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MPs trabalhistas caducam e criam confusão jurídica para empresas e empregados

MPs trabalhistas caducam e criam confusão jurídica para empresas e empregados

Especialistas explicam como fica a situação de patrões e empregados com a extinção das medidas provisórias que garantiam a antecipação de férias, trabalho em home office e saques do FGTS

Publicado em 30 de julho de 2020 às 05:00

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Carteira de Trabalho e Previdência Social do Ministério do Trabalho
Carteira de Trabalho e Previdência Social do Ministério do Trabalho. (Carlos Alberto Silva)

Desde que a pandemia do novo coronavírus começou, em meados de março, o governo federal elaborou medidas provisórias (MPs) como forma preservar os empregos e aliviar os efeitos da crise para as empresas. 

Uma delas, a MP 927, chegou ao fim no último dia 19 e perdeu a validade. O texto permitia aos empregadores a negociarem diretamente com os funcionários a antecipação de férias, adiamento do pagamento do FGTS, entre outros pontos.

Já MP 936 virou lei (14.020/2020) e teve seus efeitos prorrogados. Neste caso, a legislação instituiu o Programa Emergencial de Manutenção de Emprego e Renda (BEm) durante a pandemia, permitindo a suspensão de contratos de trabalho e a redução de jornadas e salários.

Outra MP, a 946/2020, que autoriza o saque emergencial do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) durante a pandemia, termina no dia 4 de agosto. Se o texto não entrar em votação no Congresso Nacional perde a vigência e pode ameaçar o benefício para o trabalhador que ainda não teve acesso ao dinheiro.

Uma medida provisória é um instrumento com força de lei, adotado pelo presidente da República, em casos de relevância e urgência, como o que estamos enfrentando com a pandemia do novo coronavírus. A prática está prevista na Constituição Federal, no artigo 62. O prazo de vigência é de 60 dias, podendo ser prorrogado uma vez por igual período. O texto, ao ser editado pelo presidente, tem efeitos imediados, mas depende de aprovação do Congresso Nacional para se transformar em lei. Caso não seja votada, a MP perde a validade ou caduca.

O advogado trabalhista Leonardo de Azevedo Sales, do escritório Pinto & Modenesi Advogados Associados, explica que, via de regra, os acordos já firmados durante a vigência da MP 927 continuam valendo.

“Novos acordos baseados na medida, evidentemente, não podem ser pactuados. Interessante observar que a própria MP, diante da excepcionalidade do momento pandêmico vivenciado, ressaltou que os acordos celebrados teriam preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, o que demonstra a importância a ser dada sobre tais instrumentos, desde que respeitada a Constituição. É indispensável conferir segurança jurídica aos acordos firmados, até como forma de resguardar trabalhadores e empregadores”, ressalta.

Segundo ele, isso não impede o empregador de adotar medidas para restabelecer a rotina do seu negócio. O advogado exemplifica que, mesmo com acordo para o teletrabalho firmado na vigência da MP 927, o patrão pode determinar o retorno ao trabalho presencial, desde que notifique o empregado com antecedência mínima de 48 horas.

“Por outro lado, quanto às férias, não é razoável supor que o trabalhador, em gozo de férias em decorrência de acordo firmado com base na MP 927, deverá retornar abrupta e imediatamente ao trabalho, sob o argumento de que a medida perdeu a sua vigência. Deverá gozar as férias até o final do período acordado, o que obviamente será observado para compensar períodos futuros ou eventuais verbas rescisórias”, afirma.

Sobre a Medida Provisória 946/2020, que autoriza o titular a sacar R$ 1.045 das suas contas vinculadas do FGTS, Sales entende que os saques também devem continuar sendo autorizados, conforme cronograma de atendimento da Caixa Econômica Federal.

“O saque foi autorizado e o cronograma já divulgado deverá ser respeitado até o final. Interromper o cronograma de saques em razão de eventual caducidade da MP 946 significaria violar diretamente o consagrado princípio constitucional da isonomia. Para evitar dúvidas, considero importante a edição de decreto legislativo para assegurar e disciplinar os saques autorizados pela MP 946, garantindo tratamento isonômico”, avalia.

Com a perda de validade de algumas medidas provisórias que tratam de questões inerentes ao direito dos trabalhadores, em razão da pandemia do novo coronavírus, o advogado trabalhista Wiler Coelho afirma que muitos questionam o que acontecerá com os atos já praticados que observaram as regras contidas nas referidas MPs.

