Acordado como contrapartida aos repasses de recursos bilionários do governo federal a Estados e municípios durante a pandemia, o congelamento do salário de servidores por dois anos seria uma forma de os entes subnacionais terem um alívio financeiro em meio à queda da arrecadação.
Essa economia, entretanto, pode estar ameaçada se o veto ao reajuste for derrubado pelo Congresso. O impacto fiscal apenas ao governo do Estado pode ser superior a R$ 250 milhões em dois anos e abocanhar 25% das transferências diretas da União ao caixa estadual (R$ 224 milhões para saúde e R$ 712 milhões de recursos livres), segundo economistas consultados por A Gazeta.
Nesta quarta-feira, o Senado derrubou a decisão do presidente Jair Bolsonaro de não sancionar trecho do projeto de lei de ajuda financeira aos entes subnacionais que autorizava o aumento salarial para algumas categorias, principalmente as mais atingidas pelo coronavírus.
Para o ES, está previsto o repasse de cerca de R$ 1,5 bilhão para Estado e municípios, em compensação à perda de arrecadação durante a crise, além de um total de suspensão de dívidas superior a meio bilhão de reais. Pela lei, os entes que aderiram ao socorro ficaram proibidos de conceder reajuste aos servidores públicos até o final 2021.
Segundo estudo do Ministério da Economia, a economia com salários no Estado e nos municípios poderia chegar a R$ 1 bi se todas as categorias ficassem sem ter aumento. O número considera uma projeção de crescimento médio da folha de pagamento dos servidores de 5,9% por ano.
A derrubada do veto libera, na prática, reajustes para servidores de setores específicos, como segurança pública, Forças Armadas, peritos, agentes socioeducativos, profissionais de limpeza urbana, de serviços funerários e de assistência social. Também ficam de fora da contrapartida os trabalhadores da educação pública e profissionais de saúde da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios.
Apesar de autorização para ajustar a folha de pagamento, a decisão de conceder ou não o aumento salarial a esses segmentos durante a crise ficará a cargo dos Executivos estadual e municipal, que precisarão enviar projetos de lei ao Legislativo para ter autorização para pagar o benefício.
Somente no Estado, categorias da Educação e Saúde representam cerca de 50% da folha de pagamento. Se fosse aplicado um reajuste linear de 3,5% ao ano, como ocorreu em períodos anteriores à pandemia, o aumento com a folha apenas com esses profissionais seria de R$ 250 milhões entre 2020 e 2021. O gasto, no entanto, pode ser maior se incluir outros segmentos que também serão protegidos do congelamento.
Em maio, o governador Renato Casagrande (PSB) chegou a afirmar, em entrevista à TV Gazeta, que proibir o reajuste era importante em um período de grave crise econômica provocada pelo novo coronavírus. "Neste momento, estabelecermos um limite para o reajuste salarial cumpre o papel dos servidores públicos em uma hora que estamos perdendo receita."
Aprovada por 42 votos contra 30, a derrubada do veto passará por votação na Câmara dos Deputados na tarde desta quinta-feira (20). Somente após essa votação é que a decisão vai ser definitiva no Congresso Nacional.
Questionada se o pacto feito com o governo federal será mantido ainda que o veto seja derrubado no Congresso, a Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz) não respondeu até a publicação desta reportagem, que poderá ser atualizada posteriormente. Já o presidente da Associação dos Municípios do Espírito Santo (Amunes), Gilson Daniel, destacou que, na eventualidade de o reajuste ser liberado, será uma prerrogativa de cada Estado e município. "Mas os municípios não têm condição alguma de fazer isso no momento. Estão em uma situação difícil."
Em um momento em que a maior parte da população enfrenta perda de renda e a dívida pública brasileira se aprofunda como nunca antes, a derrubada do veto ao reajuste salarial de servidores pelos senadores é vista com maus olhos por especialistas.
"Foi uma derrota amarga para o governo e para a população. Se pensarmos que a maioria absoluta das pessoas nesta crise sofreu com perda de seus rendimentos, perderam seus clientes, fecharam seus negócios e a maioria teve uma queda brusca de renda, poderíamos evocar o princípio da igualdade e nos perguntarmos 'qual foi o sacrifício financeiro do funcionalismo público diante de uma crise com esta envergadura?'. É no mínimo vergonhoso o que foi feito", frisou o advogado especialista em Direito Empresarial, Eduardo Sarlo.
Na avaliação da economista e professora da Fucape, Arilda Teixeira, a derrubada do veto pelos senadores reflete a profunda desigualdade existente entre os setores público e privado, que são afetados de maneiras distintas por uma crise incomparável. "Em meio às discussões sobre amparo social à população, não se vê em momento algum iniciativa concreta para cortar os excessos que existem nessa estrutura administrativa do Estado. E pior: ainda se fala em reajuste."
O economista Wallace Milis, especialista em Gestão Pública, considera preocupante a situação criada em momento de rápida escalada da dívida pública. "As contas públicas brasileiras estão em situação de desequilíbrio. Já se estima uma dívida de quase 100% do PIB (Produto Interno Bruto), e é possível que em breve o governo perca sua capacidade de financiamento. Não conseguiram fazer uma reforma da previdência adequada, há risco de aumento na tributação de diversos setores, e agora fala-se em reforma administrativa, mas sequer conseguem colocar uma trava nos reajustes em meio à crise."
Millis destaca, entretanto, que, mesmo dentro do funcionalismo, há discrepâncias. "Se você analisar os cargos do Judiciário, do Legislativo, com o servidor que está na ponta do atendimento ao cidadão, perceberá uma disparidade absurda de rendimentos. Não é o momento para isso, mas, no futuro, o Congresso, deveria agir para trazer um equilíbrio."
No Twitter, o ex-governador do Estado, Paulo Hartung, também fez duras críticas à decisão do Senado de liberar o aumento para alguns setores do funcionalismo.
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