A suspensão das atividades da Itapemirim Transportes Aéreos (ITA), companhia aérea do grupo Itapemirim que iniciou as operações há apenas seis meses, levantou um debate sobre quem poderia ter impedido o “voo de galinha” da companhia que lesou milhares de consumidores em todo o país.
A interrupção das operações da ITA, anunciada na sexta-feira (17), levou a um cancelamento de 515 voos previstos até o fim do ano e prejuízo para mais de 45,8 mil passageiros. Mas mesmo antes do voo inaugural, no início do segundo semestre, a empresa já vinha cancelando passagens vendidas, sob a justificativa de readequação da malha.
A ITA já surgiu em num momento conturbado, em meio à crise sem precedentes no setor aéreo em função da pandemia e, mais grave ainda, ao processo de recuperação judicial enfrentado pela Viação Itapemirim, principal negócio do grupo.
Para a advogada cível Kelly Andrade, não há como apontar um culpado único, tendo em vista que a empresa atendeu a todos os requisitos para se tornar uma operadora área. O problema, de acordo com ela, está nas brechas na legislação atual.
Desde o início, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) sempre deixou claro que o processo de recuperação judicial do grupo não era um impeditivo legal para criação da companhia. Tampouco a Justiça de São Paulo, que toca o processo da firma, decidiu barrar o investimento na Ita apesar dos vários pedidos dos credores, uma vez que isso também não seria vedado na lei de recuperação judicial desde que os pagamentos aos credores fossem mantidos.
“É um processo criterioso. Mas não tem como dizer que alguém poderia ter impedido porque quebrar é algo a que todas as empresas estão sujeitas a isso, até mesmo as que ainda não estão em processo de recuperação. Não era a Anac que faria essa análise. Feliz ou infelizmente, a empresa atendeu todos os requisitos para ser certificada, conforme as regras atuais. Mas agora que aconteceu, é preciso tomar essas precauções e rever todo esse processo”, diz Kelly Andrade.
O ponto é reforçado pela especialista em Direito do Consumidor e coordenadora do curso de Direito da Universidade Vila Velha (UVV), Eliziany Meira, segundo a qual, se existe um culpado, é o próprio sistema, que estabeleceu as regras – que, inclusive, vêm sendo questionadas no Congresso e podem ser revistas após o caso Itapemirim.
"Naturalmente temos um órgão que controla, mas temos visto que o controle de setores diversos, não só o aéreo, está caótico. O exemplo da Itapemirim é o caso máximo, mas temos várias outras companhias que frequentemente apresentam problemas.”
Ela reforça que a ITA somente se tornou uma operadora aérea e levou os “amarelinhos” ao ar porque teve autorização para isso e o judiciário autorizou porque atendia aos requisitos básicos, mas agora quem paga a conta é o consumidor, que precisará correr atrás de seus direitos.
“E essa é a pior parte: muitos consumidores prejudicados terão que entrar com uma ação contra uma empresa de um grupo em recuperação judicial, e também registrar uma reclamação junto à Anac. Mas essa reclamação nas agências reguladoras é mais efetiva quando empresa está ativa, quando joga a toalha assim, é mais complicado.”
O próprio governo federal foi a favor do negócio, tendo o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, e até o presidente Jair Bolsonaro, realizado “propaganda" da ITA meses antes de seu lançamento, durante uma live. O caso foi lembrado neste domingo (19), pelo ex-presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (sem partido), que afirmou em postagem nas redes sociais que "governo foi irresponsável e negligente em autorizar um grupo em recuperação judicial a voar, ingressar num setor que depende de muito investimento, de muito capital".
Em entrevista coletiva realizada no fim da manhã desta segunda-feira (20), após apresentação do balanço de 2021 do Ministério da Infraestrutura, o ministro declarou que a situação atual é considerada grave, mas ressaltou que a empresa havia atendido a todos os requisitos para se tornar uma operadora aérea.
“Quem fornece o certificado de operação aérea é a Anac e ela se cerca de todos os cuidados. Existe uma série de protocolos que são estabelecidos e que precisam ser atendidos. Eles têm que apresentar manuais, regras de operação, têm que constituir base de operação, apresentar os contratos de leasing, apresentar as bases de manutenção, quem serão os servidores contratados, qual é o treinamento de tripulação, de aeronautas, de pilotos, de copilotos. Tem os voos-testes, tem operação assistida.”
O ministro ressaltou que a empresa tinha todas as condições de operar e vinha com uma proposta considerada interessante, que era a integração da operação rodoviária do grupo com a nova operação aérea, o que era visto como um diferencial em relação a outras companhias.
Ainda segundo Tarcísio, durante o processo de certificação, a Anac chegou a fazer questionamentos em razão da recuperação judicial que o grupo enfrenta desde 2016. A empresa já era conhecida por sua operação no transporte rodoviário de passageiros. Em razão de os CNPJs serem diferentes, no entanto, não houve impeditivo para o grupo entrar no setor de aviação.
"Quem respondeu (questionamento da Anac) foi o Ministério Público Estadual (de São Paulo). Havia diferença de CNPJ, quem está em recuperação judicial é a empresa rodoviária e esse CNPJ que nasceu com a empresa área tinha todas as certidões negativas, fiscal, trabalhista, previdenciária, e a partir daí obteve certificado de operação. E essa também foi uma checagem feita pela agência reguladora", afirmou.
O ministro ressaltou ainda que a agência “agiu da forma que teve de agir", e citou o caso de outras aéreas que tiveram de encerrar suas operações no Brasil, como, recentemente, a Avianca. "Obviamente (no caso da ITA) chama atenção pelo pouco tempo de operação", pontuou.
A Anac já havia sido questionada desde o fim de semana por A Gazeta para esclarecer sobre o processo de autorização da ITA, mas não respondeu até a conclusão da reportagem, que será atualizada se houver retorno.
Um posicionamento também foi solicitado ao Grupo Itapemirim, que informou somente que “o motivo [da suspensão das atividades] se deu por, iniciativa própria, e tomada por necessidade de ajustes operacionais, conforme emitido em comunicado oficial.”
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