Em busca de flexibilidade de horários, Lia Souza decidiu se tornar diarista. Agora, em vez de trabalhar oito horas por dia durante os cinco dias úteis da semana, ela escolhe o trabalho de acordo com os compromissos pessoais. Já Carla Almeida trabalhou como diarista, mas viveu uma situação diferente. Depois de cuidar por dois meses da casa, com promessa de efetivação, foi demitida sem a garantia de direitos.
A vivência no mundo sem carteira assinada foi diferente, mas as duas se encontram no mesmo dado. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) do último trimestre do ano passado, 84% das trabalhadoras domésticas no Espírito Santo estão na informalidade. Essa é a realidade da categoria no Estado, 10 anos depois da aprovação da PEC das Domésticas.
A emenda aprovada em 2 de abril de 2013 garante direitos trabalhistas às domésticas, como salário-maternidade, auxílio-doença, férias, aposentadoria, entre outros. Após a PEC, porém, o número de profissionais da categoria na formalidade caiu no Estado: passou de 33%, em 2013, para 25%, em 2022. Os dados da Pnad do último trimestre de 2021 e de 2022, reforçam o cenário de crescimento da informalidade. Ao comparar os dois períodos é identificado um aumento de 17% de trabalhadoras sem carteira assinada no Espírito Santo.
Foi o que enfrentou Mariana Ferreira. Ela trabalhou para uma família durante três meses e ainda ajudava a cuidar das crianças. Mas, após um tempo de experiência, foi demitida sem a garantia de direitos. “Eles pediram para eu ajudar até com os bebês. Mas depois disseram que eu não precisavam mais e fiquei sem nada”, desabafa.
A situação não é isolada. O Sindicato das Trabalhadoras Domésticas do Espírito Santo (Sindoméstico) afirma que recebe cada vez mais reclamações de ocorrências como essas. Os profissionais são contratados em período de experiência sem a carteira assinada por pedido do empregador e, quando acaba o tempo, acabam dispensados, sem motivo ou incompatibilidade.
"Tem gente que acha que não precisa e não pode assinar a carteira nos três meses de experiência, mas não é verdade. É um direito que foi garantido às domésticas e deve ser exercido", afirma Ivete de Souza.
Há sete anos trabalhando com a mesma família, Letícia Moraes também não se vê mais sem carteira assinada, para não correr riscos de ficar sem seus direitos, como a situação que viveu anteriormente. "Eu tenho tudo direitinho. É bom saber que estou protegida em relação aos problemas que podem surgir", conta.
A doméstica Carla Almeida conta não querer mais exercer a profissão sem ter a assinatura na folha de contrato de quem solicitar o serviço.
Apesar de saber de todas a dificuldades e riscos, Lia Souza prefere trabalhar de forma independente, para ter mais disponibilidade de tempo. Ela até abriu uma empresa que faz ponte entre outras diaristas e interessados em ter a casa limpa. A intenção é ajudar uma a outra no meio profissional, que reconhece não ser fácil. "Além do tempo, o lucro pode ser maior, mas claro, sempre precisa ter controle financeiro", explicou.
“As trabalhadoras domésticas são como qualquer outra. Ela é uma pessoa que tem pai, mãe, filho e paga imposto”. Com essa frase, Mário Avelino, presidente do Instituto Doméstica Legal, frisou que a conquista de direitos não influenciou a ida das trabalhadoras para a informalidade, mas deu segurança à categoria, inclusive para os patrões.
A crise e a pandemia são apontadas por Mário Avelino como propulsores do aumento do número de diaristas em relação às domésticas com carteira assinada. De acordo com ele, com as empresas fechando e a onda de demissões, muitas famílias viram a renda diminuir e tiveram de dispensar quem trabalhava na limpeza da casa. Assim, milhares de domésticas se encaminharam para trabalhar por demanda.
Além disso, Avelino cita que a disseminação do novo coronavírus impactou o setor de forma considerável, por não ser um trabalho que consegue aderir ao home office. Em 2020, no primeiro ano da pandemia, foram 1,7 milhão de demissões no trabalho doméstico, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A retirada da dedução das despesas com a contratação de trabalhadores domésticos no Imposto de Renda pelo empregador também é outro aspecto posto como prejudicial, pela categoria. De 2006 a 2018, quem contratava uma pessoa para cuidar dos afazeres da casa tinha direito a deduzir em 8% do IR. Porém, o benefício foi retirado, o que Mário Avelino analisa como prejudicial à empregabilidade dos trabalhadores domésticos.
“Vamos buscar o retorno disso, além de outros, como o PIS, único direito que ainda não temos. Quanto maior o equilíbrio entre empregador e empregada é melhor", reforçou o presidente do instituto.
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