Uma candidata sofreu discriminação por ser mãe durante uma entrevista de emprego no Espírito Santo. Indignada com a situação, Samara Braga, de 32 anos, viralizou nas redes sociais após compartilhar a conversa que teve com o recrutador. Entre as declarações, o homem disse: “Sempre difícil contratar quem tem filhos”.
"Isso aconteceu comigo e ainda estou sem acreditar que exista profissional assim. Muito se fala de como se comportar em entrevista, mas nada se diz sobre o comportamento do recrutador com a gente", destacou.
Samara mora em Cariacica e está desempregada há dois meses, por isso, usa o Linkedin como uma ferramenta de recolocação profissional. A postagem na rede profissional tem mais de 27 mil curtidas, quase 4 mil comentários e mais de 400 compartilhamentos.
O caso aconteceu no início do mês de setembro, quando ela estava concorrendo a uma vaga na área de Recursos Humanos. Para ter uma renda extra, a candidata produz bolos e pudins para vender.
Segundo a candidata, a entrevista com o recrutador estava agendada para às 8 horas, mas ele não apareceu para a conversa on-line. A moça chegou a mandar várias mensagens, mas somente às 11 horas, ou seja, três horas depois, o recrutador a chamou. Em um primeiro contato, o homem havia dito que Samara tinha o perfil ideal para a vaga.
“Organizei toda a rotina da casa e do meu filho de 6 anos para estar disponível no horário marcado. Tentei contato várias vezes, sem sucesso. Quando ele retornou a minha mensagem, já haviam se passado três horas e avisei que não poderia participar da entrevista naquele momento, informando a ele que tinha muitos compromissos”, relata.
Foi quando Samara foi surpreendida com a seguinte resposta: “Posso imaginar a rotina de tantos compromissos de um desempregado”, escreveu o recrutador. Depois de viralizar, Samara recebeu diversas propostas de trabalho em diversos Estados. Agora, ela participa de um processo seletivo de uma empresa de São Paulo que vai começar a operar em Viana em breve.
Além de todos os desafios enfrentados pelas mulheres no mercado de trabalho, as que têm filhos frequentemente enfrentam obstáculos adicionais ao procurarem emprego, conforme ressalta a psicóloga e diretora de Cultura, Liderança e Diversidade do Ibef-ES, Gisélia Freitas.
Segundo ela, essa forma de discriminação é prejudicial não apenas para as mães, mas também para a sociedade como um todo, privando-a de talentos valiosos. Muitos recrutadores e empregadores têm viés inconsciente, pois podem presumir que as mães são menos comprometidas com o trabalho, menos produtivas ou menos dispostas a assumir responsabilidades adicionais.
Gisélia comenta ainda que nosso modelo de trabalho ainda é muito engessado, dificultando mulheres com filhos que precisam de horários de trabalho flexíveis para acomodar suas responsabilidades familiares. Ela lembra que algumas empresas podem não estar dispostas a oferecer essa flexibilidade, o que pode limitar as oportunidades de emprego para essas mulheres.
“A sociedade muitas vezes associa a maternidade com a feminilidade, levando a suposições injustas de que as mães não são tão aptas para posições de liderança ou funções exigentes. Ao contrário do que algumas empresas acreditam, a maternidade traz muitos benefícios para a mulher que está no mercado de trabalho. Empatia, perfil multitarefas, produtividade, relacionamento interpessoal e agilidade são algumas habilidades aumentadas, segundo a mesma pesquisa, observadas em mulheres após a maternidade”, pontua.
Para Gisélia, é necessário ter atenção com as consequências desse tipo de discriminação em processos seletivos, como desigualdade de gênero, perda de talentos e impactos econômicos. Ela argumenta que empresas precisam mudar a cultura organizacional para valorizar o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal e reconhecer que a maternidade não deve ser uma barreira para o sucesso profissional.
“A discriminação em processos seletivos contra mulheres com filhos é uma questão séria que prejudica não apenas as mães, mas também as empresas e a sociedade como um todo. É imperativo que as empresas reconheçam esse problema e tomem medidas para combater o viés inconsciente e promover a igualdade de oportunidades”, pondera.
Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, a legislação trabalhista veda toda a prática de discriminação em qualquer fase do contrato de trabalho, inclusive durante o recrutamento e a contratação.
Na opinião do especialista em Direito do Trabalho e Tributário, sócio do escritório Sarlo & Machado, Guilherme Machado, ocorreu abuso do recrutador, não da empresa, uma vez que, neste momento, não há a constituição de uma relação jurídica entre a empresa e a candidata à vaga.
“É evidente que os candidatos têm diferenças individuais, tanto físicas quanto psicológicas, no entanto, a seleção deverá adotar procedimentos adequados para realizar uma tomada de decisão justa, sem causar danos ao outrem. A lei diz que o preenchimento da vaga deve ser por meio de tratamento respeitoso e isonômico, independente do sexo, raça, cor, origem étnica, classe social e religião e que todo ato discriminatório devidamente comprovado e configurado na tipificação legal é passível de punição, tanto no âmbito criminal como através de reparação no âmbito cível”, comenta.
Machado orienta que, dependendo da gravidade do fato, da discriminação, o candidato poderá confeccionar Boletim Unificado e representar criminalmente em desfavor do ofensor e ainda buscar indenização por danos morais.
O advogado trabalhista Victor Passos Costa ressalta que a lei brasileira ainda é muito fraca na proteção de diferenciação entre homens e mulheres.
“Algumas empresas consideram ruim contratar mulher porque elas engravidam e precisam cuidar do filho. Entretanto, hoje, muitos homens também dividem esses cuidados. As profissionais que se sentirem discriminadas podem entrar com uma ação pedindo indenização por dano moral”, orienta.
A maioria das médias e grandes empresas têm canais internos de denúncias contra assédios, mesmo para quem não tem vínculo com a organização.
Já o Ministério do Trabalho tem uma área própria para o enfrentamento dessas práticas, que é a Coordenação Nacional de Combate à Discriminação e Promoção da Igualdade de Oportunidades no Trabalho.
Neste caso, as denúncias podem ser feitas no e-mail: [email protected].
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