Se aprovada como está, a nova versão da proposta de reforma tributária que trata do Imposto de Renda (IR) de pessoas físicas e jurídicas pode colocar em risco o fornecimento de alimentação no trabalho ou do tíquete pago pelas empresas a 412.829 trabalhadores no Espírito Santo, conforme números da Secretaria de Trabalho do Ministério da Economia.
Destes, cerca de 150 mil são profissionais da indústria, segundo estimativa do Conselho de Relações do Trabalho (Consurt) da Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes). Para analistas, a mudança pode fazer ficar mais caro oferecer o benefício, que não é previsto em lei, e algumas companhias podem até deixar de pagá-lo.
Atualmente, as empresas podem deduzir do Imposto de Renda o dobro das despesas comprovadamente realizadas no âmbito do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), criado em 1976. Isso inclui gastos com o pagamento de cestas básicas a funcionários, alimentação no trabalho ou fornecimento de vale-alimentação.
Entretanto, a equipe econômica do governo considerou que um corte linear da alíquota de IR é mais benéfico do que subsídios específicos. Assim, o relator do texto na Câmara, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), propôs cortar subsídios como forma de reduzir à metade o Imposto de Renda de todas as empresas em 12,5 pontos percentuais.
“Extinguir esse subsídio vai contra a proposta inicial da reforma, que era buscar mecanismos para reduzir o custo de contratação. O cartão-alimentação acaba cumprindo uma função de complemento salarial, em alguns casos, chega a ser 50% da remuneração, e por isso é tão negociado nas convenções coletivas. Essa garantia, inclusive, costuma agir como elemento de atração de trabalhadores. Retirá-lo seria um inegável prejuízo”, avaliou o vice-presidente da Findes e presidente do Consurt, Fernando Otávio Campos.
Campos destacou que hoje mais da metade dos trabalhadores das indústrias são beneficiados com o tíquete ou com o fornecimento de alimentação no local. A prática, segundo ele, é muito comum nas grandes empresas, e muitas, mesmo quando realizam a contratação de companhias terceirizadas, exigem o pagamento do benefício aos trabalhadores.
O vice-presidente da Findes avaliou que com a eventual retirada dos incentivos do PAT, é possível que uma parte dos trabalhadores perca o vale-refeição ou o vale-alimentação.
“E existe um impacto indireto, que recai sobre a arrecadação. Hoje, quando a empresa fornece o vale-alimentação ou vale-refeição, esse recurso vira consumo. Não fica guardado. E o governo se beneficia com isso, assim como os estabelecimentos onde esses cartões são utilizados. Ok, vai retirar para reduzir o IR, mas do jeito como está sendo feito, não representa um ganho.”
O presidente do Sindicato dos Restaurantes, Bares e Similares do Espírito Santo (Sindbares), Rodrigo Vervloet, avalia que o setor será um dos principais prejudicados caso a proposta seja aprovada como está.
“O vale-refeição, especificamente, representa uma fatia importante do faturamento nas operações do dia a dia. O ideal seria ter um caminho para manter esse benefício, encontrar uma alternativa para que as empresas não interrompam o pagamento. Do contrário, teremos uma perda considerável.”
Ao jornal Estado de S. Paulo, a Associação Brasileira de Benefícios ao Trabalhador (ABBT), que representa as empresas de cartões de benefícios como Alelo, Sodexo e Ticket, afirmou que o PAT é um dos programas do gênero "mais bem-sucedidos do mundo, sendo referência para a Organização Internacional do Trabalho (OIT)". A entidade também afirma que "vem participando das discussões acerca do assunto em conjunto com os demais setores envolvidos nesse segmento."
Em nota, Sodexo, Alelo e Ticket, empresas que fornecem cartões de vale-alimentação e vale-refeição, disseram que seguem na defesa do benefício, em parceria com a ABBT. As três companhias citam a importância do PAT "para mais de 20 milhões de trabalhadores brasileiros e para toda a cadeia produtiva de alimentação, que vai muito além dos incentivos fiscais às mais de 220 mil empresas cadastradas no Programa".
O superintendente regional do Trabalho no Espírito Santo, Alcimar Candeias, reforçou que o auxílio-alimentação traz duplo benefício para o empregador, uma vez que permite essa dedução em relação ao IR devido, e que os cartões não são considerados benefícios obrigatórios por lei, como o décimo terceiro salário, o vale-transporte ou o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
“Ainda não se sabe como será feito, se isso que está sendo proposto é o que será aprovado. Mas vale lembrar que a lei não determina o pagamento desse benefício, ele existe em função dos acordos e convenções coletivas, para benefício do trabalhador.”
O advogado trabalhista Wiler Coelho reforçou o ponto, mas observou que, indiretamente, o benefício acaba agindo como um complemento indireto ao salário, pois destina parte da renda especificamente à alimentação.
“Se acabam com o abatimento do IR, é possível que, na renovação desses acordos e convenções coletivas, o sindicato patronal não queira manter mais esse ticket, haja vista o fim do benefício para as empresas. O governo vai, para resolver uma questão tributária, acabar prejudicando o trabalhador.”
Na avaliação do advogado tributário Gerson de Souza, a proposta do governo não chega a beneficiar realmente as empresas. Pelo contrário, abre margem para que, eventualmente, seja contestada a não incidência de tributações acessórias sobre um possível pagamento de vale-alimentação ou vale-refeição.
“O governo não arrisca acabar de vez com os subsídios, porque ninguém aprovaria. Mas há um temor de que essas vantagens sejam retiradas aos pouquinhos, tornando o pagamento do benefício pouquíssimo atrativo às empresas.”
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