A queda no nível dos reservatórios das hidrelétricas do país já ligou um sinal de alerta de que as tarifas de energia elétrica devem subir nos próximos meses. Entretanto, para além da crise hidrológica, fatores políticos também devem fazer a conta de luz dos brasileiros ficar mais cara.
Trechos incluídos na medida provisória (MP) de desestatização da Eletrobras pelo deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), relator da proposta aprovada nesta quarta-feira (19) na Câmara dos Deputados, podem elevar os custos da energia distribuída no país, trazendo um impacto de cerca de R$ 20 bilhões por ano aos consumidores.
As mudanças, que criaram polêmica no setor elétrico e até mesmo entre os técnicos do governo, incluem, por exemplo, a contratação obrigatória de 6 mil megawatts de termelétricas a gás em diversas regiões do país, um tipo de energia muito mais cara que a hidrelétrica.
O texto também prevê que o governo compre mais energia das pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), além de prorrogar os contratos com usinas eólicas no âmbito do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa).
Para manter os “jabutis”, Nascimento retirou do texto outros trechos controversos como o que dava à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) o poder de interferir no mercado de energia de modo a evitar concentração de mercado, podendo fazer isso não apenas no caso da Eletrobras, mas em todas as empresas do setor elétrico.
Na visão de analistas, os benefícios para o mercado e para os consumidores com a privatização da principal estatal do setor elétrico brasileiro acabariam sendo mínimos diante dos prejuízos criados pelas novas exigências, que podem até mesmo atrasar a retomada da economia.
O presidente executivo da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), Reginaldo Medeiros, observa que o texto original, enviado pelo governo ao Congresso, de fato beneficiava o setor, mas a introdução dos novos dispositivos que nem sequer estão ligados à privatização da Eletrobras foi um erro que pode resultar em prejuízos gigantescos, não apenas para o consumidor comum, mas também para as empresas.
Ele chama atenção, por exemplo, ao fato de que parte dos recursos que a nova Eletrobras precisará destinar às contas de luz por meio da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) deverá beneficiar apenas parte dos consumidores.
A vantagem não é estendida, por exemplo, àqueles que consomem energia no mercado livre, onde a contratação é feita diretamente junto ao gerador. Essa falta de isonomia, Medeiros aponta, pode desorganizar ainda mais o mercado.
O diretor técnico da Associação Brasileira de Grandes Consumidores de Energia (Abrace), Fillipe Soares, pontua que o mero surgimento da Eletrobras foi uma questão delicada, pois a empresa foi construída a partir de despesas, que, durante décadas, foram financiadas pelos consumidores.
“O consumidor pagou alíquotas acima da tarifa durante muitos anos para financiar a criação da empresa, e veio a MP, que tratava da capitalização da Eletrobras, da diminuição da participação do governo na estatal, e previa até uma desoneração tarifária nesse processo, o que é considerado algo importante, ainda mais em um momento que a Aneel projeta aumentos tarifários que podem chegar a quase 20% ao ano. Mas, de uma hora para outra, foram adicionadas essas mudanças, que vão elevar ainda mais as tarifas caso se concretizem.”
Soares afirma que a mera contratação de termelétricas em quantidades e locais já definidos, em que não existe a estrutura necessária, pode resultar no aumento de custo a todos os consumidores em R$ 20 bilhões por ano.
“São exigências criadas sem estudo técnico, com pouquíssimo tempo para avaliação, e que podem resultar em um impacto da ordem de 10% da tarifa para o consumidor residencial e empresarial, e, para a indústria, pode refletir em 20% de aumento da energia, num momento em que já existe dificuldade para manter os negócios funcionando.”
O diretor técnico da Abrace reforça que há anos o país enfrenta elevações subsequentes no preço da energia, até mesmo em função das questões climáticas. Os anos de 2012 a 2019, principalmente, foram críticos. Nos últimos meses um novo período de estiagem se alastrou pelo país, levando a Aneel a classificar o momento como sendo a pior crise hidrológica em 91 anos.
Com a elevação da energia para o setor industrial, por exemplo, os custos de produção ficam mais caros, e, como reflexo, aumenta o preço dos mais diversos produtos, como alimentos, que consomem cada vez mais o orçamento das famílias.
Ele complementa: "Foi feita uma discussão de um dia e, se isso se transformar em lei, vai ser muito mais difícil reverter. Vai agora para o Senado, mas já houve indicação de apoio do líder do governo para aprovação do texto. A expectativa é que voltem à discussão do texto original. Do contrário, estaremos em problemas.”
*Com informações da Agência Estado
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