Em 1926, a montadora americana Ford adotou o descanso aos finais de semana, com a ideia de que isso tornaria seus funcionários mais produtivos, reduziria ausências e melhoraria a eficiência. A iniciativa acabou virando regra no mundo.
Quase um século depois, um novo modelo, com quatro dias de trabalho, começa a ser testado em alguns países, inclusive no Brasil. A nova jornada de trabalho dá ao funcionário uma folga durante a semana.
Para especialistas, o formato, que reduz a carga horária de 40 horas para 32 horas semanais sem alteração de salário, exige um planejamento com atenção à legislação trabalhista e à organização de cada empresa. Nesses casos, seria necessário revisar metas e tarefas diárias, já que o funcionário teria menos horas de trabalho.
Apesar de estar mais em discussão nos últimos meses, foi na Islândia que tudo começou, entre os anos de 2015 e 2019. O país conduziu um experimento nacional, e 1% da população passou a trabalhar em escala 4×3. Após resultados positivos, o modelo acabou sendo implementado de forma permanente, sem alterações nos salários.
Durante a pandemia, o debate ganhou fôlego por conta do isolamento social e do home office.
No Espírito Santo, ainda não há nenhuma companhia que tenha adotado, formalmente, a nova jornada. Já no Brasil, empresas de tecnologia como Crawly, NovaHaus, Winnin, AAA Inovação, Gerencianet e Eva aderiram à semana de trabalho com quatro dias.
Ainda há dúvidas em relação ao funcionamento dessa jornada e aos direitos do trabalhador e do empregador. O advogado empresarial Victor Passos Costa explica que a empresa continuaria funcionando em seus dias normais, de cinco a seis dias na semana, porém, mantendo seus funcionários em jornadas reduzidas. Nesse caso, poderia ser adotado um rodízio dos trabalhadores.
“É importante desvincular a ideia da jornada de quatro dias ao funcionamento da empresa durante a semana. A nova jornada seria com um rodízio de funcionários, uma opção da empresa para manter os dias de funcionamento”, diz.
Do ponto de vista legal, não existe nenhuma lei que impeça a nova jornada de acontecer, mas especialistas garantem que é preciso tomar cuidados na hora de aplicar a ideia. “Havendo uma negociação coletiva com o sindicato, dificilmente o Judiciário irá negar. Os direitos do trabalhador permanecem. Talvez isso influencie no custo de vale-alimentação e transporte, pois ele estaria trabalhando menos dias”, acrescenta Victor.
A nova jornada também poderia afetar as férias do trabalhador, conforme explica o advogado.
"As férias são de 30 dias, porque o empregado trabalha 30 dias no mês. Se trabalhar 4 dias na semana, o que daria em torno de 16 dias de trabalho no mês, as férias podem ser afetadas. Mas tudo tem que ser negociado com a empresa", destaca.
A CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) regulamenta os limites de horas de trabalho, sendo 8 horas diárias e 44 semanais. Então, caso o empregador queira estender a jornada durante a semana para compensar o dia não trabalhado, pode gerar um efeito contrário ao que se quer e esbarrar nas regras trabalhistas.
Ao decidir inserir a nova jornada em sua empresa, o empregador precisa cuidar do contrato de trabalho e tudo deve ser implementado de acordo com a lei. Alterações no salário só poderão ser feitas em convenção com o sindicato.
Um outro ponto destacado pelos especialistas é que essa jornada de quatro dias de trabalho não se adequaria a todas as profissões. Algumas empresas, por conta do serviço que prestam ou vendem, não se encaixariam, mesmo com o rodízio de funcionários. Um jornalista ou um médico, por exemplo, dificilmente conseguiria essa mudança de horário.
“O rodízio de funcionários é, sim, uma opção, mas há empresas que não cabem no segmento. Quando uma empresa opta por fazer isso, ela precisa estar atenta desde o processo seletivo, para ter profissionais que se adaptem a essa pressão de fazer em quatro dias o que seria feito em cinco. Não é todo mundo que vai se adaptar”, ressalta a presidente da Associação Brasileiro de Recursos Humanos (ABRH-ES), Neidy Christo.
Ainda segundo ela, para implementar essa mudança na rotina, o trabalhador e a empresa precisarão passar por uma reorganização. “Reuniões serão reduzidas, até aquele cafezinho, que é importante, mas a gente acaba estendendo mais um pouco, precisará ser reavaliado para readequar os quatro dias de trabalho na semana”, diz.
A empresa, em acordo com o trabalhador, irá definir em qual dia da semana será incorporada a folga. Algumas empresas que já implementaram o modelo escolheram a quarta-feira, por ficar no meio da semana. No entanto, caso seja adotado o rodízio de funcionários, cada um teria dias diferentes de folga.
Mas por que as empresas estão optando pela jornada de quatro dias? Pelos bons resultados percebidos por quem já adotou o novo modelo.
O principal benefício percebido pelas organizações foi o aumento de produtividade. Já para o trabalhador, o bem-estar mental e mais tempo para lazer e atividades foram sentidos. Na Islândia, os trabalhadores reportaram redução do estresse e do risco de esgotamento.
"Em alguns países, não deu certo, como nos EUA, mas por serem muito capitalistas, tendem a priorizar o lucro. Esse tipo de modelo de jornada de trabalho quer ter os benefícios da produção, mas também se preocupa bastante com o bem-estar do empregado", reforçou a presidente da ABRH-ES.
Uma pesquisa da plataforma de recrutamento Indeed, obtida pelo jornal "Estadão", mostra que a iniciativa é bem vista pelos brasileiros justamente pelos benefícios que poderia trazer. Segundo o levantamento, 61% dos trabalhadores do País consideram mudar de emprego em caso de problemas de saúde mental e 74% acreditam que seriam mais produtivos em uma semana de quatro dias.
Os dados indicam ainda que 79% concordam em aumentar as horas diárias de trabalho para ter uma semana mais curta, e a maioria está disposta a apoiar a empresa na implementação do novo modelo (84%). De acordo com a pesquisa, a redução da carga também melhoraria a saúde mental (85%) e o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal (86%).
“Os profissionais conseguem mais tempo para o autocuidado, para a família, conseguem mais qualidade de vida, porque, ao invés de terem dois dias para resolverem tudo fora do trabalho, terão três”, ressaltou Neidy Christo.
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