Com preços defasados ante ao mercado internacional e parte das iniciativas propostas por Jair Bolsonaro (PL) para aliviar o preço dos combustíveis chegando ao prazo final de validade, o valor cobrado pelos produtos volta a ser motivo de preocupação, inclusive para o governo eleito, que estuda a possibilidade de alterar a política de preços a partir de 2023,.
Uma das ideias cogitadas é usar um cálculo regional para aplicar percentuais de aumento diferentes para cada Estado, levando em consideração questões como distribuição de combustível nacional ou importado. Hoje, o atual modelo prevê um reajuste único para todos os distribuidores e ocorre de acordo com as cotações internacionais.
A proposta em estudo pelo novo governo é criticada por especialistas do setor de petróleo e gás, que enxergam nesse sistema uma forma de piorar as distorções e se ampliar a crise de preços.
Desde 2017, no governo de Michel Temer, a Petrobras passou a considerar a cotação do petróleo e a valorização do barril de óleo para calcular o preço de venda nas refinarias. A ideia seria substituir essa política de preços, conhecida como paridade internacional, por uma política nacional de preços, com calibragem regional. Analistas divergem quanto aos impactos de uma possível mudança.
Após queda de preços em 2020, em função da pandemia, o petróleo do óleo voltou a ter valorização no mercado global em 2021 e o preço dos combustíveis disparou no Brasil. A situação, já complicada, foi agravada em 2022 pelo conflito entre Rússia e Ucrânia, que voltou a desequilibrar a cadeia de oferta e resultou em aumento de preços e maior volatilidade nas cotações internacionais. Em junho, o preço de um litro de gasolina chegou a encostar na casa dos R$ 8 no Espírito Santo — um cenário que se replicou por todo o país em meio à crise energética.
Em julho, poucos meses antes das eleições, Bolsonaro passou a aplicar medidas tributárias para reduzir o valor cobrado nas bombas, entre elas, a lei que limita o ICMS (tributo estadual) sobre itens como diesel, gasolina, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo e o corte dos impostos federais Cide e PIS/Cofins sobre esses produtos.
Enquanto a limitação do ICMS continua valendo no ano que vem, a medida que zera os impostos federais tem validade até 31 de dezembro de 2022. Ao mesmo tempo, embora o preço do petróleo tenha subido nos últimos meses, os reajustes repassados às refinarias até então estão defasados, aumentando o temor de que sejam aplicados de uma só vez em algum momento posterior.
Diante disso, a equipe do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), avalia a possibilidade de adotar parâmetros regionais para atenuar os preços.
Segundo informações do jornal O Globo, o plano prevê alguns pilares para balizar a nova política de preços nas refinarias da Petrobras. Haverá, por exemplo, uma espécie de valor de referência, a ser criado pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), mas isso seria regionalizado.
Nas regiões em que a importação responde por uma fatia maior do mercado, o preço internacional (algo similar ao atual PPI) teria um peso maior na composição do valor final cobrado nas refinarias. Já nos locais em que o volume vendido é em sua maioria produzido localmente, o valor de referência nacional teria maior peso no cálculo final.
Analistas divergem quanto aos impactos de uma possível mudança na política de preços, mas há consenso sobre a necessidade de mais detalhes, em relação aos quais a própria equipe de Lula parece não ter chegado ainda a um acordo, como a periodicidade de reajuste e delimitação geográfica das áreas de influência das refinarias.
Uma fonte com passagem pela Petrobras, que preferiu não ser identificada, diz que é cedo para avaliar a medida, entretanto, em análise preliminar, considera que a posição geográfica do Espírito Santo em relação aos portos de importação de derivados e de refinarias (MG e RJ) poderia atenuar eventuais impactos negativos da medida. “Os preços não ficarão mais elevados caso venha a ocorrer uma regionalização.”
O especialista da área de petróleo Fernando Taboada considera que a tendência no Brasil é de que, enquanto a cotação do óleo estiver elevada globalmente, haverá preços mais compatíveis com o setor de petróleo e gás brasileiro, se houver o descolamento dos preços internacionais.
“É como se fosse um modelo de estabilização. Você não tem nem um valor muito alto, nem muito baixo. Traz alguma estabilidade ao mercado. Enquanto os preços estiverem altos, teremos, com esse novo modelo, uma queda. Mas se houver uma queda do petróleo, pode acontecer o contrário, de pagarmos mais do que a cesta internacional.”
Ele frisa, entretanto, que se trata de uma análise preliminar e que os impactos reais dependerão da proposta efetivamente apresentada, que pode ganhar contornos diferentes a partir das escolhas do governo eleito para os ministérios e para a Petrobras.
Na outra ponta, Adriano Pires, especialista em energia e infraestrutura, considera o plano confuso e pontua que os preços no país já são desiguais. Em Estados da Região Nordeste, por exemplo, que importam muito combustível, os preços são mais elevados em função dos custos de frete. “Isso existe por critério de mercado, e não pela capacidade de refino de uma refinaria, quanto precisa importar.”
Ele considera, porém, que o que está sendo proposto é um tabelamento que tende a ter mais efeitos negativos do que positivos. “Acho legítimo que o governo eleito esteja preocupado com o preço dos combustíveis, mas (a solução) não é fazer fórmula, não tem que fazer mágica. Se a gente quer tirar a volatilidade do petróleo para não repercutir tanto no bolso do consumidor, a solução é criar um fundo estabilizador.”
A economista Arilda Teixeira diz que os resultados serão, inevitavelmente, catastróficos caso o governo eleito siga por esse caminho. “Os preços vão aumentar. O que está acontecendo com o preço dos combustíveis é consequência do erro de segurar os preços no início da pressão inflacionária, da guerra na Ucrânia. A forma como o governo agiu, interferindo no processo de formação de preços, não acabou com o problema. A redução da alíquota de ICMS simplesmente o adiou.”
E complementa: “Há a tentativa de uma logística que reduza custos, e o que podemos tirar desse caso é a ‘crônica de uma morte anunciada’, porque, em vez de arrumar um caixão pra enterrar (o problema), vão continuar adiando e a situação vai apenas piorar. Ainda vai ter que trazer (o combustível). Mas e o que custo de trazer? Fica para o Espírito Santo o alerta de que precisa se mobilizar pra trazer refinarias para o Estado. Se tem petróleo, por que não ter refinaria? Da forma como se está lidando com a situação, os preços tendem a subir e o agente econômico não terá fôlego para resolver.”
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