“Na realidade, o fato é que há uma impossibilidade de serem feitos novos acordos com o que era disposto na MP, antes dela caducar ou perder a validade. No entanto, todos os acordos firmados durante a vigência da MP são válidos, inclusive os efeitos destes acordos, mesmo que sejam posteriores à perda da validade da MP, o que garante a segurança jurídica”, ressalta.

O conselheiro Fiscal do Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis do Espírito Santo (Sescon/ES), Walterleno Maifrede Noronha, lembra que, com base na Constituição Federal, é possível entender que todas as decisões tomadas durante a validade da MP 927 são atos jurídicos que foram realizados com base em uma norma que estava vigente, e portanto, totalmente válida no período específico de 120 dias.

“Para evitar a possível insegurança da validade dos atos realizados, o ideal seria a publicação de um decreto legislativo, o que evitaria inúmeros problemas, pois os atos estariam validados. Mas depender de politicagem nesse momento é complicado. Como outra medida segura, as empresas podem formalizar acordos coletivos com os sindicatos patronais, evitando possíveis conflitos futuros e trazendo uma maior segurança de tudo aquilo que foi praticado”, avalia Noronha.

Ele ressalta que nenhuma medida que estava contemplada na extinta MP 927 poderia ser continuada a partir de 20 de julho, sendo: teletrabalho, antecipação de férias e feriados, banco de horas, suspensão de atestados demissionais e periódicos, dentre outros.

“Infelizmente, mais uma vez a Justiça do Trabalho poderá ser muito demandada para resolver todas as questões sobre esse assunto”, finaliza.

O QUE É UMA MEDIDA PROVISÓRIA

  • As normas sobre edição de Medida Provisória (MP) estão previstas no artigo 62 da Constituição Federal.

  • A MP é um instrumento com força de lei, adotado pelo presidente da República, em casos de relevância e urgência, como por exemplo no combate à pandemia que estamos enfrentando. 

  • Os efeitos são imediatos,  mas depende de aprovação da Câmara e do Senado para que seja transformada em lei.

  • Caso não seja votada, a MP perde a validade.

TRAMITAÇÃO NO CONGRESSO

  • O prazo de vigência da MP é de 60 dias, prorrogável uma vez por igual período.

  • Se ela não for aprovada no prazo de 45 dias, contados da sua publicação, tranca a pauta de votações da Casa legislativa em que se encontrar (Câmara ou Senado) até que seja votada ou perca a validade.

  • Se o texto original for alterado, a MP passa a tramitar como projeto de lei de conversão.

  • Aprovado o parecer na comissão mista, o texto segue para o Plenário da Câmara e, em seguida, para o Plenário do Senado. Depois de aprovada nas duas Casas, a Medida Provisória - ou o projeto de lei de conversão - é enviada à Presidência da República para sanção. O presidente tem a prerrogativa de vetar o texto parcial ou integralmente, caso discorde de eventuais alterações feitas no Congresso.

  • Se a Câmara ou o Senado rejeitar a MP ou se ela perder a eficácia, os parlamentares têm que editar um decreto legislativo para disciplinar os efeitos jurídicos gerados durante sua vigência.

  • Enquanto a pauta da Câmara estiver trancada por Medida Provisória, os deputados só poderão votar alguns tipos de proposição - PECs, projetos de lei complementar, projeto de decreto legislativo, projeto de resolução e projeto de lei que não seja objeto de MP - em sessão extraordinária.

  • É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de MP que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo.

MPS DURANTE A PANDEMIA DO CORONAVÍRUS

No período da emergência em saúde pública devido à pandemia da Covid-19, os presidentes da Câmara e do Senado definiram novas regras de tramitação de MP para nortear os trabalhos legislativos, de forma a dar celeridade ao processo de análise e votação de medidas provisórias. Continuaram valendo, no entanto, os prazos de validade definidos na Constituição Federal.

De acordo com o Ato Conjunto 01/20, o Plenário da Câmara dos Deputados terá nove dias para votar uma MP a partir de sua data de publicação. O parecer da comissão mista será apresentado diretamente em Plenário. No Senado, o prazo para votação será do momento em que a matéria chegar da Câmara até o 14º dia de tramitação, contado da edição da MP. Se os senadores fizerem mudanças que precisam de uma nova votação pelos deputados, estes terão mais dois dias úteis para votar as mudanças. Caso haja a necessidade de prorrogação formal do prazo de vigência de Medida Provisória, caberá à Presidência do Congresso Nacional avaliar sua pertinência.

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Fonte: Câmara dos Deputados

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