Quando o assunto é dinheiro, sete em cada dez brasileiros não usam palavras positivas para descrever a sua vida financeira. Para a maioria das pessoas, falar de boletos, despesas domésticas e contas do mês está associado a uma luta diária, com perrengues, privações e dívidas.
Foi o que apontou uma pesquisa inédita realizada pela instituição financeira Will Bank, que surgiu no Espírito Santo e tem mais de 60% dos seus clientes no Nordeste. Em parceria com a Mastercard, o levantamento ouviu mais de 2 mil pessoas do país entre 18 e 40 anos de todas as classes sociais em pesquisas quantitativa e qualitativa.
Para 47,3% dos entrevistados, a primeira resposta que veio à mente tinha um tom negativo, enquanto 24% trataram o assunto sob um ponto de vista neutro.
Outro sentimento identificado é relacionado à sensação de inadequação. Algo que é visto quando todos postam fotos de viagem enquanto a pessoa considera difícil virar o mês com as contas no azul.
Esses sentimentos em relação a dinheiro foram chamados de "dismorfia financeira", nome dado a uma condição que afeta a forma como diferentes pessoas percebem a própria realidade financeira. Isso acontece quando a relação com as finanças pessoais é distorcida e pode despertar diferentes sensações (boas e ruins) dependendo de quem você é e quanto dinheiro você tem.
O CEO do Will Bank, Felipe Félix, disse que outro dado da pesquisa que chamou a sua atenção foi o fato de 37% das mulheres terem vergonha de pedir empréstimo, enquanto isso acontece com 26% dos homens. Sobre essa informação, ele lembra que muitas vezes é o empréstimo que pode ser a alavanca que faltava para a pessoa começar o seu negócio.
“Quais são os gatilhos que impedem as pessoas de serem incluídas financeiramente? A pesquisa mostra que tem muito a ver sobre a falta de pertencimento [ao ambiente bancário]. As pessoas não se enxergarem. Então, temos uma expectativa muito positiva de que, a partir do conhecimento, é possível mudar essa realidade. E esse vai ser um dos nossos objetivos, tendo o crédito como direito humano. O estudo envelopa todos esses aprendizados e dá o nome a ele, mas isso é um processo contínuo”, afirma Félix.
A pesquisa ainda mostra que 60% dos entrevistados muitas vezes têm vontade de usar o crédito oferecido, mas não utilizam porque sentem medo de não conseguir pagar.
Foi essa situação que quase impediu a designer de unhas Greici Telles de ampliar seu negócio. Ao calcular o que precisaria investir para abrir um espaço para atender as clientes, percebeu que só conseguiria realizar o objetivo com a ajuda de empréstimo.
“Eu tinha vergonha de pedir e medo de não conseguir honrar com o valor das parcelas. Passei muitas noites em claro, pensando se iria pegar o empréstimo. Mas coloquei na frente a minha vontade de crescer. Encarei e isso me ajudou muito”, conta.
Com o microcrédito de uma linha da Agência de Desenvolvimento das Micro e Pequenas Empresas e do Empreendedorismo (Aderes), conseguiu atingir o objetivo. Ela atendia numa sala comercial e a clientela vinha por indicação. Com o crédito, conseguiu abrir o espaço com vista para a rua.
“Minha agenda aumentou em mais de 90%, quando passei a ficar mais visível. Agora clientes também chegam por ver o meu espaço na rua”, relata.
Para o professor Danilo Monte-Mor, doutor em Ciência Contábeis e Administração e professor da Fucape, a dismorfia tem explicação histórica. Ele lembra que, no passado, a igreja aliava fundamentos de posse a um dos pecados capitais: a avareza. Falar em dinheiro se configurava também em ganância e pecado. Por isso, o professor afirma que não se desenvolveu o debate na sociedade, muito menos nas políticas públicas de investimento na educação financeira.
“A educação financeira não se dá sem princípios de cidadania. Não inclui-la desde a educação infantil acaba levando à dismorfia financeira, porque gera uma situação de não pertencimento. As pessoas não se sentem inseridas e não se visualizam criando oportunidades, metas e sonhos”, destaca.
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