Uma decisão da 7ª Vara do Trabalho de Vitória reconheceu o vínculo empregatício entre um motorista e a Uber do Brasil. A decisão foi da juíza Anna Beatriz Matias Diniz de Castilhos Costa.
No entendimento da magistrada, existe uma relação de trabalho intermitente, previsto no artigo 452-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Com a decisão, a empresa foi condenada a pagar os direitos trabalhistas ao motorista, como aviso prévio indenizado, férias proporcionais, proporcional do 13° salário, FGTS e multa de rescisão de 40% do valor do fundo.
A modalidade de trabalho intermitente foi regulamentada na reforma trabalhista em 2017, com o objetivo de dar mais flexibilidade tanto para empregadores quanto para empregados. Com ela, o profissional trabalha de forma esporádica e não contínua.
Para as empresas, a maior vantagem é poder contar com o profissional somente quando é necessário e pagá-lo de acordo com as horas trabalhadas. Já para os trabalhadores, a modalidade funciona como uma espécie de “bico” formalizado, com os direitos trabalhistas garantidos pela lei 13.467/2017, incluída na CLT nos artigos 443 e 452-A. Os trabalhadores, inclusive, podem prestar serviços a outras empresas.
No processo, o motorista alegou ter trabalhado para a Uber do Brasil entre dezembro de 2020 e outubro de 2021, fazendo as corridas de acordo com as demandas fornecidas pela empresa, através do aplicativo. Para a defesa, a situação se encaixa na definição de trabalho intermitente. Ele relatou não ter outro emprego e que foi bloqueado pelo aplicativo. Depois disso, não teve acesso a nenhum direito trabalhista.
Esse também foi o entendimento da juíza do trabalho. Na decisão, Anna Beatriz destacou aspectos de como se dá a relação da Uber com os motoristas. De acordo com ela, se a prestação de serviço é determinada, ordenada, controlada e fiscalizada pelo contratante, há poder empregatício e hierárquico e, assim, “afloram as figuras empregado x empregador”.
Já a Uber do Brasil diz, na ação, que faz apenas a “prestação de serviços de intermediação digital pela Uber ao motorista autônomo''. A empresa diz que tem o papel de fornecer o serviço de tecnologia, para que interessados em prestar o serviço de transporte atendam às solicitações dos usuários da plataforma. O motorista, por sua vez, paga à Uber uma taxa de serviço de cerca de 25% do valor da corrida.
Em nota, a Uber disse que vai recorrer da decisão que, segundo a empresa, representa um entendimento isolado e contrário ao de outros processos já julgados no próprio Tribunal e no Tribunal Superior do Trabalho (TST).
A Uber também cita outras decisões que foram favoráveis à empresa que, de acordo com a nota, atestam a inexistência do vínculo do empregado com os motoristas. “Além de não existir subordinação jurídica de motoristas parceiros com a Uber, também não se aplicam outros requisitos legais da modalidade de trabalho intermitente, como a definição prévia de jornada e a multa por desistência”, diz a nota.
O posicionamento da empresa continua dizendo que “de acordo com a lei, nesta modalidade, o empregador deve convocar o funcionário e informar a jornada de trabalho a ser cumprida com pelo menos três dias de antecedência, e pode aplicar multa em caso de descumprimento, condições que são totalmente incompatíveis com o sistema de intermediação dinâmico e flexível operado pela Uber: são os próprios motoristas parceiros que decidem quando ligar o aplicativo, sem nenhum tipo de aviso anterior, podem permanecer conectados pelo tempo que quiserem, e com total autonomia para atender, recusar ou cancelar as solicitações de viagem feitas pelos usuários do aplicativo em tempo real”.
A nota da Uber pode ser lida na íntegra, abaixo:
A Uber esclarece que vai recorrer da decisão proferida pela 7ª Vara do Trabalho de Vitória, que representa um entendimento isolado e contrário ao de outros processos já julgados no próprio Tribunal e no TST (Tribunal Superior do Trabalho).
Em decisão de dezembro de 2021, por exemplo, a 5ª Vara do Trabalho de Vitória identificou 12 "fatos incontroversos" que atestam a inexistência do vínculo de emprego entre motoristas e a Uber, pois "são suficientes para afastar toda e qualquer subordinação, ainda que por programação ou algorítmica, uma vez que restou clara a autonomia do motorista para o desenvolvimento de suas atividades".
Além de não existir subordinação jurídica de motoristas parceiros com a Uber, também não se aplicam outros requisitos legais da modalidade de trabalho intermitente, como a definição prévia de jornada e a multa por desistência.
De acordo com a lei, nesta modalidade o empregador deve convocar o funcionário e informar a jornada de trabalho a ser cumprida com pelo menos três dias de antecedência, e pode aplicar multa em caso de descumprimento, condições que são totalmente incompatíveis com o sistema de intermediação dinâmico e flexível operado pela Uber: são os próprios motoristas parceiros que decidem quando ligar o aplicativo, sem nenhum tipo de aviso anterior, podem permanecer conectados pelo tempo que quiserem, e com total autonomia para atender, recusar ou cancelar as solicitações de viagem feitas pelos usuários do aplicativo em tempo real.
Jurisprudência
Nos últimos anos, as diversas instâncias da Justiça brasileira formaram jurisprudência consistente sobre a relação entre a Uber e os parceiros, apontando a ausência dos requisitos legais para existência de qualquer tipo de vínculo empregatício (onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação). Em todo o país, já são mais de 2.700 decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho reconhecendo não haver relação de emprego com a plataforma.
Os motoristas parceiros não são empregados e nem prestam serviço à Uber: eles são profissionais independentes que contratam a tecnologia de intermediação digital oferecida pela empresa por meio do aplicativo. Os motoristas escolhem livremente os dias e horários de uso do aplicativo, se aceitam ou não viagens e, mesmo depois disso, ainda existe a possibilidade de cancelamento. Não existem metas a serem cumpridas, não se exige número mínimo de viagens, não existe chefe para supervisionar o serviço, não há obrigação de exclusividade na contratação da empresa e não existe determinação de cumprimento de jornada mínima.
O TST já reconheceu, em seis julgamentos, que não existe vínculo de emprego entre a Uber e os parceiros. Um dos mais recentes, em novembro de 2021, a 4ª Turma afastou o vínculo sob o entendimento de que motoristas trabalham "sem habitualidade e de forma autônoma" e que não existe "subordinação jurídica entre o aplicativo e o trabalhador". Em maio, a 5ª Turma já havia afastado a hipótese de subordinação porque era de escolha do motorista "ligar e desligar o aplicativo na hora que bem quisesse" e "se colocar à disposição, ao mesmo tempo, para quantos aplicativos de viagem desejasse".
Outro julgamento de 2021, em março, decidiu que o uso do aplicativo não configura vínculo pois existe "autonomia ampla" do parceiro para escolher "dia, horário e forma de trabalhar, podendo desligar o aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, sem nenhuma vinculação a metas determinadas pela Uber".
Esse entendimento vem sendo adotado pelo TST desde 2020, com decisões em fevereiro e em setembro. Também o STJ (Superior Tribunal de Justiça), desde 2019, vem decidindo que os motoristas "não mantêm relação hierárquica com a empresa porque seus serviços são prestados de forma eventual, sem horários pré-estabelecidos, e não recebem salário fixo, o que descaracteriza o vínculo empregatício" - a decisão mais recente neste sentido foi publicada em setembro de 2021.
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