Fluência em inglês, tempo de permanência em uma empresa e a qualificação são as informações que os candidatos mais mentem em um currículo. E como mentira tem perna curta, o profissional pode queimar o filme e ser eliminado de um processo seletivo ou até comprometer a participação dele em outra seleção. Além disso, o empregado pode ser demitido se depois de inflar as qualificações for contratado e descoberto pelo chefe.
No caso de profissionais que se arriscam, burlam a seleção e são contratados, a identificação de trapaça gera demissão por justa causa, mesmo que a mentira seja descoberta anos depois. Se, além disso, houve apresentação de documentação falsa, aí é crime previsto no Código Penal, explica a diretora técnica da Rhopen Consultoria, Jaciara Pinheiro.
De acordo com uma pesquisa da DNA Outplacement, uma consultoria voltada a executivos, 75% dos brasileiros mentem no currículo. As práticas mais comuns são: aumentar o salário anterior ou atual (48%), mentir sobre domínio do inglês (41%), enganar sobre o tempo de inatividade (12%) e sobre o grau de escolaridade e cursos realizados (10%).
Maquiar o currículo mancha a reputação de qualquer trabalhador, mas ainda são casos comuns de acontecer em diversos segmentos. Um exemplo recente é do ex-ministro da Educação Carlos Decotelli, que foi apresentado pelo presidente Jair Bolsonaro como doutor pela Universidade Nacional de Rosário na Argentina, mas, depois de alguns dias, a informação foi negada pelo reitor da instituição. Constava ainda no currículo de Decotelli que ele havia cursado pós-doutorado na Universidade de Wuppertal, na Alemanha, o que também não foi confirmado.
Para Jaciara, colocar informações que não são verdadeiras no currículo é uma atitude grave e põe em risco não apenas a carreira profissional, mas também a integridade do indivíduo. Empresas de recrutamento e seleção fazem checagem de dados e, em caso de inverdades, o candidato é retirado do processo imediatamente.
Jaciara aponta que existem várias maneiras, até muito simples, de verificar a veracidade de dados. Graduação, certificações, extensões, especializações e até o tempo de experiência são avaliados durante os processos de seleção.
Na avaliação do diretor-executivo da Associação Brasileira de Recursos Humanos, seccional Espírito Santo (ABRH-ES), Atílio Peixoto Soares Júnior, o colaborador é contratado para dar resultados naquela função, seja ela de analista ou de técnico, e por isso, ser verdadeiro é tão importante.
Quando se percebe que ele mentiu, há uma quebra de confiança, que é a base para qualquer relação, inclusive a de trabalho. Essa quebra pode resultar em uma demissão ou na recolocação dessa pessoa em outro setor, comenta.
O diretor-executivo da ABRH-Es ressalta que as mentiras do currículo podem ser descobertas ainda na entrevista. Ele explica que o recrutador conduz o processo de uma forma que o candidato conte suas experiências e qualificações, destacando exemplos concretos.
Soares Júnior destaca ainda que as mentiras mais frequentes no currículo estão relacionadas à fluência em outro idioma, a uma formação não concluída e até sobre experiências que não teve. Infelizmente, o que acontece é que muitos querem mostrar coisas que não são. É comum as pessoas dizerem que fazem qualquer coisa, mas, na verdade, elas não têm conhecimento para isso, afirma.
O diretor da Acroy, Elias Gomes, ressalta que mentiras são encontradas em currículos de profissionais de todos os níveis de escolaridade. Entre as mais comuns está a informação de ter trabalhado em um local por um tempo maior do que realmente aconteceu.
Certa vez, descobrimos durante uma confraternização que uma pessoa havia mentido sobre a escolaridade. Percebemos, na ocasião, que ela dizia coisas que não condiziam com a formação dela. Fomos verificar e realmente era tudo mentira. Claro que esse profissional foi demitido, posteriormente, conta Gomes.
Ele lembra que a mentira é prejudicial porque traz para o trabalhador uma referência negativa. Pode colocar toda carreira dele a perder, mesmo que a mentira seja descoberta depois, diz.
A diretora da Center RH, Eliana Machado, alerta sobre mentiras relacionadas a cargos ocupados ou sobre experiências profissionais. Mentir no currículo ou na entrevista vai dificultar a participação desse profissional em outras seleções. A situação fica registrada na ficha do candidato com observações de restrições. E como as empresas conversam entre elas, a participação em outros processo seletivo se torna mais difícil, observa.
