Há quem lembre de comprar uma barra de chocolate e ainda ver o produto sobrar para mais tarde. E há também quem recorde desses produtos com tamanhos que chegavam a até 200 gramas. Não, isso não é um Efeito Mandela — ou seja, uma memória falsa e coletiva. A diminuição acontece anualmente com os chocolates e é chamada de reduflação.
Para saber o que é a reduflação, basta separar a palavra em duas partes: “redu” vem de reduzido e “flação”, de inflação. Assim, fica mais claro para entender que se trata do fenômeno de reduzir a quantidade do produto ou utilizar ingredientes mais baratos para manter ou aumentar o preço.
De acordo com a coordenadora do programa de serviços financeiros do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim, a prática é mais frequente nos momentos em que a inflação está em alta.
“A indústria, para não criar uma relação direta com o aumento do preço, o que faz? Recorre à reduflação. É como se estivesse dizendo que não está tendo aumento de preço. Mas, se está tendo redução de quantidade, então existe um aumento. É uma forma de mascarar a realidade sobre essa questão”, explica Ione.
Nas principais fabricantes de chocolates, como a Nestlé, Garoto e Lacta, a evidência da redução dos produtos pode ser encontrada nas embalagens, devido às exigências do Código de Defesa do Consumidor.
No código, consta que a redução de tamanho dos produtos por parte das empresas precisa estar em destaque na embalagem. O artigo 6º estabelece que a informação ainda deve estar clara e objetiva para que o consumidor tenha o direito de escolha.
Nas embalagens da Nestlé, por exemplo, é possível ver o encolhimento em alguns tabletes regulares de 90g para 80g, como Nestlé Classic Ao Leite, Prestígio, Classic Duo e Meio Amargo.
Em relação à Chocolates Garoto, A Gazeta realizou pesquisas no acervo para uma maior comparação desse fenômeno nos tabletes durante os anos.
Em 2014, a barra de chocolate Garoto Ao Leite tinha 150g. Atualmente, o mesmo produto tem 90g. Ou seja, reduziu 60g em oito anos. Arraste o cursor na imagem abaixo para ver a variação no tamanho do tablete.
Contudo, não foi só este produto que encolheu. O peso do Alô Doçura, Crocante, Caju e Passas também ficou menor ao longo dos anos.
Segundo Nestlé e Garoto, a adoção de novos formatos e tamanhos dos produtos tem como objetivo acompanhar as tendências de mercado e garantir a adequação a inovações tecnológicas, a fim de manter a competitividade entre as marcas.
“As alterações estão em conformidade com a legislação vigente, respeitando os princípios do Código de Defesa do Consumidor, e seguem comunicadas de forma clara no painel frontal da embalagem, com o alerta de novo peso e a especificação da quantidade reduzida, para que o consumidor possa identificar facilmente a mudança”, afirma.
Na marca Lacta, a prática pode ser observada nos produtos Diamante Negro, Shot e Chocolate Branco, entre outros que nos últimos meses passaram de 90g para 80g.
Essa fabricante também explicou o motivo da diminuição de seus produtos, reforçando que “é parte da estratégia focar em inovações com o objetivo de construir um portfólio de qualidade em diferentes formatos, tamanhos e preços, para atender às necessidades do consumidor em diversas ocasiões”.
E essa é só a mudança mais recente. Retornando aos anos 1990, é possível ver que já existiram barras com 200g. Como exemplo, estão alguns dos clássicos da marca que são vendidos até hoje, como o Diamante Negro e Chocolate Branco.
A Mondelez International, que detém várias marcas de chocolate além da Lacta, como 5 Star, Milka, Toblerone e Alpen, explica que o portfólio é diversificado para atender a diversos momentos. Afirma ainda que há uma opção maior, de 165g, disponível à venda.
A Mondelez International possui um portfólio diversificado, com foco em entregar o snack certo, para o momento. Dentro deste cenário, Lacta conta com um portfólio amplo para atender diversas ocasiões de consumo: para compartilhar com a família (165g), para degustar e presentear alguém especial (80g) e até versão unitária para alegrar o dia (34g). Em outubro de 2022, inclusive, a versão individual passou de 20g para 34g, com novo formato que traz mais chocolate por mordida, oferecendo uma experiência superior para o consumidor. A companhia reforça que é parte da estratégia focar em inovações com o objetivo de construir um portfólio de qualidade em diferentes formatos, tamanhos e preços, para atender os diversos momento de consumo.
Fundada no século 19, a Hershey's, já era consolidada no mercado internacional quando chegou ao Brasil em 1998, segundo informações disponíveis em seu site oficial. A fabricação de barras de chocolates da marca por aqui, contudo, começa apenas em 2001, com a aquisição da Io-iô Cream e sua fábrica em São Roque, São Paulo.
A embalagem mais antiga encontrada é de 2013. Na época, a barra tinha 130g. Em 2021, o tablete de mesmo sabor aparecia em anúncios de supermercados já com um design diferente, informando uma redução do tamanho de 115g para 92g. Atualmente, a embalagem passou por nova repaginada no visual, mas segue disponível à venda com 92g.
A Hersheys's atribuiu a diminuição do tamanho à oscilação econômica e ao aumento de custo das matérias-primas. A resposta enviada pela empresa pode ser lida, a seguir.
Essa estratégia é adotada devido à grande oscilação econômica. O custo das matérias-primas aumentou consideravelmente, impactando diretamente as indústrias. A Hershey's tomou a decisão de diminuir o peso para evitar o aumento do preço final ao consumidor, mantendo a mesma qualidade dos seus chocolates.
Quem também diminuiu o tamanho de suas barras foi a marca gaúcha Neugebauer, fundada em Porto Alegre (RS) pelos imigrantes alemães Franz Neugebauer e Max Neugebauer. Os produtos, que já chegaram a ser vendidos com 180g, agora são encontrados com 90g.
A reportagem de A Gazeta tentou contato com a Neugebauer por diversos canais. Não houve retorno por e-mail, nem pelo Fale Conosco do site ou pelos perfis nas redes sociais. Por telefone, foi informado que a resposta seria enviada pelo setor de marketing da empresa. Contudo, em todas as tentativas, a ligação caiu durante a transferência para o setor. O espaço segue aberto para o pronunciamento da marca.
Para tirar algumas dúvidas sobre o fenômeno da reduflação, a especialista Ione Amorim e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) responderam alguma perguntas.
"As empresas precisam manter num período de até seis meses, em destaque, de que houve uma redução proporcional de quantidade naquela embalagem”, explica Ione Amorim.
É possível fazer uma denúncia através de um Procon ou na própria plataforma da Secretaria Nacional do Consumidor, que é o consumidor.gov.br. Ou ainda pode procurar o SAC da empresa.
“Não. Porque, na verdade, quando a gente fala da mudança no tamanho da embalagem, isso é uma responsabilidade da indústria", aponta Ione Amorim.
De acordo com o Idec, a empresa que descumprir essa regra tem que pagar. E a multa pode chegar a quase R$ 10 milhões.
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