A pandemia trouxe para o mundo corporativo novos formatos de trabalho, que vão desde desenvolver a atividade laboral em home office até em horários mais flexíveis para os colaboradores. A tendência da vez agora é a jornada de trabalho de quatro dias por semana, que já é realidade em alguns países.
Aos poucos esse conceito tem chegado ao Brasil. No Espírito Santo, inclusive, já tem empresa experimentando por conta própria mesmo sem participar do movimento internacional que está encabeçando a proposta.
A ideia de uma semana de quatro dias de trabalho é compartilhada no mundo pela organização sem fins lucrativos 4 Day Week Global, que já conduz testes globais sobre carga horária reduzida, e pelo Boston College, em parceria com a Reconnect Happiness at Work, uma companhia de São Paulo especializada em felicidade corporativa.
O novo modelo tem a intenção de aumentar a produtividade e melhorar a saúde mental e a qualidade de vida dos trabalhadores. A fase de testes em empresas brasileiras vai acontecer entre junho e dezembro de 2023. Companhias de diversos segmentos podem participar.
Antes mesmo da modalidade oficialmente chegar ao Brasil, o empresário Ronny Rangel adotou a jornada de quatro dias em sua empresa, a Mundo do Traqueamento, em Vitória. Ele comenta que “a folga” ocorre a cada duas semanas, como uma alternativa para se tornar mais produtivo. A prática começou há, pelo menos, seis meses e é oferecida a todos os colaboradores e até para ele mesmo.
A empresa de Rangel atua na coleta e análise de dados de marketing digital. Os colaboradores atuam por demandas e metas de trabalho e não precisam se dedicar oito horas diárias no escritório.
“O formato de trabalho vai depender da cultura de cada empresa. Algumas precisam manter o funcionário presencialmente e outras não. Cada uma vai ver qual o modelo se adapta melhor.
As empresas interessadas em também tirar um dia de trabalho na semana para os funcionários e que se inscreverem até julho vão começar o projeto-piloto em agosto e efetivar a mudança em setembro.
Haverá um custo para participar do estudo, mas o valor ainda não foi decidido. A adesão pode ser feita por meio de um formulário disponível na internet. Os funcionários serão divididos em grupos: um trabalha de segunda a quinta, outro de terça a sexta. Assim, a organização continua funcionando todos os dias.
A presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos, seccional Espírito Santo (ABRH-ES), Neidy Christo, lembra que não há legislação específica para regulamentar essa prática no Brasil, deixando a adoção da modalidade a critério das empresas e dos acordos que serão estabelecidos entre os empregados.
Antes de adotar qualquer mudança no modelo de trabalho, a consultora de RH e gestora de Treinamento e Desenvolvimento da Rhopen, Fabíola Costa, orienta as empresas a conversarem com seus funcionários para que a curiosidade não vire uma frustração.
O ideal, segundo ela, é definir que pode haver, sim, uma viabilidade de um dia a menos de trabalho durante a semana, construindo uma nova rotina. A consultora comenta que não se muda uma cultura da noite para o dia, mas esse tipo de mudança gera impacto.
“A primeira coisa a se perguntar é se as pessoas têm uma produtividade adequada dentro do horário de trabalho. Quando falo em produtividade não entregar 300 coisas, e, sim produzir o que foi solicitado com excelência no prazo, organizando o tempo para isso. O segundo passo é perceber se as pessoas cumprem a carga horária e têm tempo para descanso. É preciso perceber esse tipo de coisa para conseguir mudar o número de dias trabalhados”, frisa Fabíola.
Neidy Christo, da ABRH-ES, lembra que a implantação desse modelo pode apresentar alguns desafios, pois é possível que as organizações encontrem dificuldades na gestão da carga de trabalho e na forma de redistribuição das tarefas.
“Mesmo com um dia a menos, o volume de trabalho não vai diminuir. Aquilo que você deveria fazer em cinco dias terá que fazer em quatro, senão, com certeza, você não vai conseguir tirar o dia de folga. Isso pensando como empregado. A empresa não vai abrir mão das atividades que o funcionário tem que fazer. Caberá à companhia gerenciar, planejar e garantir a produtividade e a eficiência”, observa.
Neidy ressalta ainda que a mobilidade pode ser usada por empresas da área de tecnologia e inovação, como startups, agências de publicidade e marketing, consultorias e empresas que são voltadas para o setor de serviços podem se beneficiar. No entanto, segmentos que fazem atendimento ao público ficam impossibilitados de testar a medida.
Na opinião da psicóloga, Gisélia Freiras, diretora de cultura, liderança e diversidade do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças-ES (Ibef), o modelo atual de trabalho no Brasil, ainda é um desafio, quando o foco é adaptarmos às constantes mudanças no mercado e sociedade. Para ela, repensar novas formas de trabalho é estratégico para a manutenção dos processos de inovação.
“Um dos principais será desmistificar a crença de que a produtividade é proporcional ao número de horas trabalhadas. No Brasil aprendemos que trabalho é vender carga-horária e não serviços, produtos ou competências. Nosso modelo de trabalho ainda é muito engessado, o que dificulta acompanhar as mudanças globais do mercado de trabalho”, comenta Gisélia.
A sócia do escritório Motta Leal & Advogados Associados, advogada especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, Patrícia Pena da Motta Leal, observa que é preciso ter em mente que empresas que costumeiramente focam apenas na carga horária precisarão elaborar metas específicas por funções, de forma que seja possível controlar a produtividade dos empregados.
Ela explica que esse formato é um novo tipo de escala de trabalho, que também pode ser chamada de 4x3, pois são quatro dias consecutivos de trabalho e três dias de descanso. Com isso, os contratos de trabalho devem ser alterados, para que sejam adequados a essa escala.
Conforme a advogada, a legislação trabalhista prevê os limites máximos de jornadas, o que possibilita a nova escala, desde que respeitado o limite de horas de trabalho diárias e o intervalo interjornada.
“Deve-se ter também em mente que estabelecer esse tipo de escala não deve gerar redução salarial, tendo em vista que o objetivo é manter ou até aumentar os níveis de produtividade. Logo, é fundamental a garantia do salário e demais direitos dos trabalhadores, como 13º e férias, em observância, inclusive, das garantias previstas na Constituição Federal”, ressalta Patrícia.
Alguns modelos de negócio permitem uma maior flexibilidade nos modelos de trabalho. Um bom exemplo são as startups. Na Persora, por exemplo, a carga horária atual dos colaboradores é de cinco horas diárias.
“Valorizamos muito o alinhamento cultural e a autonomia do time. O nosso produto é um software para construir times de alta performance, sabemos que a quantidade de horas trabalhadas não é diretamente proporcional à produtividade e ao cumprimento de metas. A nossa expectativa é continuar testando novos formatos que preservem a alta performance do time, mesmo quando a empresa aumentar de tamanho”, comenta a founder e CSO da Persora, Milena Nascimento.
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