recentemente, pela vacinação da população. Com isso, o país e o Estado enfrentam atualmente outra crise, a dos combustíveis. Com o barril de petróleo valendo mais de US$ 60 no mercado internacional e o dólar beirando os R$ 5,60, o preço da gasolina, do diesel e do gás de cozinha disparou.
Essa alta, embora se traduza em aumento de arrecadação com royalties para o Espírito Santo, acaba pesando no bolso do consumidor, pois pressiona a inflação.
Os especialistas afirmam que a saída do país da crise de 2008/2009 foi relativamente rápida e isso se deu porque as empresas estavam em condições relativamente saudáveis antes do baque econômico, o que permitiu que tivessem condições de aguentar o período turbulento.
Contudo, a chegada do novo coronavírus veio em um momento em que o país e o Espírito Santo ainda se recuperavam da crise político-fiscal de 20015.
“Não tínhamos saído daquela crise, não tínhamos nos recuperado daquela recessão e, de fato, fomos surpreendidos no meio desse processo lento de recuperação. Fomos barrados por essa pandemia. O fato de a gente não ter ainda uma situação de normalidade em termos de saúde pública, não saber se a situação vai avançar, se vai continuar lenta como está, se pode haver mais ondas de contaminação por conta da falta de vacinação aponta que a incerteza está se estendendo para além do que aconteceu em 2008/2009. Essa pode se tornar uma crise mais extensa, de maior duração”, avalia o professor dos MBAs da FGV, Mauro Rochlin.
O economista-chefe da Apex também compartilha a dúvida da capacidade de o país sair de forma célere da crise atual.
“Teoricamente, se os governos fizessem o dever de casa correto, como foi feito nos EUA, a economia sai rápido da recessão como está saindo por lá. Não é o caso brasileiro. Aqui as empresas receberam muito pouca ajuda e, além de tudo, nós não estamos vacinando ninguém”, aponta.
A alta do câmbio, embora pressione a inflação, é benéfica para o Estado, já que as principais commodities produzidas aqui são cotadas em dólar, como a celulose e o minério de ferro. Além disso, tem havido um aumento de demanda por essas matérias-primas, principalmente por conta da retomada econômica dos países asiáticos.
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