Em meio a uma das mais graves crises econômicas da história, a liberação de reajuste a servidores públicos teria um potencial de alargar ainda mais as desigualdades de renda e de direitos entre os profissionais da iniciativa privada e do setor público.
Na noite desta quinta-feira (20), a Câmara decidiu manter, por 316 votos a 165, o veto do presidente Jair Bolsonaro ao trecho do projeto de lei de ajuda financeira aos Estados e municípios que autorizava o aumento salarial para algumas categorias, principalmente as mais atingidas pelo enfrentamento ao novo coronavírus.
Já o Senado havia votado, na noite de quarta (19), pela derrubada do veto o que, se tivesse sido mantido, poderia contribuir para ampliar ainda mais as discrepâncias na pandemia.
A ideia era liberar o aumento salarial para alguns servidores de setores específicos, como segurança pública, Forças Armadas, peritos, agentes socioeducativos, profissionais de limpeza urbana, de serviços funerários e de assistência social. Também ficariam livre do congelamento trabalhadores da educação pública e profissionais de saúde da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Enquanto se discutia reajuste para algumas categorias de servidores, trabalhadores da esfera privada amargavam perdas. No acumulado de 2020, já foram perdidas 26.930 vagas de emprego formais no Espírito Santo, durante a pandemia, segundo dados do último Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério da Economia.
Entre os informais, o número de pessoas ocupadas também caiu, passando de 619 mil em maio, para 557 mil em julho, segundo informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Diante desse cenário, em junho, a proporção de domicílios que receberam algum benefício relacionado à pandemia no Espírito Santo foi de 42,8%, o equivalente a 584 mil famílias. Em maio, essa proporção foi de 38,0% (516 mil domicílios).
Entre as ajudas financeiras estão o auxílio emergencial, pago a desempregados, informais, entre outros grupos, e a complementação do governo pelo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, paga aos trabalhadores que tiveram a jornada reduzida (147.345 empregados no Estado) ou o contrato de trabalho suspenso (124.428). Desta forma, fica evidente que mesmo os profissionais que se mantiveram empregados não permaneceram imunes aos efeitos da Covid-19 na economia.
A liberação do reajuste de salários dos servidores poderia aprofundar ainda mais essas disparidades, pois, no setor privado, não somente a retomada é lenta, como não há previsões de aumento da renda, conforme avaliação de especialistas consultados por A Gazeta.
Na avaliação do economista Ricardo Paixão, é uma conta grande demais a ser paga por apenas um grupo. "O setor privado está sendo profundamente penalizado, sempre ficando para trás em situações de crise. Não é hora de reajustes. É hora de tentar equilibrar a situação fiscal."
O Sindicato dos Trabalhadores e Servidores Públicos do Espírito Santo (Sindipúblicos) foi procurado, por meio de ligações e mensagens, mas não respondeu até a publicação desta reportagem, que poderá ser atualizada posteriormente.
Especialistas criticaram a possibilidade de liberação de reajustes salariais aos servidores. Segundo economistas ouvidos pela reportagem, não é hora para conceder aumentos, e sim de ajustar as contas para evitar que a dívida pública se aprofunde ainda mais e o governo perca sua capacidade de financiamento, cujas consequências incluem, entre outros pontos, a impossibilidade de realizar obras e investimentos que alavancam o crescimento do país.
Em meio ao aumento de gastos em função da pandemia do novo coronavírus, especialistas já estimam que o rombo das finanças da União aproxime-se de 100% do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano.
"Falta articulação ao governo para discutir o que precisa ser discutido, e propor ajustes necessários na máquina pública. Enquanto isso, a crise se aprofunda cada vez mais", avaliou o economista Ricardo Paixão.
Para o advogado especialista em Direito Empresarial Eduardo Sarlo, a conta está sendo paga por todos, mas, para o setor privado, o peso é muito maior. "Muita gente na iniciativa privada ficou desempregada, amargou antecipação de férias, suspensão de contrato de trabalho, redução de jornada e salário. Os empresários tiveram que fechar os seus negócios e alguns ainda continuam fechados, perdendo assim drasticamente sua renda. É no mínimo vergonhoso o que querem fazer [liberar reajustes]."
Sarlo frisou ainda que é hora de o setor público dar sua contribuição de sacrifício durante crise, uma vez que, de acordo com cálculos do Ministério da Economia, a liberação dos reajustes comprometeria uma economia fiscal entre R$ 121 bilhões e R$ 132 bilhões no país. No Espírito Santo, o impacto fiscal apenas ao governo do Estado poderia ser superior a R$ 250 milhões em dois anos e abocanhar 25% das transferências diretas da União ao caixa estadual (R$ 224 milhões para saúde e R$ 712 milhões de recursos livres), segundo economistas consultados por A Gazeta.
Em entrevista coletiva após reunião de líderes para articular a votação da manutenção do veto nesta tarde, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defendeu o congelamento de salários de servidores públicos civis e militares. Para ele, não dá para o setor público não dar sua contribuição na crise.
O melhor para o Brasil é a manutenção do veto, para focar na melhoria do serviço público e na reforma do sistema tributário, para garantir a competitividade do setor privado, é o único caminho para sair da crise, afirmou.
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