Para custear o Auxílio Brasil (que deve voltar a se chamar Bolsa Família) em 2023, o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tenta aprovar no Congresso uma alteração na Constituição, permitindo que o governo federal gaste até R$ 198 bilhões fora do teto de gastos no próximo ano.
O teto nada mais é do que um regime fiscal criado no final de 2016, durante o governo Michel Temer, para frear o endividamento da máquina pública — que naquela época alcançava cerca de 70% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.
A Emenda Constitucional 95, aprovada naquele ano, limitou o crescimento das despesas ao crescimento da arrecadação, corrigido pela inflação.
Pela regra, apenas algumas despesas específicas, como transferências constitucionais e recursos para enfrentamento a situações de calamidade pública, por exemplo, estão isentos desse limite.
Em teoria, o teto serve para equilibrar as contas públicas, conforme observa o professor doutor da Fucape João Eudes Bezerra Filho, especialista em Contabilidade e Controladoria Governamental e auditor de controle externo do Tribunal de Contas de Pernambuco.
“Lá em 2016, foi criado como um ato transitório, para tentar limitar o aumento de gastos do setor público federal. Foi uma medida bastante elogiada porque a dívida vinha crescendo a cada ano e isso poderia se tornar insustentável. Nenhum país sobrevive a essa evolução da dívida pública por muito tempo.”
A despeito disso, ele observa que a regra é vista com ressalvas por alguns entes políticos e as solicitações para criar despesas fora do teto de gastos não são novidade.
De acordo com um levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV IBRE), feito a pedido da BBC News Brasil, os gastos do governo Bolsonaro acima do teto somam R$ 794,9 bilhões de 2019 a 2022.
A maior parte do montante foi empregado em 2020, quando o Congresso autorizou a realização de amplas despesas fora do limite constitucional de gastos para ações de enfrentamento à pandemia de Covid-19, mas a questão vai muito além.
“O governo esbarrou no teto algumas vezes e começou a tentar mexer nos precatórios, as despesas que se excederam além do normal nos anos anteriores. Ele excluiu essa despesa do teto, abrindo margem para pagar por outros benefícios e outras despesas. Agora vem essa PEC (de Transição), que segue a mesma lógica, excluindo despesas do teto para gastar mais.”
Ao passo que considera válidas as medidas sociais propostas, o especialista pontua que excluir do teto um montante tão expressivo quanto os R$ 175 bilhões que se pretende investir no custeio do Bolsa Família pode acabar resultando em prejuízo ainda maior, inclusive para as famílias de baixa renda.
Eudes considera que o teto não deve ser um modelo tão rígido quanto o atual, que é preciso haver uma flexibilização. Entretanto, defende a necessidade de responsabilidade fiscal, de modo que as despesas da máquina pública permaneçam sob controle.
"É uma discussão que não está sendo feita. Estão colocando o social como prioridade, e concordo, mas tem que ser feito com responsabilidade. Não acho que vão conseguir, daqui até o final do ano, criar um novo marco fiscal. Não é simples assim."
Em nota técnica publicada no início de novembro, o Instituto Millenium, que reúne economistas e formadores de opinião, avaliou que se a intenção for manter o valor do benefício em R$ 600 e conservar condições econômicas favoráveis, a estratégia mais adequada seria realizar cortes de despesas com custo político relevante.
“Caso o governo realmente opte por manter o reajuste do Auxílio Brasil em 2023, seria necessário realizar cortes de despesas em outras áreas, todas elas com custo político, como cancelar o reajuste de salários dos servidores públicos e cessar as desonerações tributárias. Essas duas medidas abririam espaço orçamentário de R$ 97 bilhões, o que viabilizaria o aumento do auxílio”, informou a nota.
Para o instituto, caso não seja tomada nenhuma medida econômica sustentável, a manutenção de um benefício assistencial de R$ 600 no próximo ano pode implicar em complicações às contas públicas do país, com aumento da dívida pública.
É uma regra que estabelece um limite anual de gastos para os três poderes, buscando evitar que as despesas ultrapassem a arrecadação da União.
Apelidado de Novo Regime Fiscal, o teto foi criado pelo governo Michel Temer, a partir da Emenda Constitucional nº 95/2016. A medida tinha como objetivo principal frear o crescimento da dívida pública, cujo valor bruto chegava a 70% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.
O texto estabelece que os gastos federais só poderão aumentar de acordo com a inflação acumulada, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do ano anterior. Ou seja, a regra limita os gastos públicos para evitar que cresçam mais que a inflação.
Entram no cálculo do teto as despesas primárias dos poderes Executivo, Legislativo, Judiciário; Ministério Público da União e Conselho Nacional do Ministério Público; e Defensoria Pública da União.
Isso inclui pagamento de salários de servidores, aposentadorias, compra de materiais e equipamentos, investimentos em obras, benefícios sociais, entre outros. Basicamente, os gastos para custeio da máquina pública.
Via de regra, ficam fora da base de cálculo do teto:
As solicitações para criar despesas fora do teto de gastos não são novidade. De acordo com um levantamento do economista Bráulio Borges, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV IBRE), feito a pedido da BBC News Brasil, os gastos do governo Bolsonaro acima do teto somam R$ 794,9 bilhões de 2019 a 2022.
Essa flexibilização do teto, entretanto, começou ainda no primeiro ano de governo, com a aprovação da Emenda Constitucional nº 102/2019, que permitiu que transferências para Estados e municípios relacionadas à repartição da cessão onerosa do pré-sal fossem deixadas fora do limite fiscal.
Em 2021, duas emendas constitucionais (nº 113, chamada inicialmente PEC dos Precatórios, e nº 114/2021), mudaram as regras para pagamento das dívidas do setor público reconhecidas pela Justiça, driblando os limites fiscais impostos pelo teto.
Já em 2022, nos meses que antecederam a eleição, os furos impulsionaram, sobretudo, a expansão de benefícios sociais, que era uma das apostas de campanha para tentar impulsionar a reeleição de Bolsonaro.
Ao passo que já declarou ter planos de criar um novo regime fiscal em substituição ao teto de gastos, durante a transição governamental o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já tenta aprovar uma emenda constitucional retirando o programa Auxílio Brasil – que deve voltar a se chamar Bolsa Família – do teto de gastos.
O foco principal, entretanto, é o programa assistencial. A proposta de orçamento atual, enviada ao Congresso pelo governo Bolsonaro (PL), prevê a destinação de R$ 105 bilhões ao Auxílio Brasil em 2023, dentro do teto.
Contudo, o montante não seria suficiente para manter o benefício no valor atual (R$ 600), como planejado pelo atual presidente e prometido também por Lula, que quer ainda incluir um adicional de R$ 150 a mais por criança de até 6 anos na família, seguindo um modelo semelhante ao do programa assistencial anterior. Para isso, seria necessário ampliar o orçamento em pelo menos mais R$ 70 bilhões.
Diante disso, a meta do governo eleito é conseguir manter a totalidade (R$ 175 milhões) dos gastos com o programa fora do teto fiscal, de modo que os R$ 105 bilhões já reservados fossem utilizados em outras ações, como, por exemplo, o financiamento do programa Farmácia Popular e a realização de obras públicas.
Além disso, o próximo governo também tenta uma licença para gastar uma parte de eventuais receitas extraordinárias com investimentos fora do limite constitucional, montante que pode chegar a R$ 23 bilhões em 2023. Assim, a soma dos gastos fora do teto pode chegar a R$ 198 bilhões.
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