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MPES aponta suspeita de interferência de ex-secretário em fiscalizações de empresa

MPES aponta suspeita de interferência de ex-secretário em fiscalizações de empresa

Investigação do Ministério Público do Espírito Santo se baseia em áudios de empresários, documentos e depoimentos de auditores fiscais

Publicado em 18 de julho de 2022 às 15:53

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Operação Decanter do Gaeco e Sefaz recolheu notas de reais durante a operação
Operação Decanter, do Gaeco e Sefaz, recolheu dinheiro em espécie durante cumprimento de mandados de busca e apreensão. (MPES/Divulgação)

Investigações conduzidas pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES) apontam uma possível interferência do ex-secretário estadual da Fazenda, Rogelio Pegoretti Caetano Amorim, em fiscalizações de empresas suspeitas de envolvimento em uma fraude milionária no comércio de vinho. Entre os indícios levantados, está um ofício assinado por Rogelio suspendendo o bloqueio  de uma distribuidora, que estaria em nome de "laranja".

Consta no relatório de investigação, ao qual A Gazeta teve acesso, que a empresa Real Atacado e Distribuidora foi alvo de um bloqueio preventivo da Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz). Mas dias depois, o então secretário da pasta, Rogelio Pegoretti, decidiu suspender a decisão, contrariando um parecer da área técnica. 

O relatório do MPES considera “que a atuação de Rogelio Pegoretti foi fundamental para a perpetuação da fraude fiscal estruturada”. O mesmo documento destaca que há “indicativo de que Rogelio, durante o período em que exerceu o cargo de Secretário de Estado da Fazenda, teve uma fonte de renda não declarada, provavelmente de origem ilícita”. Acrescenta ainda que há “indícios substanciais da prática do crime de corrupção passiva pelo ex-secretário”.

SUSPEITA DE INTERFERÊNCIAS

A suposta interferência de Rogelio em processos de credenciamento de empresas como substituto tributário de ICMS e em processos de bloqueio cautelar (preventivo) foram informadas em depoimento ao MPES por um auditor fiscal. Uma das provas apresentadas por ele foi o ofício da suspensão do bloqueio de uma empresa, assinado por Rogelio.

Documento da Sefaz assinado por Rogelio Pegoretti suspendendo bloqueio de empresa
Documento da Sefaz assinado por Rogelio Pegoretti suspendendo bloqueio de empresa. (MPES)

Na Operação Decanter - deflagrada na terça-feira (12) para desarticular uma suposta organização criminosa envolvida com a fraude no comércio de vinho - foram localizados áudios de conversas entre empresários. Nas mensagens, eles afirmam que a empresa Real Atacado e Distribuidora, desbloqueada pelo ex-secretário, estava em nome de “laranja”.

O áudio é do dia 15 de julho de 2021 e foi  enviado pelo empresário Otoniel Jacobsen Luxinger para o também empresário Adilson Batista Ribeiro. No relatório das investigações é informado: “Pelo qual se verifica que Elizângela Erlacher é uma 'laranja', sendo eles, juntamente com o investigado Sérgio Ricardo, o Magia, os verdadeiros responsáveis pela constituição e pela gestão da Real Atacado e Distribuidora de Alimentos Ltda”.

O empresário Otoniel relata que vai tirar o nome de Elizângela Erlacher do contrato da empresa. “Eles já arrumaram um outro laranja, aí nós vamos transferir, vamos tirar do nome dela e colocar no nome de um rapaz”, diz. Confira a íntegra do áudio:

O relatório da investigação do MPES informa: “Mesmo com todas as evidências de que se tratava de uma empresa fictícia, que logo depois de entrar em atividade já emitiu milhões em notas fiscais simuladas, o então secretário de Estado da Fazenda determinou, de forma unilateral, o desbloqueio dela (medida absolutamente atípica), para beneficiar o grupo de empresários que, ao que tudo indica, lhe pagava vantagens financeiras ilícitas”.

De acordo com o MPES, a empresa Real Atacado emitiu quase R$ 9 milhões em notas fiscais para empresas pivôs do esquema de sonegação de tributos: Distribuidora Vila Velha; Serra Atacado e New Red. “Não havendo dúvidas, com isso, que a atuação de Rogelio Pegoretti foi fundamental para a perpetuação da fraude fiscal estruturada”, é dito no relatório do órgão.

SERVIDORES AFASTADOS DE SUAS FUNÇÕES

Em seu depoimento, o auditor fiscal também informou que coordenou fiscalizações em empresas do setor atacadista de bebidas, incluindo a empresa Total Mix. Acrescentou que, embora não tenha sofrido nenhum tipo de interferência direta, tem conhecimento que dois auditores que participaram das fiscalizações foram transferidos.

Em outro áudio localizado pela investigação, o empresário Otoniel, dono da Total Mix, fala sobre o assunto e diz que é preciso orientar o então secretário sobre a fiscalização e sobre a troca de servidores. "É preciso colocar na mão de pessoal nosso", diz. O áudio foi enviado para um empresário chamado de Sérgio Ricardo, conhecido como Magia, no dia 4 de março de 2021.

Outro auditor fiscal, ouvido como testemunha na investigação, relata que à época exercia a função de Supervisor de Monitoramento de Ilícitos Tributários. “Tendo ele confirmado que recebeu interferências indevidas do então secretário de Estado da Fazenda, principalmente em fiscalizações referentes a contribuintes do setor de bebidas”, conta no relatório da investigação.

O auditor informou ainda que foi chamado por Rogelio para uma reunião em seu gabinete, quando foi questionado sobre quais seriam os “alvos” da investigação do Ministério Público sobre sonegação fiscal no setor de bebidas, “para saber com quem poderia conversar”.

Aspas de citação

Poucas horas depois dessa reunião, o auditor foi afastado de suas funções pelo então subsecretário de Receita, ao argumento de que sua permanência à frente da Supervisão de Monitoramento de Ilícitos Tributários se tornou 'desconfortável'

Trecho do relatório da investigação
MPES
Aspas de citação

“FISCALIZAÇÕES DIRECIONADAS”, RELATA AUDITOR

Em depoimento, um auditor fiscal relata que no final de 2020 “houve grande insistência” de Rogelio, então secretário de Estado da Fazenda, pela realização de fiscalizações nas empresas Comercial KS Ltda. e Ômega Atacadista e Distribuidora Ltda.

De acordo com a investigação do MPES, Rogelio foi informado de que já havia investigação correlata em andamento e de que as ações poderiam inclusive atrapalhar naquele momento. “Ele insistiu então com o auditor que, diante da plausibilidade da suposta denúncia anônima, aceitou realizar as fiscalizações”, explica o relatório.

O auditor informou em seu depoimento que Rogelio Pegoretti afirmava que tinha conhecimento de que haveria mercadorias vendidas pela Comercial KS Ltda que conteriam etiquetas da Ômega Atacadista e Distribuidora EIRELI dentro de estabelecimentos varejistas.

“Até então desconhecia-se a origem desta informação. Agora os indícios apontam sua participação no esquema fraudulento oferecendo proteção contra o fisco e uso da máquina pública em desfavor dos concorrentes”, disse o auditor.

A investigação aponta que Otoniel, no dia 20 de novembro de 2020, encaminhou áudios ao empresário Sérgio Ricardo dias antes da fiscalização administrativa, solicitando que repassasse ao então secretário “dicas” sobre o que deveriam buscar na auditoria a ser realizada em um supermercado.

“Não coincidentemente, nesse supermercado foram encontradas caixas de vinhos com etiquetas da Ômega Atacadista, cujas notas fiscais foram emitidas pelas empresas “pivôs” Comercial KS e Distribuidora de Bebidas Vila Velha”, é dito no relatório da investigação.

As duas empresas que emitiram as notas  pertencem a Ramon Rispiri Viana, que lidera um grupo de empresários adversário do núcleo empresarial capitaneado por Otoniel, segundo aponta o MPES.

“Portanto, lamentavelmente, não há dúvidas que Otoniel contou com a colaboração direta do então secretário de Estado da Fazenda, Rogelio Pegoretti, para perseguir os seus concorrentes, sendo esta mais uma contrapartida da propina paga por seu grupo criminoso”, momento em que o texto da investigação se refere a uma suposta propina de R$ 750 mil paga a Rogelio Pegoretti, pelos empresários, a fim de que defendesse os interesses do grupo.

Rogelio Pegoretti durante audiência pública na Assembleia Legislativ
Rogelio Pegoretti é ex-secretário da Fazenda do Espírito Santo. (Ellen Campanharo/Ales)

OPERAÇÃO EM CONJUNTO COM A FAZENDA ESTADUAL

A investigação criminal foi viabilizada por meio do Grupo de Atuação Especial de Combate à Sonegação Fiscal (Gaesf), em parceria com a Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz), e com o apoio operacional do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e do Núcleo de Inteligência da Assessoria Militar do MPES.

Juntos deflagraram na terça-feira (12) a Operação Decanter, que resultou na prisão temporária, de cinco pessoas: o ex-secretário e mais quatro empresários. São eles:

Wagney foi liberado da prisão na última sexta-feira (15). Já os outros três empresários e o ex-secretário Rogélio saíram neste domingo, dia 17, Segundo a Secretaria de Estado da Justiça (Sejus).  

Também foram determinados pelo Juízo da Sexta Vara Criminal de Vila Velha outros dois mandados de prisão contra donos de empresas que são considerados foragidos:

Apenas nos últimos quatro anos, essa fraude fiscal gerou um prejuízo ao erário estadual da ordem de R$ 120 milhões, de acordo com estimativas da Secretaria de Estado da Fazenda.

Os trabalhos investigativos começaram em 2020, enquanto o ex-secretário ainda estava no comando da Sefaz. No entanto, a suspeita de envolvimento de Rogelio na fraude milionária só surgiu depois que ele deixou o cargo. Em um primeiro momento, segundo informações do MPES, as apurações estavam direcionadas para as empresas que teriam participação no esquema.

O QUE DIZ A DEFESA DOS INVESTIGADOS

Rafael Merlo Marconi de Macedo, advogado responsável pela defesa de Ricardo Lucio Corteletti, informou que não se manifesta no momento por ainda estar analisando as informações relativas à investigação da Operação Decanter.

A defesa de Hugo Soares de Souza está a cargo de Homero Mafra, que informou que não se manifesta no momento por ainda estar analisando as informações relativas à investigação.

A defesa do ex-secretário de Estado da Fazenda Rogelio Pegorretti Caetano Amorim está sendo conduzida pelo advogado Edson Viana dos Santos. Ele informou que não se manifesta no momento por ainda estar analisando as informações relativas à investigação. A reportagem voltou a fazer contato com ele sobre as novas informações, mas ainda não obteve resposta.

A reportagem tenta localizar a defesa de Otoniel Jacobsen Luxinger, Wagney Nunes de Oliveira, Ramon Rispiri Viana e Adilson Batista Ribeiro, além dos citados Elizângela Erlacher e Sérgio Ricardo, e mantém o espaço aberto para que todos possam se pronunciar.

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