Pelo menos 479 servidores ativos do governo do Espírito Santo e 604 aposentados do Estado receberam irregularmente o auxílio emergencial do governo federal. Segundo as regras do programa, pessoas que tenham emprego ou que recebam benefícios previdenciários (como a aposentadoria) não poderiam ser contempladas com a ajuda financeira de R$ 600.
O auxílio foi criado para fornecer um mínimo de renda às pessoas desempregadas, trabalhadores informais e microempreendedores durante o isolamento social que trouxe restrições ao funcionamento da economia. Elas compõem a parcela da população mais afetada pela crise econômica provocada pela pandemia do novo coronavírus.
A reportagem de A Gazeta obteve essas informações cruzando nome e CPF dos beneficiários do programa e da folha de pagamento do governo do Estado. Ambas as bases de dados são públicas.
Os 1.083 servidores ativos e inativos receberam juntos R$ 719,4 mil em benefícios. Entre eles, 388 não estão inscritos no CadÚnico, o cadastro de famílias brasileiras em situação de pobreza. Para obter o benefício, essas pessoas tiveram que ativamente se cadastrar. Ao todo, no Estado, 989 mil receberam a primeira parcela do programa entre abril e maio, segundo os dados abertos do governo federal.
Os demais têm o cadastro e não precisaram fazer o pedido. Segundo o Ministério da Cidadania, essas pessoas recebem automaticamente o recurso caso se enquadrem nas regras. Contudo, uma falha no sistema do governo federal fez com que elas recebessem o dinheiro mesmo tendo fonte de renda. Até maio, apenas duas pessoas havia devolvido o dinheiro aos cofres do governo.
Não foram considerados na análise os estagiários, bolsistas, monitores, conselheiros e voluntários, pois eles não têm vínculo empregatício com o Executivo estadual.
Entre os 479 com vínculo ativo, cerca de 200 são professores, a maior parte deles, de designação temporária. A remuneração para esse cargo é entre R$ 1,2 mil e R$ 3,7 mil, dependendo do grau de formação do profissional.
Outros cargos com salários menores também aparecem diversas vezes na lista como técnico de enfermagem (40), auxiliar de secretaria escolar (27) e cuidadores (27).
Contudo, entre os servidores que receberam irregularmente o auxílio também é possível encontrar três médicos e até um investigador da Polícia Civil, cargos com remunerações que podem chegar aos R$ 8 mil.
Já entre os aposentados, 75% estavam cadastrados no CadÚnico, ou seja, receberam o auxílio emergencial mesmo sem fazer o pedido.
Há, contudo, algumas exceções como sargentos e tenentes da Polícia Militar e um delegado. Este último recebe uma aposentadoria que ultrapassa os R$ 20 mil.
Um relatório feito pela Controladoria-Geral da União (CGU) em parceria com o Tribunal de Contas do Estado mostrou que os servidores municipais também estão recebendo o benefício emergencial de forma irregular.
Os órgãos identificaram 2,6 mil pessoas que tinham vínculos ativos com o Estado ou com municípios. O documento afirma que quem pediu o auxílio emergencial mediante fornecimento de informações falsas está cometendo crime de falsidade ideológica e estelionato. Quando o ato é praticado por servidores, o fraudador pode ainda ser punido administrativamente.
A Corregedoria-Geral do Estado informou que, embora não tenha tido acesso aos dados, vai indicar o ressarcimento imediato do auxílio emergencial por parte de servidores públicos, tenham eles recebido inadvertidamente ou não.
Segundo o órgão, as pastas serão orientadas a notificar os servidores envolvidos. A Corregedoria esclareceu ainda que eles, além da infração criminal, podem responder administrativamente.
"O recebimento de auxílio emergencial por qualquer servidor público, seja ele efetivo ou temporário, é ilegal. São recursos que devem chegar rapidamente aos mais afetados pela calamidade pela qual passamos", disse em nota.
O Ministério Público Federal (MPF) também foi questionado por A Gazeta e informou que vai avaliar quais são as providências mais adequadas a serem adotadas uma vez que obtiver acesso aos dados.
Enquanto muitos capixabas que precisam e cumprem os requisitos para receber o auxílio têm encontrado dificuldade, as fraudes se multiplicam. O Tribunal de Contas da União estima que há o risco de 8 milhões de brasileiros estarem recebendo o benefício de forma irregular.
Um dos exemplos mais simbólicos no Estado é o do chefe da organização criminosa que comanda o tráfico de drogas no Bairro da Penha, em Vitória. Mesmo sendo um dos bandidos mais procurados do Estado, Fernando Moraes Pereira, o Marujo, conseguiu receber pelo menos uma das parcelas do auxílio emergencial.
O Ministério da Cidadania, responsável pela gestão do auxílio emergencial, afirma que trabalha para aperfeiçoar a concessão do benefício.
É importante destacar que a Controladoria-Geral da União (CGU) analisou 30,5 milhões de pagamentos do auxílio emergencial e encontrou inconformidades em 160 mil, o que representa 0,5% deste total, disse em nota.
O órgão ressaltou que aqueles que tentam burlar a legislação terão que devolver o dinheiro e podem, ainda, responder civil e criminalmente.
Qualquer indício de ilegalidade, em especial na ótica criminal, é imediatamente informado à Polícia Federal. A CGU e a Advocacia-Geral da União (AGU) também estão atuando na fiscalização e no ajuizamento de ações, respectivamente, em todo o processo de pagamento do auxílio emergencial.
Não há, no entanto, clareza sobre como o governo federal vai separar os servidores que fraudaram o benefício daqueles que ganharam sem pedir por estarem no CadÚnico.
O ministério disponibiliza um site para a devolução dos recursos do auxílio emergencial. Basta inserir o CPF do beneficiário que deseja fazer o retorno do dinheiro aos cofres públicos e escolher a opção que for mais conveniente: gerar uma Guia de Recolhimento da União (GRU), que pode ser paga no Banco do Brasil, ou uma que pode ser recebida em toda a rede bancária.
A ferramenta permite que ambas as guias possam ser recebidas nos guichês de caixa das agências bancárias, nos terminais autoatendimento e também no site ou aplicativo do banco.
O ministério ressalta que o canal para registro de denúncias de fraudes é o sistema Fala.Br ou pelos telefones 121 ou 08007072003.
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