Acostumada a julgar casos envolvendo reconhecimento de vínculo empregatício, horas extras e assédio moral, a Justiça do Trabalho, por vezes, precisa analisar algumas situações inusitadas. Um exemplo recente envolve o pedido de indenização feito por uma funcionária, que foi forçada a gravar vídeos com dancinhas para o TikTok.
O caso foi parar na Vara do Trabalho de Teófilo Otoni, em Minas Gerais. O juiz Fabrício Lima Silva considerou que o uso indevido da imagem da empregada e o conteúdo vexatórios dos vídeos causaram-lhe sofrimento, angústia e exposição indevida. A trabalhadora atuava em uma loja de móveis e, na ocasião, ainda estava grávida. Ela vai receber uma indenização de R$ 12 mil por direito de imagem.
A defesa da loja afirmou que os vídeos foram postados na rede social particular do sócio-proprietário da empresa, sem finalidade comercial ou conexão com sua página de vendas. Reconheceu que alguns empregados participaram dos vídeos, mas disse que a participação foi voluntária, sem ameaças ou outra forma de assédio.
A vendedora atuou na loja de 2020 a 2022 e, na Justiça, afirmou que trabalhou sem registro em carteira entre os meses de maio de 2020 a fevereiro de 2021. O juiz destacou que a Constituição Federal assegura a devida proteção à imagem e aos dados pessoais dos cidadãos, com a previsão de devida indenização em caso de violações. Além disso, ele ressaltou que a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) estabeleceu fundamentos importantes para o tratamento de dados pessoais no país.
Sócia do escritório Motta Leal & Advogados Associados e advogada especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, Patrícia Pena da Motta Leal avalia que casos como esse têm aumentado, pois a variedade de redes sociais, o nível de exposição e a busca por publicidade no meio digital estão crescendo.
Patrícia Pena da Motta Leal
Advogada
"A empresa só tem direito a usar a imagem dos funcionários mediante autorização expressa para essa finalidade. Ainda deve observar que o uso da imagem deve ser de forma que não gere situações vexatórias ou algum constrangimento, respeitando assim a honra dos empregados e evitando também reclamações trabalhistas com pleito de indenização por danos morais"
O advogado especialista em Direito do Trabalho Guilherme Machado complementa que para ambos (patrões e empregados) os limites são similares, isto é, devem manter cautela em relação à exposição, não prejudicando a imagem da empresa perante terceiros, bem como não expondo o colaborador a situações vexatórias e humilhantes que possam afetar sua imagem e honra.
Com o atual cenário tecnológico, é necessário que as empresas se adaptem, com a confecção de contratos de trabalho que contenham cláusulas contratuais claras e específicas quanto à participação dos colaboradores nas redes sociais, conforme observa Machado.
“Nenhuma participação deve ser imposta. Ao contrário, o participante deve se inscrever de forma voluntária para a respectiva exposição nas redes sociais do empregador. No ato da contratação, é necessário que o empregador apresente ao trabalhador essa possibilidade de participação nas redes sociais. O trabalhador poderá optar por sua inclusão ou não”, elenca.
Lei Geral de Proteção de Dados
A utilização indevida de imagem do trabalhador pelo empregador, sem o seu consentimento livre, informado e inequívoco, é uma prática que fere a Lei Geral de Proteção de Dados e o Código Civil, conforme ressalta o advogado Felipe Lima, especialista em Direito Digital no escritório da Brum Kuster, Marques e Fragoso Advogados.
A legislação, segundo ele, estabelece regras claras sobre coleta, armazenamento, tratamento e compartilhamento de dados pessoais, inclusive imagens. Sendo assim, a postagem de vídeos e fotos de colaboradores em redes sociais configura tratamento de dados pessoais, sendo necessário o seu consentimento para tal finalidade, sob pena de sanções na esfera administrativa (inclusive multas) e judicial (pagamento de indenização por eventuais danos morais e materiais).
Felipe Lima
Advogado
"O objetivo da legislação não é inviabilizar a utilização de imagem do colaborador ou colocar algum tipo de trava na operação. A lei objetiva deixar claro para o titular (nessa hipótese, o próprio trabalhador) como os seus dados serão utilizados, colocando na mesa as cartas do jogo para que o trabalhador decida se concorda ou não com o tratamento para essa finalidade específica"
O advogado atuante na área trabalhista Gabriel Pimentel alerta ser de extrema importância que a empresa tenha um termo de consentimento escrito em que o empregado autorize expressamente o uso da sua imagem. Esse consentimento expresso, conforme o advogado, é convalidado quando o empregado se dispõe a participar de campanhas internas, de fotos de treinamentos, divulgações em mídias sociais, entre outras condutas que reafirmem sua disponibilidade e seu interesse de permitir o uso de sua imagem e de sua voz pela empregadora.
“Além disso, ainda que haja o consentimento do empregado, é preciso que essa participação não o exponha a situações vexatórias ou humilhantes, como propagandas de cunho sexual ou discriminatório”, recomenda.
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