O governo federal divulgou nesta segunda-feira (28) a proposta para o novo programa social que substituirá o Bolsa Família. Em poucas horas, o projeto do Renda Cidadã que antes era chamado de Renda Brasil foi alvo de críticas, não pela ampliação da ajuda financeira à população mais pobre, mas sim pela maneira como o governo pretende financiar essa despesa extra.
Segundo o senador Márcio Bittar (MDB-AC), que participou da reunião de apresentação da proposta com o presidente Jair Bolsonaro e o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), há previsão de duas fontes de receita.
Uma delas é o Fundeb (Fundo Nacional da Educação Básica), que teria 5% dos novos recursos destinada ao programa social. Hoje, o fundo é o principal mecanismo de financiamento federal da educação básica.
A outra são os precatórios, ou seja, o recurso que o governo destina anualmente para pagar indenizações a empresas e pessoas físicas determinadas pela Justiça. A ideia é que esse montante fique limitado a 2% da Receita Corrente Líquida, que é o somatório que de tudo que o governo recebe sob forma de imposto deduzido das transferências previstas na Constituição. O que ultrapassar os 2% também iria abastecer o Renda Cidadã.
Para especialistas, os meios de financiamento do novo programa federal fere preceitos jurídicos e lesa parte da população, seja atrasando ainda mais o pagamento dos precatórios, direito já concedido pelo Judiciário, seja privando a Educação de parte de seu financiamento.
"Entendo que essa medida fere algumas disposições legais e até preceitos de natureza constitucional, na medida em que os precatórios são uma ordem de pagamento que deriva de ação judicial que o cidadão ganhou em face da União. Quanto ao Fundeb, o Brasil é tão carente em investimento em educação e o calendário orçamentário que destina verba para essa área não pode ser violado", avalia advogado e especialista em Direito Público Eduardo Sarlo.
A economista e professora da Fucape Arilda Teixeira afirma que, com a proposta, o presidente mostra desprezo pela responsabilidade fiscal e dá um "carrinho por trás" na política econômica. A expressão foi usada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, após ser criticado por Bolsonaro pelas proposições anteriores de financiamento do programa social, quando ainda era chamado de Renda Brasil.
"Bolsonaro descobriu que os pobres também são eleitores, também votam, também avaliam governo. Ele resolveu então garantir esse beneficio e, para fazer isso, está passando por cima dos limites fiscais. O benefício que esse gasto pode trazer em relação aos menos favorecidos pode ser anulado com o custo que o desequilíbrio fiscal traz. Se furar o teto do gasto, a política econômica para", avalia.
Em poucos minutos, a proposta também foi alvo de críticas por parte da cúpula do Congresso. À Folha, auxiliares do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), consideram que financiar o programa com recursos destinados ao pagamento de precatórios é inadmissível e classificaram a medida como calote.
Além disso, disseram considerar que o uso de recursos do Fundeb para abastecer o programa desrespeita o teto de gastos. Isso porque o dinheiro do Fundeb não está sujeito a esse limite.
Pelas redes sociais, o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, chamou os meios escolhidos pelo governo para financiar o Renda Cidadã de "manobra" para "esconder fuga do teto de gastos".
Bittar, que é relator do Orçamento do ano que vem, disse que as regras serão incorporadas à PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Emergencial, que traz medidas do pacto federativo e de ajuste fiscal. Ele também é o relator desse texto.
Com o Renda Cidadã, Bolsonaro tem buscado sustentar seu recente aumento de popularidade na esteira do auxílio emergencial criado na pandemia da Covid-19.
Veja abaixo o que já se sabe sobre o projeto de cria o programa Renda Cidadã:
Segundo o governo, o Renda Cidadã terá mais beneficiários que o Bolsa Família, pois incluirá os brasileiros mais pobres, chamados de "invisíveis", e que não constam atualmente em nenhum dos cadastros de programas sociais do governo. Essa parcela da população foi "descoberta" a partir do pagamento do auxílio emergencial. O Bolsa Família atende atualmente a 14,28 milhões de famílias no Brasil.
O Orçamento do Bolsa Família para 2021 está previsto em R$ 34,9 bilhões. Segundo entrevista de Bittar ao Estadão, "a proposta que foi desenhada traria pelo menos R$ 30 bilhões a mais". Ou seja, com a reformulação, o valor gasto pela União pode passar dos R$ 60 bilhões no próximo ano.
A proposta do governo é que o Renda Cidadã seja bancado parte com dinheiro hoje destinados ao pagamento de precatórios e parte com recursos do Fundeb. Especialistas questionam a legalidade dessas fontes.
A expectativa é que o valor recebido por cada beneficiário fique entre R$ 200 e R$ 300, segundo entrevista de Bittar para o colunista do G1 Gerson Camarotti. Esse valor, contudo, ainda não foi anunciado oficialmente. Inicialmente, quando o programa ainda se chamava Renda Brasil, Bolsonaro planejava que o benefício tivesse valor de R$ 300. Integrantes da equipe econômica disseram que, para chegar nessa cifra, deveriam ser feitos cortes em outros benefícios sociais, o que desagradou ao presidente. No dia 15 de setembro, ele chegou a dizer que estava proibido se falar de Renda Brasil no governo, mas retrocedeu e mudou o nome do programa.
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