Contrair dívidas pode se tornar um ciclo vicioso para muitos consumidores. Na tentativa de pagar os créditos que tomaram, acabam fazendo novas dívidas, cada vez mais comprometendo a renda. Por quase 10 anos, o Congresso Nacional debateu um Projeto de Lei para criar regras para prevenir o superendividamento dos consumidores, e neste mês ele foi aprovado.
O texto, que passou pelo Senado Federal em 9 de junho, além de prevenir que esses consumidores caiam em práticas enganosas, também garante que as dívidas possam ser negociadas de forma justa. A intenção é garantir o pagamento dos débitos, mas ainda assegurando que o cliente tenha uma renda mínima para se sustentar.
O projeto altera o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto do Idoso. Ele permite ao cliente, por exemplo, desistir de contratar empréstimo consignado dentro de sete dias sem indicar o motivo. Para os consumidores que já estão superendividados, o texto garante que as dívidas possam ser negociadas com todos os credores ao mesmo tempo, como uma "recuperação judicial".
O advogado especialista em Direito do Consumidor, Raphael Câmara, afirma que a aprovação é uma conquista para os consumidores no país.
A proposta agora aguarda a sanção do presidente da República. Entenda melhor como funciona o processo e quais as principais novidades da lei:
O projeto de lei protege os consumidores mais vulneráveis como idosos, analfabetos e crianças. O texto tem como objetivo não só prevenir que essas pessoas se endividem, como também estabelecer maneiras para que os superendividados possam quitar as dívidas.
O advogado explica que esse público não tem mais capacidade financeira de pagar o que deve com a própria renda, seja porque a soma dos débitos supera o rendimento mensal ou porque o dinheiro que sobra não é suficiente para a sobrevivência do consumidor.
“O superendividamento varia de caso a caso. Para muitos seria possível sobreviver com R$ 2 mil mensais, por exemplo. Mas, para um aposentado que, além das dívidas, tem algum tipo de doença que necessita de medicamentos, consultas médicas, cuidados especiais, esse valor pode não ser suficiente”, diz o especialista.
1. COMO FUNCIONA O PROCESSO?
A ideia é tentar um acordo entre o consumidor e todos os credores dele (pessoas e empresas que têm algo a receber) através do processo de repactuação das dívidas.
Em reunião com a presença de todos, que pode ser feita tanto pelos Procons, quanto pela Justiça, o consumidor poderá apresentar um plano de pagamento.
O processo é o mesmo independente das dívidas do consumidor, que terá até cinco anos para quitar os valores. Segundo o advogado, a repactuação deve ser feita garantindo que 65% da renda não seja comprometida.
2. QUE DÍVIDAS PODEM SER NEGOCIADAS?
Segundo a gerente do Procon de Vitória, Denize Izaita, podem ser negociadas dívidas de cartão de crédito, crédito consignado, empréstimo pessoal, contas de água e luz, entre outras. A exceção são as dívidas que o consumidor tenha feito intencionalmente, como financiamento imobiliário e crédito real, por exemplo.
3. PROCURAR O PROCON
Antes de ir à Justiça pedindo um plano de pagamento por acordo com os credores, o consumidor tem acesso a uma fase de conciliação com os órgãos de defesa do consumidor, como os Procons.
Esse tipo de atendimento especial é facultativo por parte desses órgãos, mas segundo Denize, o Procon de Vitória já vai aderir aos procedimentos.
“É um processo parecido com os mutirões que o Procon vem fazendo. A diferença é que agora é proposta uma reunião com todos os credores, e pela lei eles são obrigados a participar e a parcelar as dívidas do consumidor”, explica.
A partir de julho, o Procon da Capital deve inaugurar o Núcleo de Tratamento aos Superendividados, que vai permitir que mais processos possam ser resolvidos.
4. ENTRAR NA JUSTIÇA
Caso as dívidas não possam ser negociadas pelo Procon, os consumidores têm mais dois caminhos: o site consumidor.gov.br ou a Justiça estadual.
Pelo site, os consumidores precisam se cadastrar e também se atentar à lista de empresas participantes que se voluntariam a resolver os problemas apresentados. Nesse caso, todo o processo pode ser feito de maneira digital.
Já pela via judicial, qualquer empresa pode ser intimada para participar da repactuação das dívidas e, com a sanção da Lei, se torna obrigatória a participação de todos os credores.
Da mesma maneira, as conversas têm que acontecer preservando o “mínimo existencial” do salário do devedor.
5. PRECISO DE UM ADVOGADO?
Tanto no Procon, quanto na Justiça, os próprios consumidores podem entrar com o processo de negociação das dívidas.
Contudo, o advogado Rafael Câmara orienta aqueles que tiverem dívidas acima de R$ 20 mil a procurar a Defensoria Pública para conseguir um representante que atue como administrador do processo judicial.
6. QUAIS DOCUMENTOS SÃO NECESSÁRIOS?
É necessário ter em mãos os comprovantes das dívidas, como boletos, contratos ou guias de pagamento. Para os assalariados ou aposentados, vale levar o contracheque. No caso de trabalhadores informais, pode ser utilizada a declaração do Imposto de Renda, explica o advogado Raphael Câmara.
A lei também prevê novas regras contra o assédio das empresas de crédito, que acaba ocasionando em contratações de dívidas por impulso, sem o devido entendimento do que está sendo ofertado. Para o advogado especialista em Direito do Consumidor, as novas regras são um passo importante para quebrar o ciclo de endividamento.
“Sempre que os bancos ampliam o crédito, as pessoas entendem que elas têm mais poder de consumo e as dívidas aumentam. É assim também com os anúncios ofertando dinheiro 'sem juros’ ou ‘sem taxas’. A lei prevê a proteção dos consumidores a essas propagandas enganosas e impede novas dívidas”, esclarece Câmara.
Os consumidores que foram assediados a pegar um novo empréstimo podem denunciar? A Gerente do Procon de Vitória, Denize Izaita, garante que sim.
As obrigações que as empresas precisam seguir:
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta