O Grupo Itapemirim anunciou na última sexta-feira (17), a suspensão das operações aéreas da companhia Itapemirim Transportes Aéreos (ITA), seis meses após seu primeiro voo. Segundo comunicado à imprensa, a medida é temporária e foi tomada devido a necessidades de ajustes operacionais. Como mostrou A Gazeta, a empresa passava por uma crise mesmo antes de sua criação.
A companhia ITA desde o início foi alvo de críticas constantes por causa de cancelamentos de voos, atrasos de salários e do não pagamento das dívidas com os credores do processo de recuperação judicial da Viação Itapemirim. A companhia orientou os passageiros com viagens programadas para os próximos dias a entrarem em contato pelo e-mail [email protected].
A Gazeta, que acompanha a novela da recuperação judicial da Itapemirim desde o início do processo em Vitória, reuniu as 13 principais polêmicas envolvendo a empresa antes, durante e depois da suspensão das atividades da ITA. Confira abaixo:
Uma das maiores empresas de transporte rodoviário do país, a Viação Itapemirim entrou em recuperação judicial em março de 2016, junto com outras empresas que pertenciam à família de Camilo Cola.
A empresa alegou ter, na época, R$ 336,49 milhões em dívidas trabalhistas e com fornecedores, além de um passivo tributário de cerca de R$ 1 bilhão.
Cerca de sete meses após a recuperação ter sido deferida pela Justiça capixaba, a família Cola vendeu o grupo para Camila Valdívia e Sidnei Piva de Jesus, empresários de São Paulo.
Cerca de nove meses após o negócio, a família Cola afirmou ter sofrido um “golpe”, alegando que os empresários que compraram a empresa não honraram com o acordo. A família tenta, desde então, anular o negócio.
Em 2018, o caso foi transferido para a Justiça de São Paulo a pedido dos novos controladores do grupo. As suspeitas eram de que o juiz do processo em Vitória beneficiava os antigos proprietários da Itapemirim. Em 2020, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo puniu o juiz com aposentadoria compulsória por atuação parcial no caso.
Era fevereiro de 2020 quando, pela primeira vez, a gestão do grupo Itapemirim falou em criar uma companhia aérea. Na época, Sidnei Piva, presidente do conglomerado, afirmou ao jornal Folha de S. Paulo que tinha conseguido um aporte aporte de R$ 2 bilhões de um fundo soberano dos Emirados Árabes Unidos para financiar o projeto.
Piva nunca disse qual seria esse fundo, mas já falava em um plano ousado para a companhia. A ideia era montar uma aérea de baixo-custo (low-cost), com foco na aviação regional, e um serviço de bordo de excelência e que fosse um diferencial. Após criada, porém, a ITA não tinha nenhuma dessas premissas.
No início, Piva divulgou que tinha encomendado 35 aeronaves novas da fábrica canadense Bombardier com capacidade para até 100 passageiros. O plano com o tempo mudou e a companhia optou por comprar jatos usados que foram produzidos pela Airbus.
As polêmicas envolvendo o braço de aviação civil da Itapemirim começaram antes mesmo da sua criação, que ocorreu em meio ao processo de recuperação judicial da Viação Itapemirim.
O grupo está em recuperação judicial desde 2016 e segundo a administradora judicial EXM Partners, a empresa devia cerca de R$ 253 milhões aos seus credores em setembro, além de R$ 2,2 bilhões em dívidas tributárias.
Desde 2019, o grupo firmou um acordo com os credores para leilão de bens e linhas de ônibus e, com esses recursos, abater as dívidas.
O processo, que tramita na Justiça de São Paulo, é repleto de acusações de credores contra os ex e atuais controladores alegando uma má-gestão nos últimos anos.
Diante das dívidas, vários credores recorreram ao juízo para garantir o pagamento dos recursos, barrando a criação da aérea, o que não foi acatado pela Justiça.
Não bastasse a recuperação judicial, a ideia da Itapemirim de tirar do chão uma companhia aérea se deu durante a maior crise da história do setor aéreo, por conta da pandemia do coronavírus. Por causa disso, a demanda está menor e, consequentemente, os custos operacionais maiores.
A criação da ITA também coincidiu com a elevação dos preços dos combustíveis, que representam o principal gasto do grupo tanto no setor aéreo como no rodoviário.
A Viação Itapemirim, por exemplo, recorreu à Justiça para conseguir usar parte da verba dos leilões para custear suas operações diante do baixo retorno financeiro na pandemia, pedido que foi aceito pelo juiz.
Em uma live de outubro de 2020, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, contou ao presidente Jair Bolsonaro (PL) que o Grupo Itapemirim havia entrado para o ramo de transporte aéreo. Na mesma transmissão, o presidente abriu um pacote com um ônibus em miniatura da Itapemirim.
Tarcísio citou na live o programa “Voo Simples”, lançado pelo governo também em outubro de 2020, como um pacote de medidas para reduzir custos no setor de aviação.
O governo se mostrou a favor do negócio na live, com Tarcísio e Bolsonaro, realizado “propaganda" da ITA meses antes de seu lançamento na live.
O caso foi lembrado neste domingo (19), pelo ex-presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (sem partido), que afirmou em postagem nas redes sociais que "governo foi irresponsável e negligente em autorizar um grupo em recuperação judicial a voar, ingressar num setor que depende de muito investimento, de muito capital".
