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Saneamento acentua as desigualdades de renda e de escolaridade no ES

Saneamento acentua as desigualdades de renda e de escolaridade no ES

Projeto aprovado pelo Senado quer estimular investimento privado no setor para universalizar serviço de tratamento de água e esgoto até 2033

Publicado em 25 de junho de 2020 às 06:00

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Esgoto corre a céu aberto na regão da Grande Terra Vermelha em Vila Velha
Esgoto corre a céu aberto na região da Grande Terra Vermelha em Vila Velha. (Marcelo Prest)

A falta de saneamento básico revela o cenário cruel da desigualdade social no Espírito Santo e traz impactos relevantes na economia.  A renda das famílias e a escolaridade dos moradores são menores e até os imóveis dessas localidades são mais desvalorizados.  No Estado, 745 mil moradores das zonas rurais e urbanas não têm água encanada e 1,7 milhões não têm coleta de esgoto, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis).

Quem mora em locais sem saneamento recebe, em média, salários 70% menores, segundo o IBGE. Essa disparidade é provocada, entre outros fatores, pelo risco à saúde que a ausência de água e esgoto tratados provoca.

Só em 2018, 13 mil trabalhadores capixabas tiveram que se ausentar do trabalho por conta de doenças de veiculação hídrica, ou seja, aquelas que se proliferam em áreas onde o esgoto corre à céu aberto ou onde a água que chega às torneiras é de má qualidade. As informações são do Instituto Trata Brasil, uma ONG de fomento ao saneamento.

A frequente exposição às doenças também priva muitos alunos de acesso integral à educação. A população que vive em áreas sem saneamento tem três anos a menos de estudo formal e os alunos têm notas mais baixas no Enem.

Para reduzir essas disparidades, seria necessária a universalização do sistema de esgoto e de água tratada, um direito básico, mas que é negado a muitas famílias. Com um deficit acumulado durante décadas de falta de investimento e má gestão, o caminho até lá é longo, árduo e caro. Estima-se que, só no Espírito Santo, seriam necessários investimentos da ordem de R$ 9 bilhões.

PROJETO DE LEI PARA UNIVERSALIZAR SERVIÇO ATÉ 2033

Na noite desta quarta-feira (24), o Senado aprovou por 65 votos a 13 o projeto de lei que pretende mudar o sistema atual de gestão desses recursos para atingir a universalização dos serviços de saneamento até 2033. O texto aprovado no Congresso segue agora para sanção do presidente Jair Bolsonaro.

Entre as principais mudanças do projeto, chamado de Marco Legal do Saneamento, está a exigência de processo de licitação para a concessão dos serviços de água, esgoto e coleta de lixo. A medida pode abrir mais espaço para a atuação do setor privado e atrair investimentos para a área. O novo marco é visto também como importante para atração de investimentos após a pandemia.

No Brasil, cerca de 70% dos municípios têm “contratos de programa” (espécie de concessão em que as duas partes são entes públicos) com os respectivos Estados em relação a tratamento e abastecimento de água. É o que acontece também no Espírito Santo: 52 dos 78 municípios são atendidos pela Cesan, uma empresa pública estadual.

Outras 25 cidades têm as próprias empresas municipais que operam o serviço. Apenas em Cachoeiro de Itapemirim há uma concessão privada.

MODELO ATUAL É BARREIRA AO INVESTIMENTO

Para o economista e presidente da Inter B Consultoria, Cláudio Frischtak, o problema dessa divisão, que acontece nacionalmente e também no Estado, é que essas empresas não atendem, via de regra, o interesse publico.

"Empresas que têm tanta capilaridade acabam sendo instrumento de poder politico. Há exceções, mas muitas são afetadas pela má governança e mesmo os gestores melhores são submetidos à legislação desfavorável. Ou seja, 93% do mercado no país esta muito mal regulado, fiscalizado e os contratos são muto débeis", explica.

Ele acrescenta que os contratos de programa muitas vezes não têm definições de metas e não são considerados vinculantes. Além disso, eles tendem a não ser alvo de regulação efetiva.

O executivo do setor de saneamento e ex-presidente da Cesan, Pablo Andreão, acredita que esse modelo é um entrave ao investimento.

“O que existe no país hoje é uma estrutura montada em que a grande maioria do serviço é feito por empresas públicas, só que há um grande deficit. Por que não é feito investimento? Porque esse modelo atual, na prática, é uma barreira ao investimento”, afirma.

Ele explica que, como a Constituição determina que é do município a titularidade do serviço, é ele que detém a autonomia para planejar e decidir como esse serviço será prestado. “Porém, hoje, esse ente não consegue se estruturar para acelerar implantação. O privado não consegue entrar e eles não conseguem fazer o investimento”, diz.

O Marco Regulatório do Saneamento prevê que contratos atualmente em vigor possam ser renovados por até 30 anos, contudo, caso eles não tenham metas definidas para universalização do serviço, precisarão ser adaptados até 2022.

Para que haja renovação, contudo, a empresa terá que demonstrar que efetivamente poderá cumprir com a meta. A previsão é de que haja revisão desses documentos a cada cinco anos e, para não sofrer sanções, a companhia precisará ter cumprido o que foi acordado em pelo menos três deles.

CIDADES MENORES FORMARÃO BLOCOS

Para que cidades menores e mais rurais sejam mais atrativas para empresas, o Marco prevê a criação de blocos de municípios que poderão fazer uma única contratação a partir de licitação. O município não é obrigado a integrar um desses blocos ou a mudar a forma de gestão do serviço de saneamento. Contudo, aqueles que não aderirem devem receber uma parcela menor dos investimentos federais para o setor. Os blocos serão definidos pelo governo do Estado.

"A expectativa é de que a Agência Nacional de Águas (ANA) estabeleça regras de regulação que todos deverão seguir. Se não seguir, o município não estará apto para receber recursos. A cidade que optar por uma solução de prestação de serviço direto é a que ele vai levar mais tempo para resolver a universalização. Qualquer outro modelo é mais eficiente", esclarece Andreão.

Frischtak ressalta que o Projeto de Lei vai devolver à ANA o poder de estabelecer regras e critérios para o setor que, atualmente, na visão dele, carece de um "mínimo de disciplina". Para manter o controle sobre os contratos, serão designadas agências reguladoras estaduais.

PRIVATIZAÇÃO

Opositores do Marco Legal do Saneamento no Congresso alegam que a exigência de licitação e metas de desempenhos para os contratos vão prejudicar as empresas públicas, que acabarão sendo privatizadas.

Andreão afirma que essa é uma possibilidade real para empresas dos Estados do Norte e Nordeste, que são deficitárias e ineficazes. Ele acredita, contudo, que a Cesan não será afetada imediatamente.

"Não fica mais fácil ou mais difícil (privatizar a Cesan).  Se o marco for aprovado, essa será mais uma opção para o ente estadual. No Nordeste e no Norte existem muitos Estados que pensam em privatizar porque não têm empresas de referência como a Cesan. Esses governantes não tinham essa possibilidade antes", opina.

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Com a lei atual, se um Estado quiser privatizar a estatal, os contratos vigentes da empresa perdem a validade. O novo projeto prevê que esses contratos continuem vigentes, o que tornaria empresa mais atrativa aos possíveis compradores.

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