Já a psicóloga e diretora da Psico Store, Martha Zouain, declara que mentira de qualquer natureza ou em qualquer situação poderá evidenciar um distúrbio de caráter que fará qualquer empresa desconfiar do quanto pode contar com a lealdade desse profissional.
Conseguimos afirmar com convicção que é só uma questão de tempo ser pego. Em um processo seletivo, as mentiras mais contadas têm a ver com o candidato querer apresentar um currículo melhor do que realmente é. Desta forma, ele informa cursos, experiências, conhecimentos que não tem, na ânsia de ser bem-visto pelo recrutador. Este, no entanto, é treinado para detectar mentiras e, na maior parte das vezes, consegue identificar as reações emocionais que mentir desencadeia, e reprova o candidato que poderia até seguir no processo seletivo com os requisitos que verdadeiramente tem, declara.
Forjar a fluência em um segundo idioma é uma das práticas mais comuns entre os candidatos a uma vaga de emprego, de acordo com profissionais de recrutamento e seleção. Especialistas dizem que as empresas solicitam essa capacitação para a execução de tarefas específicas e mentir sobre isso faz com que o candidato nem passe no processo seletivo.
Outra informação que costuma estar entre as que os candidatos mais mentem é sobre a formação. Os trabalhadores costumam destacar que têm uma qualificação específica, mas em muitos casos não foram concluídas. É importante estar atento, pois os recrutadores costumam fazer uma varredura em todas as informações declaradas nos currículos.
Recrutadores afirmam que outro ponto onde os candidatos são pegos na mentira é quanto às datas de admissão e desligamento do emprego anterior. Às vezes, as pessoas ficam seis meses, mas informam que o período de permanência foi de um ano. A informação é fácil ser desmentida, já que o novo chefe poderá conferir na Carteira de Trabalho.
Candidatos costumam mentir quanto às experiências anteriores como na execução de projetos e liderança de equipes.
O ex-ministro da Educação Carlos Alberto Decotelli da Silva ficou menos de uma semana no cargo, mas o currículo dele gerou muita discussão. Ele foi anunciado pelo presidente Jair Bolsonaro como doutor pela Universidade Nacional de Rosário, na Argentina. Ele foi desmentido pelo reitor da instituição. Sua formação de pós-doutorado pela Universidade de Wuppertal, na Alemanha, também não foi confirmada.
Outro titular do MEC que deu uma inflada no currículo foi o ex-ministro Abraham Weintraub. Antes de ser empossado, ele foi apresentado pelo presidente como doutor e professor universitário "de ampla experiência em gestão". Entretanto, Weintraub nunca recebeu título de doutor por nenhuma universidade.
Antes de assumir o cargo de ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves atuava como palestrante e se apresentava como "advogada", "mestre em Educação", "em Direito Constitucional" e "Direito da Família". Durante entrevista à Folha, em janeiro de 2019, ela confessou que os títulos não foram conquistados em uma universidade, mas sim em leituras da bíblia.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse que foi aluno de mestrado na Universidade de Yale, uma das mais concorridas nos EUA, mas ele sequer foi matriculado na instituição. A informação inicial constava em um artigo assinado por ele na Folha de S. Paulo e foi usada durante sua participação no programa Roda Viva. A informação foi desmentida. Questionado, o ministro culpou sua assessoria de imprensa pelo erro.
Quando a ex-presidente Dilma Rousseff ainda era ministra da Casa Civil e pré-candidata à presidência, em 2009, informava em seu currículo que tinha um mestrado e um doutorado em Ciências Econômicas pela Unicamp. As informações, replicadas na Plataformas Lattes, não eram corretas. Apesar de ter estudado na instituição após o bacharelado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ela não chegou a concluir os cursos.
O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, também deu uma inflada no currículo dizendo que parte de seu doutorado foi cursado em Harvard, nos Estados Unidos. Entretanto, a informação não era verdadeira e foi denunciada pelo jornal O Globo.
O prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, alegou ser doutor em Engenharia Civil pela Universidade de Pretória, na África do Sul, mas ele nunca estudou na instituição. O ex-bispo disse depois ter apenas revalidado seu diploma brasileiro na instituição.
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