Em setembro de 2020, o presidente do Grupo, Sidnei Piva de Jesus, chegou a anunciar, ao lado do governador do Espírito Santo, que o primeiro voo da companhia aérea teria como destino Vitória.
Seria, segundo ele, uma homenagem ao Estado pelo fato da empresa de transportes ter nascido em terras capixabas.
Os planos acabaram mudando, com a empresa em um primeiro momento direcionando seu foco a terminais com maior fluxo de passageiros. Com isso, o primeiro voo com passageiros decolou do aeroporto de Guarulhos, São Paulo, com destino a Brasília.
A chegada da companhia ao Espírito Santo foi sendo adiada. Inicialmente, ficaria para o segundo semestre. Depois, para 2022.
Na semana anterior a sua estreia, no final de junho, a ITA já era alvo de diversas reclamações dos consumidores. Passagens para voos, que já haviam sido vendidas, foram canceladas sem explicações. Sem contar pessoas se queixando de terem tido os bilhetes remarcados sem aviso.
Desde o início da venda de passagens, no primeiro semestre de 2021, a empresa foi alvo de mais de 1 mil reclamações na plataforma Consumidor.gov. Mais da metade nos últimos 30 dias. No site Reclame Aqui, o número de reclamações ultrapassa as 4 mil queixas. Sendo a maioria relacionada ao estorno do valor pago da passagem.
Diante das reclamações de credores com os gastos do Grupo Itapemirim com a ITA em meio ao processo de recuperação judicial, a Justiça de São Paulo proibiu a Itapemirim de destinar recursos das empresas do grupo que estão em recuperação judicial - como a Viação Itapemirim - para a ITA.
Como A Gazeta mostrou, a decisão ainda nomeou um auditor, figura judicial conhecida como "watchdog" (que significa cão de guarda na tradução do inglês), que será responsável por fiscalizar toda a gestão da companhia, como entradas e saídas de recursos.
Uma das missões desse auditor seria fiscalizar de perto as relações entre o grupo em recuperação judicial desde 2016 e a ITA, que apesar de pertencer ao mesmo conglomerado, não faz parte do processo judicial. O nomeado deveria fazer um pente-fino nas transferências já feitas para a companhia aérea.
No entanto, após recorrer na Justiça, a Itapemirim conseguir de livrar do watchdog, como mostrou a revista Veja.
Além dos passageiros, a ITA também enfrentou descontentamento por parte de seus funcionários durante o período em que esteve em atividade, que tinham seus salários e benefícios, como vale-refeição e transporte, em atraso com frequência. No começo de dezembro, o plano de saúde foi suspenso e a empresa se tornou alvo do Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA)
Havia também queixas a respeito das verbas rescisórias que não estavam sendo pagas a quem era demitido. Além de que mecânicos estariam trabalhando sem equipamentos de proteção adequados, segundo o sindicato da categoria.
A Itapemirim foi autuada pela Anac três vezes em outubro e novembro por descumprir o prazo de envio de documentos obrigatórios. O valor definitivo da multa ainda não foi definido, mas pode chegar ao total de R$ 12 mil.
A empresa alegou que enfrentou problemas técnicos na formatação dos dados a serem enviados à agência, e que todas as informações corrigidas foram encaminhadas no dia 10 de dezembro.
Em meio a crise, o dono da empresa, Sidnei Piva de Jesus, expandiu a área de seus negócios e agora tem uma empresa offshore, a SS Space Capital Group UK LTD. Ele abriu a firma neste ano no Reino Unido. A informação foi divulgada pelo site Congresso em Foco e confirmada por A Gazeta.
O relatório do site aponta que a companhia, com sede em Londres, na Inglaterra, teve as primeiras movimentações no fim de abril. A proposta é atuar como uma holding de serviços financeiros e fundos de investimentos.
Segundo o site OpenCorporates, consultado por A Gazeta, que mostra as companhia constituídas no exterior, principalmente em paraíso fiscal, a firma de Piva tem um capital de 785 milhões de libras, aproximadamente R$ 6 bilhões.
Mesmo antes do voo inaugural, no início do segundo semestre, a ITA já vinha cancelando algumas passagens vendidas sob a justificativa de "readequação da malha".
Em comunicado emitido nesta terça-feira (21), entretanto, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) explicou que havia um histórico da empresa de tentar vender mais passagens do que o número de assentos disponíveis nos aviões.
“No início das operações da empresa, antes mesmo do primeiro voo realizado pela Itapemirim Transportes Aéreos, foi identificado descompasso entre o número de voos ofertados e a real capacidade de processamento da empresa, o que levou a Anac a realizar monitoramento semanal, expedindo cinco determinações para a empresa adequar a oferta de voos à capacidade real em executá-los, o que foi atendido”, informou a Anac.
A interrupção das operações da ITA, anunciada na sexta-feira, levou a um cancelamento de 515 voos previstos até o fim do ano e prejuízo para mais de 45,8 mil passageiros.
Uma enxurrada de reclamações chegou aos órgãos de defesa do consumidor, passageiros fizeram protestos em aeroportos, e o Procon-SP notificou a empresa.
A Anac também suspendeu a autorização de voo da empresa e prometeu acompanhar o caso para garantir o ressarcimento dos passageiros.
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