Vestido de noiva, cavalo de raça, viagra, mariola e até um navio. Itens como esses têm sido penhorados pela Justiça para saldar dívidas trabalhistas. O instrumento é usado quando, por algum motivo, o empregador deixa de pagar as indenizações previstas em um processo.
Em agosto deste ano, o navio Iron Trader, que está atracado no Porto de Vitória desde 2015, foi vendido por R$ 400 mil para o pagamento de encargos trabalhistas dos tripulantes. A embarcação estava sob jurisdição da Companhia de Docas do Espírito Santo (Codesa) e foi vendida para a Sudeste Soluções Ambientais Eireli. A estrutura ainda permanece no local, mas sairá dali para virar sucata.
No Sul do Estado, a Vara de Execução Concentrada do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) determinou a penhora, além de muitos imóveis, de cavalos da raça mangalarga marchador, de propriedade de um dos donos de uma empresa alvo de disputa trabalhista. Um animal como este pode custar até R$ 15 mil e é muito utilizado em provas de hipismo e equoterapia.
Também fazem parte do rol de itens curiosos a penhora de mariolas, vestidos de noiva e blocos de granito. Os pregões foram realizados em varas da Capital e do Interior. O lote de 605 quilos do doce de banana fazia parte de um processo de Colatina e o caso do vestido de noiva ocorreu em Vila Velha. Apesar de inusitados, nos dois casos, que ocorreram há alguns anos, não houve comprador na ocasião.
Há cerca de quatro anos, a 13ª Vara do Trabalho de Vitória penhorou todos os antibióticos e remédios como Viagra e Ciallis (usados para disfunção erétil) de uma farmácia. A quantidade de medicamentos foi apreendida até que o valor alcançasse o total da dívida trabalhista. A penhora foi feita pela manhã, os remédios foram retirados do estabelecimento e ficaram sob a custódia do leiloeiro. A empresa pagou o valor devido integralmente à tarde e à noite os medicamentos foram devolvidos à farmácia.
Na mesma Vara, há cerca de seis anos, houve o bloqueio da circulação de um ônibus porque a empresa de turismo rodoviário tinha uma dívida trabalhista que não foi quitada. Na época, o veículo chegou a ser interceptado em Caldas Novas (GO) pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), os passageiros tiveram que deixar o ônibus e a empresa pagou hotel para todos eles. Após o ocorrido, o empresário providenciou o pagamento integral da dívida trabalhista e o veículo foi devolvido.
Houve ainda no TRT capixaba casos de penhora de trailer de sanduíches e carrinho de água de coco. Nos dois casos, os trabalhadores quiseram ficar com os bens.
Fatos curiosos também acontecem em outras cortes trabalhistas brasileiras. Em 2017, o TRT de Minas Gerais determinou a penhora de caixão, gasolina, sapato, roupa e até relógio de ponto para que fossem acertadas as contas de uma empresa com seus empregados. Os bens não chegam a sair da casa do empregador processado. Eles foram penhorados para pagar os débitos. Além de apartamentos e carros, a corte mineira também determinou a venda de joias, móveis, botijas de gás e até um helicóptero.
Após a conclusão da primeira fase processo, o juiz comunica, por meio de uma intimação, que a empresa tem 48 horas para fazer o pagamento determinado. O juiz do Trabalho Giovanni Antonio Diniz Guerra explica que nesta fase de execução, quando o devedor não paga espontaneamente a indenização, a Justiça pode fazer a cobrança do débito após análise de bens do devedor.
Para isso, são utilizadas algumas ferramentas que ajudam a magistratura a rastrear contas, imóveis e outros itens que poderão ser confiscados pela Justiça para serem vendidos por meio de um leilão.
A Justiça, por meio do Conselho Nacional da Justiça (CNJ), celebrou convênios com diversos órgãos governamentais, visando ao fornecimento de informações necessárias à locação de bens dos devedores, a exemplo de informações cadastrais e econômico-fiscais das bases de dados da Receita Federal do Brasil (Infojud), sobre veículos (Renajud) e ativos financeiros (Bacenjud).
O Bacejud, por exemplo, é um aplicativo que permite ao juiz dar uma ordem para que o Banco Central faça o bloqueio do dinheiro que esteja na conta da empresa. Já o Renajud auxilia a verificar se há algum veículo em nome do devedor, impossibilitando que o carro ou moto seja vendido pelo proprietário.
Outra ferramenta muito usada, segundo Guerra, é o Infojud, que permite acesso às declarações feitas à Receita Federal. É possível nesta plataforma verificar os bens que estão declarados em nome do devedor. Há ainda outros aplicativos que verificam as transações financeiras dessa pessoa e até se ela emitiu uma procuração para alguém fazer movimentação financeira em nome dela. Além disso, é possível descobrir indícios de que o devedor faz o uso de laranjas em nome dele.
A Justiça utiliza vários sistemas para tentar buscar informações dos devedores. A partir do momento que fazemos essa identificação do que há em nome dele, esse bem não pode ser vendido e o oficial de Justiça faz a penhora. Se ele não paga espontaneamente, o Poder Judiciário obriga o pagamento por meio da penhora dos bens, explicou Guerra.
A lei estabelece que tudo que tem valor joias, animais de raça, veículos, imóveis e até plantação - pode ser penhorado e vendido para o pagamento dos débitos trabalhistas. No entanto, há algumas situações em que essa prática não é permitida, como é o caso da residência onde essa pessoa mora ou a cama dela.
Ao fazer a identificação, é realizada uma avaliação do bem e, a partir daí, já é possível que a Justiça tente fazer a venda. Algumas comercializações são mais rápidas do que outras. Quando o processo chega na execução, a maior dificuldade é cobrar. Alguns tentam de todas as maneiras não pagar as indenizações, mas eles esquecem que a Justiça vai fazer de tudo para fazer a cobrança, afirma o magistrado.
O trabalhador pode ficar com um bem que for disponibilizado para penhora. Caso não queira, a venda pode ser feita para uma pessoa em particular. Neste caso, quem fizer a melhor proposta fica com o bem. Há ainda a hipótese de se fazer um leilão.
Ainda existem algumas limitações de penhora. Mas um vestido de noiva, se a moça já se casou, pode ser usado para pagar dívida. Já um carrinho de coco, em tese, não pode ser levado a leilão, pois o item é objeto de trabalho, explica o magistrado.
O advogado Márcio Dell'Santo, do escritório Genelhu Advogados, destaca que podem ser penhorados: dinheiro; títulos da dívida pública da União, dos Estados e do Distrito Federal com cotação em mercado; títulos e valores mobiliários com cotação em mercado; veículos; bens imóveis; bens móveis em geral; animais de raça; navios e aeronaves; entre outros. A hipótese está prevista no Código Civil Brasileiro.
O mesmo Código também impossibilita a penhora de certos itens como proventos de aposentadoria, vestuários, pertences de uso pessoal e instrumentos usados no exercício da profissão do executado. Daí a possibilidade de a penhora recair sobre animais e até mesmo vestido de noiva. Em razão da natureza alimentar que o crédito trabalhista pode ostentar, é possível que a penhora recaia sobre alguns bens considerados impenhoráveis, afirma o advogado.
Ele complementa dizendo que é possível, também, que o credor busque a desconsideração da personalidade jurídica da empresa, para que a execução atinja os bens pessoais dos sócios. O processo de execução visa à satisfação do credor, completa.
A execução trabalhista é a fase do processo em que se impõe o cumprimento do que foi determinado pela Justiça, o que inclui a cobrança forçada feita a devedores para garantir o pagamento de direitos. A fase de execução só começa se houver condenação ou acordo não cumprido na fase de conhecimento, em que se discutiu ou não a existência de direitos.
A execução trabalhista começa quando há condenação e o devedor não cumpre espontaneamente a decisão judicial ou quando há acordo não cumprido. A primeira parte da execução é a liquidação, em que é calculado, em moeda corrente, o valor do que foi objeto de condenação. A liquidação pode ocorrer a partir de quatro tipos de cálculos: cálculo apresentado pela parte, cálculo realizado por um contador judicial, cálculo feito por um perito (liquidação por arbitramento) e por artigos de liquidação (procedimento judicial que permite a produção de provas em questões relacionadas ao cálculo).
Sim. Antes de proferir a sentença de liquidação, o juiz do Trabalho pode optar por abrir vista às partes por um prazo sucessivo de dez dias para manifestação sobre o cálculo, em que devem ser indicados itens e valores objeto da discordância, sob pena de preclusão (perda da oportunidade de impugnar o cálculo depois), conforme o art. 879, § 2º., da Consolidação das Leis do Trabalho. Já o art. 884 da CLT possibilita a homologação direta dos cálculos pelo magistrado, com possibilidade de eventual impugnação posterior, quando efetuado o depósito do valor em conta judicial ou realizada a penhora do bem de valor igual ou superior ao da execução.
Proferida a sentença de liquidação, o juiz expede mandado para que o oficial de Justiça intime a parte condenada a pagar a dívida mediante depósito de dinheiro em juízo ou oferecimento de bens a penhora no prazo de 48 horas. Os bens penhorados ficam sob a subordinação da Justiça para serem alienados (transferidos ou vendidos) e não podem desaparecer ou serem destruídos. Caso isso ocorra, o responsável designado pode responder criminalmente como depositário infiel.
Efetuado o depósito ou a penhora, as partes têm cinco dias para impugnar o valor da dívida, desde que o juiz não tenha aberto prazo para contestação antes de proferir a sentença de liquidação ou que, aberto o prazo, na forma do § 2°., do artigo 879, da CLT, a parte tenha impugnado satisfatoriamente. O exequente (aquele que tem crédito a receber) pode apresentar um recurso chamado impugnação à sentença de liquidação.
Já o recurso que pode ser interposto pelo executado (aquele que deve pagar o valor que está sendo cobrado) é chamado de embargos à execução. Após decisão do juiz sobre quaisquer desses recursos, é possível ingressar com um novo recurso, chamado de agravo de petição, no prazo de oito dias. Esse recurso é julgado pelo Tribunal Regional do Trabalho correspondente. Recursos aos tribunais superiores no processo de execução trabalhista só são possíveis em casos de violação à Constituição Federal.
A penhora é a apreensão judicial dos bens do devedor para garantia do pagamento de uma dívida. O pedido é emitido pela Justiça e, no campo trabalhista, há regras na Consolidação das Leis do Trabalho e no Código de Processo Civil. Entre os bens que podem ser penhorados estão, por exemplo, veículos e terrenos.
A alienação dos bens penhorados durante a execução trabalhista só ocorre após o trânsito em julgado do processo de execução, ou seja, após decisão final sobre o montante devido, sem que haja qualquer recurso pendente de julgamento ou quando se tenha esgotado o prazo para recorrer sem que qualquer das partes tenha se manifestado. A partir daí, o depósito judicial é liberado para o pagamento da dívida ou o bem penhorado é levado a leilão para ser convertido em dinheiro.
A Lei estabelece uma ordem preferencial de penhora:
Não pode ser penhorado o imóvel único de família, ou seja, o apartamento ou casa onde a pessoa mora não pode ser vendido.
O processo vai para o arquivo provisório até que sejam localizados bens do devedor para pagamento da dívida trabalhista.
Fonte: Tribunal Superior do Trabalho (TST)
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